terça-feira, março 16, 2010

O dilema do prisioneiro

É este o acordo: preocupar-se consigo e testemunhar contra o colega - ele apanhará dez anos de prisão enquanto você sai em liberdade. Gordon sabe que a polícia pode prendê-los por um ano, seja de que maneira for,  apenas por transportarem as facas; mas não têm provas suficientes para culpá-los do roubo. O problema é que o mesmo acordo tinha sido proposto a Toni na cela ao lado - se ambos confessassem e se incriminassem um ao outro cada um apanharia 5 anos. Se ao menos soubesse o que Tony estava a pensar fazer...
Gordon não é louco, avalia cuidadosamente as suas opções. " Supondo que Tony fica calado; então a minha melhor jogada será falar, eu saíria em liberdade e ele apanharia 10 anos. E  supondo que ele me aponta o dedo:  ainda assim será melhor confessar, testemunhar contra ele, e apanhar 5 anos - por outro lado, se ficar calado, serei eu a apanhar dez anos. Seja o que for que  Tony faça, a melhor jogada é confessar." O problema de Gordon é que Tony também não é louco e deve ter chegado exactamente à mesma  conclusão. Se se incriminarem um ao outro, cada um apanha 5 anos. Mas se cada um deles ficar calado e não disser nada, apanhariam apenas 1 ano...
(...)
O dilema surge porque cada prisioneiro está apenas preocupado com a minimização da sua pena. Para conseguirem a melhor pena para ambos ( um ano para cada um). devem colaborar e renunciar à melhor  saída para cada um individualmente  (ir em liberdade). No clássico dilema do prisioneiro, esta colaboração não é permitida, porque de modo nenhum  têm razões para confiar um no outro (...) então adoptam uma estratégia que possa pressupor a melhor saída colectiva de modo a evitar a pior saída individual.  Acabarão POR ESCOLHER uma solução não óptima, algures no meio.
As implicações mais vastas do dilema do prisioneiro são que a procura egoísta do interesse próprio, mesmo em certo sentido, racional, pode não conduzir à melhor saída para cada um e para os outros ;  daí que a colaboração, (em certas circunstâncias ) seja  definitivamente a melhor política.
50 ideias filosóficas que precisa saber, Ben Dupré, Quercus Philosophy, pp188,189,190
Tradução de Helena Serrão

sábado, março 13, 2010

Igualdade das mulheres


A independência da mulher parecia menos anti-natural para os gregos do que para outros povos antigos, tomando em conta as fabulosas Amazonas ( que se acreditava serem históricas), e o exemplo parcial dado pelas mulheres espartanas; que apesar de não estarem menos subordinadas à lei que noutros estados, eram de facto mais livres,treinadas para exercícios corporais do mesmo modo que os homens,davam  provas suficientes de que não eram naturalmente desqualificadas para esse tipo de actividades. Não há grandes dúvidas de que  a experiência das mulheres espartanas sugeriu a Platão, entre outras doutrinas, a igualdade social e política entre sexos.
Mas, dírse-ia que a norma dos homens dominarem as mulheres difere de todas estas antigas formas, por não ser feita à força: é aceite voluntariamente; as mulheres não protestam  e são coniventes com isso. Em primeiro lugar: um grande número de mulheres não aceita. Desde que as mulheres começaram a dar a conhecer os seus sentimentos através da escrita ( a única forma de publicidade que a sociedade lhes permite), um número cada vez maior participou em protestos contra a sua presente condição social: e recentemente muitas centenas, encabeçadas pelas mais eminentes mulheres conhecidas do público, elaboraram uma petição  para serem admitidas no sufrágio para o Parlamento.

Stuart Mill, Sobre a liberdade e a sujeição da mulher, Penguin,2006, pp146,147

Tradução Helena Serrão

A sujeição da mulher continua a ser uma expressão da escravatura, do desrespeito e  indiferença por todas as formas de dignidade e liberdade individuais. É exemplo claro de culturas que se recusam a evoluir ou (e esta visão é assustadora) que não interessa que evoluam, seja para as ditas sociedades "evoluídas" para quem os nichos de escravatura - ou em linguagem mercantil: mão de obra barata - são de grande utilidade, seja para prolongar o domínio de políticas ditatoriais e autocráticas. Os direitos das mulheres são os mesmos, ou deveriam ser, os mesmos da humanidade em geral, a sua violação devia ter por parte da comunidade uma intervenção legal -trata-se de direitos - ora essa intervenção legal dos estados não existe. Quem submete ou maltrata um ser humano, não tendo nenhuma autoridade para o fazer, excepto aquela que a comunidade consente em dar-lhe,  torna este consentimento um crime tão grave quanto o da submissão. O consentimento e a impunidade continuam a ser matéria de perplexidade e  motivo para uma luta sem tréguas de todos os que acreditam na igualdade e na liberdade, como valores, independentes dos valores de mercado.

domingo, março 07, 2010






PARADIGMAS E CIÊNCIA NORMAL


[...A] «ciência normal» refere-se à investigação firmemente baseada numa ou mais realizações científicas passadas, realizações essas que uma certa comunidade científica reconhece por um tempo como base do trabalho que realiza. Essas realizações aparecem hoje em dia descritas nos manuais científicos, sejam eles elementares ou avançados, embora raramente na sua forma original. Estes manuais expõem o corpo teórico aceite, exemplificam muitas ou todas as suas aplicações bem-sucedidas e comparam estas aplicações com observações e experiências científicas exemplares. Antes de estes livros se tornarem populares no início do século XIX (e mais recentemente nas ciências que atingiram a maturidade mais tarde), muitos dos clássicos famosos da ciência desempenhavam uma função semelhante. A Física de Aristótles, o Almagesto de Ptolomeu, os Principia e a Óptica de Newton, a Electricidade de Franklin, a Química de Lavoisier e a Geologia de Lyell – estas e muitas outras obras serviram durante um tempo para definir implicitamente os problemas e métodos legítimos dentro de um campo de pesquisa para as gerações subsequentes de investigadores. Estas obras desempenharam este papel porque tinham em comum duas características essenciais. A realização científica que representavam era suficientemente inovadora para atrair um grupo de aderentes estável, afastando-os de formas rivais de actividade científica. Simultaneamente, eram de tal modo indefinidas que uma grande variedade de problemas eram deixados em aberto, ficando o grupo de investigadores que entretanto se reorganizara com a tarefa de procurar resolvê-los. 

Referir-me-ei daqui em diante às realizações científicas que partilham estas duas características como «paradigmas», um termo muito próximo de «ciência normal». Ao escolhê-lo, quis sugerir que alguns exemplos aceites de prática científica concreta – exemplos que reúnem leis, teorias, aplicações e instrumentos – fornecem modelos que dão lugar a uma determinada tradição de investigação científica coerente. Falo das tradições que os historiadores descrevem sob rubricas como «astronomia ptolomaica» (ou «coperniciana»), «dinâmica aristotélica» (ou «newtoniana»), «óptica corpuscular» (ou «óptica ondulatória»), e assim por diante. O estudo dos paradigmas, incluindo muitos que são bastante menos especializados do que aqueles a que me referi acima, é aquilo que prepara fundamentalmente o estudante para se tornar membro da comunidade científica no seio da qual exercerá a sua prática. Pelo facto de se associar a homens que aprenderam as bases do seu campo de trabalho com os mesmos modelos, a sua prática subsequente dificilmente suscitará discordância aberta sobre questões fundamentais. Os homens cuja investigação se baseia em paradigmas partilhados empenham-se em seguir as mesmas regras e critérios de prática científica. Esse comprometimento e o consenso aparente que ele produz são requisitos da ciência normal, isto é, do nascimento e continuação de uma determinada tradição de estudo científico. 

Thomas S. Khun, A estrutura das revoluções científicas (Lisboa, Guerra e Paz, 2009), pp. 31-32.

Radicalismos 7: Nunca mentir

Nicola Vinci

É um dever dizer a verdade. O conceito de dever é inseparável do conceito do direito. Um dever é o que num ser corresponde aos direitos de outrem. Onde nenhum direito existe também não há deveres. Por conseguinte, dizer a verdade é um dever, mas apenas em relação àquele que tem direito à verdade. (...)
Ora a primeira questão é se o homem, nos casos em que não se pode esquivar à resposta com sim ou não, terá a faculdade (o direito) de ser inverídico. A segunda questão é se ele não estará obrigado, numa certa declaração a que o força uma pressão injusta, a ser inverídico a fim de prevenir um crime que o ameaça a si ou a outrem.
A veracidade nas declarações, que não se pode evitar, é o dever formal do homem em relação seja a quem for2, por maior que seja a desvantagem que daí decorre para ele ou para outrem; e se não cometo uma  injustiça contra quem me força injustamente a uma declaração, se a falsificar, cometo em geral, mediante tal falsificação, que também se pode chamar mentira (embora não no sentido dos juristas), uma injustiça na parte mais essencial do Direito: isto é, faço, tanto quanto de mim depende, que as declarações não tenham em geral crédito algum, por conseguinte, também que todos os direitos fundados em contratos sejam abolidos e percam a sua força – o que é uma injustiça causada à humanidade em geral.

2 Não posso aqui tomar mais acutilante o princípio ao ponto de dizer: “A inveracidade é a violação do dever para consigo mesmo.” Pois tal princípio pertence à ética; mas aqui fala-se de um dever do direito. – A doutrina da virtude vê naquela transgressão apenas a indignidade, cuja reprovação o mentiroso sobre si faz cair."

Immanuel Kant, Sobre o suposto direito de mentir, LusoSofia Press, pp.4,5


Tradução de Artur Morão

A impunidade da mentira; o  medo de dizer a verdade quando esta acusa alguém poderoso que pode vingar-se; a opinião generalizada e torpe de que confessar é sinal de fraqueza e que calar-se e aguentar, é sinal de força; são factos repetidos e continuados, indesmentíveis. Formalista e rigorista parece ser esta Filosofia de Kant, exigindo uma verdade a todo o custo,  seja qual for a circunstância. Funciona, no entanto, como um fiel de balança, para os excessos da realidade humana. Haverá sempre uma voz crítica. Que a Ética não se separe nunca do direito e que essa voz crítica possa ser actuante e acusadora. Casos como o do Leandro que se atirou ao Tua com 12 anos fazem-nos pensar sobre o medo de dizer a verdade, como se dizê-la fosse o pior dos crimes, pior ainda que matar. Inversão total dos deveres.

Helena Serrão

quarta-feira, março 03, 2010

Pertença

O mundo chama repetidamente o nosso nome. Encontraremos a nossa capacidade de resposta? Nenhuma resposta é dada, tudo é considerado um fardo, fazemos de conta que não ouvimos...garantimos assim o nosso isolamento. Responder à chamada, oferecer repetidas certezas que poderemos estar ligados, este mútuo balanço entre dar e receber acompanha-nos no caminho para casa.
Os filósofos sempre se interessaram pelo modo como os seres vivos se relacionam uns com os outros e com o mundo natural. O que tem mais importância, o indivíduo ou os membros de uma comunidade? Haverá uma razão pela qual eu deva olhar por ti e tu por mim? Devemos alguma coisa ao mundo tal como é? É o isolamento possível, e se for, será desejável? Será que estamos realmente ligados? Será a minha vida enriquecida por pertencer a uma comunidade? Determinados círculos formam connosco uma espécie de coral do conceito de pertença, conversar em conjunto, descobrir a comunidade e repensar a responsabilidade. Para a maioria, isso marca a primeira tentativa para apreender o sentido de capacidade de resposta (response hability).

Marietta McCarty, How philosophy can save your life, Penguin, 2009, London, pp.201,202
tradução de Helena Serrão
fotografia de Abbas Kowsari