tag:blogger.com,1999:blog-55726216958138713132024-03-16T01:11:01.317+00:00LogosferaUm blogue de Filosofia para professores e alunos, filósofos e não-filósofos.Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.comBlogger647125tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-26227250986976788192024-03-08T07:14:00.002+00:002024-03-08T07:14:42.723+00:00O imprevisto como um dos motores da ciência<p> </p><p class="MsoNormal"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEggQidVUmQi_Vc96uoFOpcKPrH1TvJ8f4FcCxobodM0zTtBniYZHHnRyrfC-yUKFgCHKgcO2eC6pG0TtgMLIFsHztfQONEMcwFRGZTgVRmZXfRiws7ZDIN5UTMCRYP9JnyaYdKd9ypC13-SAvZ9YAINXBl2L317AVaSvHi-ixVf6NyEG1-5BTQkwzCAkiwz/s736/bc5f60f4fd4c5d2875db535033e0009d.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="736" data-original-width="736" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEggQidVUmQi_Vc96uoFOpcKPrH1TvJ8f4FcCxobodM0zTtBniYZHHnRyrfC-yUKFgCHKgcO2eC6pG0TtgMLIFsHztfQONEMcwFRGZTgVRmZXfRiws7ZDIN5UTMCRYP9JnyaYdKd9ypC13-SAvZ9YAINXBl2L317AVaSvHi-ixVf6NyEG1-5BTQkwzCAkiwz/s320/bc5f60f4fd4c5d2875db535033e0009d.jpg" width="320" /></a></div><b><br /><span class="b-caption__title" style="background-color: white; box-sizing: border-box; color: #302d2d; font-family: fira-sans, sans-serif; font-size: 13px; letter-spacing: 0.325px; margin-block: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px;">Matt Black, Um fazendeiro revê os seus sistemas de rega, Georgia, EUA, 2017</span></b><p></p><p class="MsoNormal">Na ciência, (…) a novidade somente emerge com dificuldade
(dificuldade que se manifesta através de uma resistência) contra um pano de
fundo fornecido pelas expectativas. Inicialmente experimentamos somente o que é
habitual e previsto, mesmo em circunstâncias nas quais mais tarde se observará
uma anomalia. Contudo, uma maior familiaridade dá origem à consciência de uma
anomalia ou permite relacionar o facto a algo que anteriormente não ocorreu
conforme o previsto. Essa consciência da anomalia inaugura um período no qual
as categorias conceptuais são adaptadas até que o que inicialmente era
considerado anómalo se converta no previsto. Nesse momento completa-se a
descoberta. Já insisti anteriormente sobre o fato de que esse processo (ou um
muito semelhante) intervém na emergência de todas as novidades científicas
fundamentais Gostaria agora de assinalar que, reconhecendo esse processo,
podemos facilmente começar a perceber por é que a ciência normal — um
empreendimento não dirigido para as novidades e que a princípio tende a
suprimi-las — pode, não obstante, ser tão eficaz a provocá-las.</p>
<p class="MsoNormal">No desenvolvimento de qualquer ciência, admite-se
habitualmente que o primeiro paradigma explica com bastante sucesso a maior
parte das observações e experiências facilmente acessíveis aos praticantes
daquela ciência. Em consequência, um desenvolvimento posterior requer
geralmente, a construção de um equipamento elaborado, o desenvolvimento de um
vocabulário e técnicas esotéricas, além de um refinamento de conceitos que se
assemelham cada vez menos com os protótipos habituais do senso comum. Por um
lado, essa profissionalização leva a uma imensa restrição da visão do cientista
e a uma resistência considerável à mudança de paradigma. A ciência torna-se
sempre mais rígida. Por outro lado, dentro das áreas para as quais o paradigma
chama a atenção do grupo, a ciência normal conduz a uma informação detalhada e
a uma precisão da integração entre a observação e a teoria que não poderia ser
atingida de outra maneira. Além disso, esse detalhe e precisão da integração
possuem um valor que transcende o seu interesse intrínseco, nem sempre muito
grande. Sem os instrumentos especiais, construídos sobretudo para fins
previamente estabelecidos, os resultados que conduzem às Mesmo quando os
instrumentos especializados existem, a novidade normalmente emerge apenas para
aquele que, sabendo com precisão o que deveria esperar, é capaz de reconhecer
que algo está errado. A anomalia aparece somente contra o pano de fundo
proporcionado pelo paradigma. Quanto maiores forem a precisão e o alcance de um
paradigma, tanto mais sensível este será como indicador de anomalias e,
consequentemente de ocasiões para a mudança de paradigma. No processo normal de
descoberta, até mesmo a mudança tem uma utilidade que será mais amplamente
explorada no próximo capítulo. Ao assegurar que o paradigma não, será
facilmente abandonado, a resistência garante que os cientistas não serão
perturbados sem razão.</p>
<p class="MsoNormal">Thomas Kuhn, A estrutura das revoluções científicas, (1962),
S. Paulo, Editora Perspectivas,1998, p.90,91,92</p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-31258741007649607982024-02-28T14:29:00.003+00:002024-02-28T17:48:23.846+00:00Sobre não mentir<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOkmpdVs71gYgq_rn1nTPu3q0gqTke5fMeh_WZVu7ah7FNCiAvG7Ht4DusO3LkMzF3t_nwmXi4ZodpCh3QRGGgXS69r0k93MqV0AHPJ9sJFReBcbWmurdqsh3j17LLqko-VMV-xpVAQapOwoB0zhI83tpglokUSbrytApxEueVClEAXE4S-ihUbFLD2kPs/s694/kultur%20tava.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="694" data-original-width="694" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOkmpdVs71gYgq_rn1nTPu3q0gqTke5fMeh_WZVu7ah7FNCiAvG7Ht4DusO3LkMzF3t_nwmXi4ZodpCh3QRGGgXS69r0k93MqV0AHPJ9sJFReBcbWmurdqsh3j17LLqko-VMV-xpVAQapOwoB0zhI83tpglokUSbrytApxEueVClEAXE4S-ihUbFLD2kPs/s320/kultur%20tava.jpg" width="320" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b><span style="color: #ffa400;">Foto: Kultur Tava,</span></b></div><p></p><p class="MsoNormal">Ora a primeira questão é se o homem, nos casos em que não se
pode esquivar à resposta com sim ou não, terá a faculdade (o direito) de ser
inverídico. A segunda questão é se ele não estará obrigado, numa certa
declaração a que o força uma pressão injusta, a ser inverídico a fim de
prevenir um crime que o ameaça a si ou a outrem. A veracidade nas declarações,
que não se pode evitar, é o dever formal do homem em relação seja a quem for2 ,
por maior que seja a desvantagem que daí decorre para ele ou para outrem; e se
não cometo uma injustiça contra quem me força injustamente a uma declaração, se
a falsificar, cometo em geral, mediante tal falsificação, que também se pode
chamar mentira (embora não no sentido dos juristas), uma injustiça na parte
mais essencial do Direito: isto é, faço, tanto quanto de mim depende, que as
declarações não tenham em geral crédito algum, por conseguinte, também que
todos os direitos fundados em contratos sejam abolidos e percam a sua força – o
que é uma injustiça causada à humanidade em geral.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Por conseguinte, a mentira define-se como uma declaração
intencionalmente não verdadeira feita a outro homem, e não é preciso
acrescentar que ela deve prejudicar outrem, como exigem os juristas para a sua
definição [mendacium est falsiloquium in praejudicium alterius] 3 .
Efectivamente ela, ao inutilizar a fonte do direito, prejudica sempre outrem,
mesmo se não é um homem determinado, mas a humanidade em geral. Mas a mentira bem
intencionada pode também, por um acaso (casus), ser passível de penalidade,
segundo as leis civis. Porém, o que apenas por acaso se subtrai à punição pode
igualmente julgar-se como injustiça, segundo leis externas. Se, por exemplo,
mediante uma mentira, a alguém ainda agora mesmo tomado de fúria assassina, o
impediste de agir és responsável, do ponto de vista jurídico, de todas as
consequências que daí possam surgir. Mas se te ativeres fortemente à verdade, a
justiça pública nada em contrário pode contra ti, por mais imprevistas que
sejam as consequências. É, pois, possível que, após teres honestamente
respondido com um sim à pergunta do assassino sobre a presença em tua casa da
pessoa por ele perseguida, esta se tenha ido embora sem ser notada, furtando-se
assim ao golpe do assassino e que, portanto, o crime não tenha ocorrido; mas se
tivesses mentido e dito que ela não estava em casa e tivesse realmente saído
(embora sem teu conhecimento) e, em seguida, o assassino a encontrasse a fugir
e levasse a cabo a sua ação, poderias com razão ser acusado como autor da sua
morte, pois se tivesses dito a verdade, tal como bem a conhecias, talvez o
assassino, ao procurar em casa o seu inimigo, fosse preso pelos vizinhos que
acorreram, e ter-se-ia impedido o crime. Quem, pois, mente, por mais bondosa
que possa ser a sua disposição, deve responder pelas consequências, mesmo
perante um tribunal civil, e por ela se penitenciar, por mais imprevistas que
essas consequências possam também ser; porque a veracidade é um dever que tem
de se considerar como a base de todos os deveres a fundar num contrato e cuja
lei, quando se lhe permite a mínima excepção, se toma vacilante e inútil. Ser
verídico (honesto) em todas as declarações é, portanto, um mandamento sagrado
da razão que ordena incondicionalmente e não é limitado por quaisquer
conveniências.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><b><span style="color: #ffa400;">Immanuel Kant, Sobre um suposto direito de mentir por amor à
humanidade,<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal"><b><span style="color: #ffa400;">Tradução de Artur Morão</span></b><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-17583118182951778752024-02-21T17:10:00.005+00:002024-02-21T17:10:28.203+00:00Não há falta de normas<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7VUI_tevd3yhyphenhyphenjrXT3WEEgwwxCEsO6tyKH_CkAZyv7rG4GyNb_Iojl9U0sfPi99R5_4MR0HxHlXkaLp63S_tzHxmR85ZjBq2KmlPb6S-2lYDmyu_kwdeyjaVSZFDV3Fno7aYR_dbKWUPQuSEhacnoaqmjg7mvE5B5bKAlKsR4qhK9UXZkKo6vS_BFhmke/s567/150__A-church-destroyed-in-Yasnohorodka-near-Kyiv-March-2022-By-Diego-Herrera-567x376.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="376" data-original-width="567" height="265" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7VUI_tevd3yhyphenhyphenjrXT3WEEgwwxCEsO6tyKH_CkAZyv7rG4GyNb_Iojl9U0sfPi99R5_4MR0HxHlXkaLp63S_tzHxmR85ZjBq2KmlPb6S-2lYDmyu_kwdeyjaVSZFDV3Fno7aYR_dbKWUPQuSEhacnoaqmjg7mvE5B5bKAlKsR4qhK9UXZkKo6vS_BFhmke/w400-h265/150__A-church-destroyed-in-Yasnohorodka-near-Kyiv-March-2022-By-Diego-Herrera-567x376.jpg" width="400" /></a></div><br /><div style="text-align: center;"><b><span style="color: #ff00fe;">Diego-Herrera, Igreja destruída em Yasnohorodka perto de Kiev, March-2022,</span></b></div><p></p><p><span style="text-align: center;"><br /></span><span style="background-color: white; color: #212529; font-family: system-ui, -apple-system, "Segoe UI", Roboto, Ubuntu, Cantarell, "Noto Sans", sans-serif; font-size: 19px; font-weight: bolder; text-align: justify;">A diferença entre o âmbito moral, jurídico e religioso</span></p><p style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #212529; font-family: system-ui, -apple-system, "Segoe UI", Roboto, Ubuntu, Cantarell, "Noto Sans", sans-serif; font-size: 19px; margin: 0px 0px 15px; padding: 0px; text-align: justify;">Porque falamos em “normas” para nos referimos à Moralidade, podemos confundir-nos com as normas jurídicas e religiosas. Um código de normas pode-se inscrever nesses três âmbitos. Nós podemos pensar: <span style="box-sizing: inherit; font-weight: bolder;">“Mas todas essas normas não são estabelecidas para que todos as sigam?”</span> Ou ainda: <span style="box-sizing: inherit; font-weight: bolder;">“Não são todas as normas possíveis de transformação em relação ao contexto histórico e social?”</span> Ou então: <span style="box-sizing: inherit; font-weight: bolder;">“Todas essas normas não buscam que todos os indivíduos vivam melhor em sociedade?”</span></p><p style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #212529; font-family: system-ui, -apple-system, "Segoe UI", Roboto, Ubuntu, Cantarell, "Noto Sans", sans-serif; font-size: 19px; margin: 0px 0px 15px; padding: 0px; text-align: justify;">Sim, as normas jurídicas e, algumas normas religiosas, possuem aspetos em comum com as normas morais, como, por exemplo, o <span style="box-sizing: inherit; font-weight: bolder;">aspeto prescritivo</span>. Mas há distinções importantes. Vejamos algumas delas:</p><p style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #212529; font-family: system-ui, -apple-system, "Segoe UI", Roboto, Ubuntu, Cantarell, "Noto Sans", sans-serif; font-size: 19px; margin: 0px 0px 15px; padding: 0px; text-align: justify;">a) As normas morais têm o sentido de uma obrigação interna, ou seja, fundada na razão; as jurídicas de uma obrigação externa fundada nas leis; as religiosas têm o sentido de uma obrigação externa fundada na divindade, expressa por algum livro sagrado ou pelas autoridades religiosas;</p><p style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #212529; font-family: system-ui, -apple-system, "Segoe UI", Roboto, Ubuntu, Cantarell, "Noto Sans", sans-serif; font-size: 19px; margin: 0px 0px 15px; padding: 0px; text-align: justify;">b) As normas morais são estabelecidas pela consciência pessoal de cada indivíduo; as normas jurídicas são estabelecidas por organismos legislativos do Estado; as normas religiosas são estabelecidas pelos intérpretes da doutrina professada, tendo relação tanto com o livro sagrado (se houver para a determinada religião) quanto com a tradição;</p><p style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #212529; font-family: system-ui, -apple-system, "Segoe UI", Roboto, Ubuntu, Cantarell, "Noto Sans", sans-serif; font-size: 19px; margin: 0px 0px 15px; padding: 0px; text-align: justify;">c) As normas morais têm uma condição universalizável, ou seja, abrangem diversos aspetos da vida humana, por isso também não possuem um código formal. As normas jurídicas referem-se a questões específicas e geralmente, pela sua ligação com o Estado, afetam um território delimitado. As normas religiosas referem-se a princípios compartilhados por um grupo de pessoas, que não têm relação ao território, pois pessoas de países diferentes podem professar o mesmo credo. No entanto, as normas morais são independentes da expressão religiosa, sem que isso signifique que sejam opostas.</p><p style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #212529; font-family: system-ui, -apple-system, "Segoe UI", Roboto, Ubuntu, Cantarell, "Noto Sans", sans-serif; font-size: 19px; margin: 0px 0px 15px; padding: 0px; text-align: justify;">CORTINA, Adela; MARTINEZ, Emílio. Ética. Ediciones Akal. Espanha, 2001.</p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-34639661831914797702024-02-17T20:07:00.004+00:002024-02-17T20:07:15.154+00:00Quem gosta da liberdade mas prefere servir<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7Jf0yCYy3HNkiApgDTwvENR5U74KlSopbwPe8ktgkG0lt0ZYgYd5jTsb6NQOjxXrxC99VfC49d2i2m3pc0Fy_Fjl9WLP7Uz_u3fq4mLyNsT5ucvXOrQPjzOJk4u7DyOt5LTCUjSRv4HgpVC4FylLSWjsb8bjXAFVlS8cidH07zbdAJB6WVHtT8h-dxUdW/s750/AW-Snow-Hill.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="520" data-original-width="750" height="445" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7Jf0yCYy3HNkiApgDTwvENR5U74KlSopbwPe8ktgkG0lt0ZYgYd5jTsb6NQOjxXrxC99VfC49d2i2m3pc0Fy_Fjl9WLP7Uz_u3fq4mLyNsT5ucvXOrQPjzOJk4u7DyOt5LTCUjSRv4HgpVC4FylLSWjsb8bjXAFVlS8cidH07zbdAJB6WVHtT8h-dxUdW/w640-h445/AW-Snow-Hill.jpg" width="640" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="background-color: white; color: #777777; font-family: proxima-nova; font-size: 16px; text-align: start; white-space-collapse: preserve;"><b>Andrew Wyeth (1917 – 2009) </b></span></div><p></p><br /><p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">Nas muito famosas batalhas de Milcíades, Leônidas e
Temístocles, travadas há já dois mil anos e que permanecem tão frescas na
memória dos livros e dos homens como se tivessem acontecido ontem, nessas
batalhas travadas na Grécia para bem da Grécia e exemplo do mundo inteiro,
donde terá vindo aos gregos escassos não digo o poder mas o ânimo para se
oporem à força de navios tão numerosos que mal cabiam no mar? E para
desbaratarem nações tão numerosas que em toda a armada grega não se achariam
soldados que chegassem para preencherem, se tal fosse mister, os postos de
comandantes desses navios? É que, em boa verdade, o que estava em causa nesses
dias gloriosos não era tanto a luta entre gregos e persas como a vitória da
liberdade sobre a dominação, da razão sobre a cupidez. Quantos prodígios temos
ouvido contar sobre a valentia que a liberdade põe no coração dos que a
defendem! Mas o que acontece afinal em todos os países, com todos os homens,
todos os dias? Quem, só de ouvir contar, sem o ter visto, acreditaria que um
único homem tenha logrado esmagar mil cidades, privando-as da liberdade? Se
casos tais acontecessem apenas em países remotos e outros no-los contassem,
quem não diria que era tudo invenção e impostura? Ora o mais espantoso é
sabermos que nem sequer é preciso combater esse tirano, não é preciso
defendermo-nos dele. Ele será destruído no dia em que o país se recuse a
servi-lo. Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa
alguma. Não é preciso que o país faça coisa alguma em favor de si próprio,
basta que não faça nada contra si próprio. São, pois, os povos que se deixam
oprimir, que tudo fazem para serem esmagados, pois deixariam de ser no dia em
que deixassem de servir. É o povo que se escraviza, que se decapita, que,
podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de
liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos
os meios. Se fosse difícil recuperar a liberdade perdida, eu não insistiria
mais; haverá coisa que o homem deva desejar com mais ardor do que o retorno à
sua condição natural, deixar, digamos, a condição de alimária e voltar a ser
homem? Mas não é essa ousadia o que eu exijo dele; limito-me a não lhe permitir
que ele prefira não sei que segurança a uma vida livre. Que mais é preciso para
possuir a liberdade do que simplesmente desejá-la? Se basta um ato de vontade,
se basta desejá-la, que nação há que a considere assim tão difícil? Como pode
alguém, por falta de querer, perder um bem que deveria ser resgatado a preço de
sangue? Um bem que, uma vez perdido, torna, para as pessoas honradas, a vida
aborrecida e a morte salutar? Veja-se como, ateado por pequena fagulha,
acende-se o fogo, que cresce cada vez mais e, quanto mais lenha encontra, tanta
mais consome; e como, sem se lhe despejar água, deixando apenas de lhe fornecer
lenha a consumir, a si próprio se consome, perde a forma e deixa de ser fogo.
Assim são os tiranos: quanto mais eles roubam, saqueiam, exigem, quanto mais
arruínam e destroem, quanto mais se lhes der e mais serviços se lhes prestarem,
mais eles se fortalecem e se robustecem até aniquilarem e destruírem tudo. Se
nada se lhes der, se não se lhe obedecer, eles, sem ser preciso luta ou
combate, acabarão por ficar nus, pobres e sem nada; da mesma forma que a raiz,
sem humidade e alimento, se torna ramo seco e morto.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><b><span style="color: #ffd966;">DISCURSO SOBRE A
SERVIDÃO
VOLUNTÁRIA, Étienne de La Boétie,154</span></b></p><p class="MsoNormal"><b><span style="color: #ffd966;"><br /></span></b></p><p class="MsoNormal"><b><span style="color: #ffd966;"><br /></span></b></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-35745443187319167742024-02-07T10:05:00.004+00:002024-02-07T20:27:55.899+00:00Problematizar a indução na ciência.<p> </p><p class="MsoNormal"></p><p class="MsoNormal"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwCyYVx6p6QQyRKVkYiwS4leYZJDuFsP4Sg2XYYT4gwWVSp9nwWc4ulBjXrTeWqdh25IHLB53xrcE8l9UDyK51EOUljF_Ez5NLjYi81fVMCj4yp-O671amCjK116vNspXxZtX82xiO9wkc90KzlUyp7RraHRMDMxLfu5DydRX1R6SxT6jM0oS8HmLJV8Eg/s1200/Guerra.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="801" data-original-width="1200" height="429" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwCyYVx6p6QQyRKVkYiwS4leYZJDuFsP4Sg2XYYT4gwWVSp9nwWc4ulBjXrTeWqdh25IHLB53xrcE8l9UDyK51EOUljF_Ez5NLjYi81fVMCj4yp-O671amCjK116vNspXxZtX82xiO9wkc90KzlUyp7RraHRMDMxLfu5DydRX1R6SxT6jM0oS8HmLJV8Eg/w640-h429/Guerra.jpg" width="640" /></a></div><div><br /></div><b><span style="color: #ffa400;">Fotografia: Peter van Agtmael (2012) : Mohammed na porta da sua casa. Os residentes de Nabi Saleh protestam, desde 2009, todas as sextas feiras depois das orações do meio dia, contra a a ocupação israelita.</span></b><p></p><p></p><p class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 13.5pt; vertical-align: middle;"><span style="color: #898989; letter-spacing: 0.3pt;"><span style="font-family: arial; font-size: medium;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal"></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: medium;"><b>Um tipo diferente de objeção à perspetiva simples do método
científico levanta-se pelo facto de esta se apoiar na indução, e não na
dedução. A indução e a dedução são dois tipos diferentes de argumentos. Um
argumento indutivo envolve uma generalização baseada num certo número de observações
específicas. Se eu observar um grande número de animais com pelo, concluindo a
partir das minhas observações que todos os animais com pelo são vivíparos (isto
é, dão à luz crias em vez de porem ovos), estaria a usar um argumento indutivo.
Um argumento dedutivo, por outro lado, parte de certas premissas, passando depois logicamente para uma conclusão
que se segue dessas premissas. Por exemplo, das premissas «Todas as aves são
animais» e «Os cisnes são aves» posso concluir que, portanto, todos os cisnes
são animais: este é um argumento dedutivo. Os argumentos dedutivos preservam
a verdade. Isto significa que, se as suas premissas são verdadeiras,
as suas conclusões têm de ser verdadeiras. Entraríamos em contradição se afirmássemos
as premissas e negássemos a conclusão. Assim, se as premissas «Todas as aves são
animais» e «Os cisnes são aves» são ambas verdadeiras, tem de ser verdade que
todos os cisnes são animais. Ao invés, os argumentos indutivos com premissas
verdadeiras podem ter ou não conclusões verdadeiras. Mesmo que todas as
observações de animais com pelo por mim efetuadas tenham sido fidedignas e que
todos os animais sejam de facto vivíparos, e mesmo que tenha feito milhares de
observações, pode vir a descobrir-se que a minha conclusão indutiva de que
todos os animais com pelo são vivíparos é falsa. Na verdade, a existência do
plácido ornitorrinco, um tipo peculiar de animal com pelo que põe ovos,
significa que se trata de uma generalização falsa.</b></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: medium;"><b><o:p></o:p></b></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: medium;"><b>Apesar deste papel central desempenhado pela indução nas
nossas vidas, é um facto indesmentível que o princípio da indução não é
inteiramente fidedigno. Como já vimos, pode dar-nos uma conclusão falsa
relativamente à questão de saber se é verdade que todos os animais com pelo
são vivíparos. As suas conclusões não são tão fidedignas
quanto as conclusões resultantes de argumentos dedutivos com
premissas verdadeiras. Para ilustrar este aspeto, Bertrand Russell, nos "Problemas
da Filosofia", usou o exemplo de uma galinha que acorda todas as manhãs pensando
que, uma vez que foi alimentada no dia anterior, sê-lo-á mais uma vez naquele
dia. Um dia acorda e o camponês torce-lhe o pescoço. A galinha estava a
usar um argumento indutivo baseado num grande número de observações.
Estaremos a ser tão tolos quanto esta galinha ao apoiar-nos tão fortemente na
indução? Como poderemos justificar a nossa fé na indução? Este é o chamado
problema da indução, um problema identificado por David Hume no seu "Tratado
acerca do Conhecimento Humano". </b></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: medium;"><b>Como poderemos nós alguma vez justificar a nossa confiança num método de argumentação
tão pouco digno de confiança? Esta questão é particularmente relevante para a filosofia
da ciência porque, pelo menos na teoria simples delineada acima, a indução
desempenha um papel crucial no método científico. <o:p></o:p></b></span></p>
<p class="MsoNormal"><b><span style="color: #ffa400; font-family: arial; font-size: medium;">Nigel Walburton, Elementos básicos da Filosofia, Lisboa,
1998, Gradiva, 172,173</span><o:p></o:p></b></p><br /><p></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-20156800307026159182024-02-01T16:41:00.004+00:002024-02-01T21:10:56.633+00:00O problema da demarcação.<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAtOsDvE3opNjSNQSh4ts_htZN1iFDztybsRznIsqkRhddtEkWAkxlPcBZ7BgmnUvDZaDxnvcpS7nm_0xsK0DmPgTjXg1DJdXrVDjnNTl2Q4ZBB9LEWEtTeQu1MfdI6dnhOuhticrm0SDr4V5svoquD-aQfRW1N5spuVg7Goi5h9V9WNBrKMHJzCYAy48S/s1200/photo1.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="1200" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAtOsDvE3opNjSNQSh4ts_htZN1iFDztybsRznIsqkRhddtEkWAkxlPcBZ7BgmnUvDZaDxnvcpS7nm_0xsK0DmPgTjXg1DJdXrVDjnNTl2Q4ZBB9LEWEtTeQu1MfdI6dnhOuhticrm0SDr4V5svoquD-aQfRW1N5spuVg7Goi5h9V9WNBrKMHJzCYAy48S/w640-h426/photo1.jpg" width="640" /></a></div><br /><!--[if gte mso 9]><xml>
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<p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;"><span style="font-size: medium;"><span style="font-family: "Times New Roman", serif;"><b><span style="color: #ffa400;">Fotografia, Emin Özmen, Turquia, 2015<br /></span></b></span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><span style="font-family: "Times New Roman", serif;">Um
contributo fundamental para o problema clássico da demarcação foi dado por
Popper (1959, 2002), que era da opinião de que a ciência é diferente da
pseudociência no sentido em que visa a produção de hipóteses falsificáveis.</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><span style="font-family: "Times New Roman", serif;"> Popper
não está convencido de que, no contexto da demarcação, fazer apelo à
possibilidade de verificação seja satisfatório. A sua sugestão de uma
estratégia alternativa é baseada na observação de que as afirmações gerais
nunca podem ser verificadas pela experiência, uma vez que seria necessário um
número infinito de observações. Quantas observações de cisnes brancos são
necessárias para verificar a afirmação «Todos os cisnes são brancos»? Afirmações
gerais na forma «Todos os X são Y» dizem respeito a casos passados,
presentes e futuros de X e, portanto, nenhum número de observações de X constituiria
prova suficiente para estabelecer com certeza a verdade dessa afirmação geral.
E claro que se eu observo cem cisnes e são todos brancos, é razoável que espere
que o próximo cisne que vou observar também seja branco. Porém, como sabemos, a
observação de um <span style="letter-spacing: -0.75pt;">cisne negro numa viagem à
Austrália pode ser reveladora. A existência de apenas um caso em que X não é Y
prova que afinal </span>de contas a afirmação geral é falsa. O ponto de partida
para a introdução da noção de falsificação é o de que uma única experiência
pode contradizer a previsão baseada numa hipótese geral, e que isto é suficiente
para provar que a hipótese é falsa. Segundo Popper, só as hipóteses científicas
são falsificáveis desta maneira, ao passo que as teorias pseudocientíficas e as
teorias metafísicas são imunes ao fracasso empírico. Por este motivo, pensava
que o apelo à falsificabilidade era a forma mais promissora de distinguir a ciência
da não-ciência. Ora será que esta maneira de ver as coisas pode explicar o
estatuto pseudocientífico da astrologia? Popper (1963) defende que há uma
diferença importante entre </span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><span style="font-family: "Times New Roman", serif;">a) prever indícios observacionais com base numa
dada teoria e </span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><span style="font-family: "Times New Roman", serif;">b) modelar os indícios de modo a serem
compatíveis com a teoria. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;"><span style="font-size: medium;"><span style="font-family: "Times New Roman", serif;"><b><span style="color: #ffa400;">Lisa Bortolotti, Introdução à Filosofia das ciências, Gradiva </span><br /></b></span></span></p>
Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-52143732021115839332024-01-26T17:50:00.003+00:002024-01-27T00:29:43.775+00:00A nova nomenclatura da ciência química<p> </p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-size: medium;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-ETMfUsZ3Ajea-8s4f_xclGIxBet_Tl2e4oft1rQ07tfasf-FOf4Q4F9wpS-jY1Z7s26EIByxAVpiiSShSn0h3iUqiSdC9IU3Y1iJMGtXUHckN_BiLlwHNOeRyuEHcEGYJ1gPcL9Dj_Yz6_WO0v0HRSlN64XKfMSjYWt-KX3_6rPBgw4n5V-EVciKf3MS/s704/Seymour5.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="704" data-original-width="659" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-ETMfUsZ3Ajea-8s4f_xclGIxBet_Tl2e4oft1rQ07tfasf-FOf4Q4F9wpS-jY1Z7s26EIByxAVpiiSShSn0h3iUqiSdC9IU3Y1iJMGtXUHckN_BiLlwHNOeRyuEHcEGYJ1gPcL9Dj_Yz6_WO0v0HRSlN64XKfMSjYWt-KX3_6rPBgw4n5V-EVciKf3MS/s320/Seymour5.jpg" width="300" /></a></span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></div><span style="font-size: medium;"><b><div style="text-align: center;"><b><span style="color: #f1c232;">Foto: Seymor</span></b></div></b>Tendo reunido aliados, Lavoisier empenha-se numa ação em
profundidade: a reforma da linguagem. Já desde há várias dezenas de anos que os
químicos se queixavam da imperfeição da sua nomenclatura. Os nomes das
substâncias químicas, forjados ao longo de séculos, sancionadas pelo uso, perpetuavam
a memória de uma tradição, mas transmitiam por vezes ideias falsas. Além disso,
as descobertas de substâncias novas no decurso do século XVIII impunham a
criação de novas palavras. Levados pela preocupação de racionalizar a química, Torbern
Bergman e Guyton de Morveaub tinham avançado, mas sem sucesso, com projetos de
reforma para introduzir denominações sistemáticas, um pouco com base no modelo
de nomenclatura concebido por Lineu, na Botânica. Lavoisier, convencido da
importância das palavras na formação das ideias, (…) agarrou a ocasião para
realizar o seu desígnio em química. Banir os nomes em uso é construir uma
língua artificial, unicamente forjada com base na teoria Lavoisieriana; é
acabar com o passado. Melhor; é renascer pelo batismo. (…)<o:p></o:p></span><br /><p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">É preciso dizer que ela (a nova nomenclatura) responde
verdadeiramente a uma necessidade urgente de escapar ao caos das denominações
múltiplas (…) Mesmo se os autores se mostram cuidadosos em assegurar uma
continuidade ao conservarem os nomes do passado que não veiculam ideias falsas,
a reforma é uma verdadeira revolução porque introduz um novo espírito. É mais
um “método para nomear” que uma nomenclatura. O princípio de base é uma lógica
da composição: constituir um alfabeto de palavras simples para designar as
substâncias simples, depois designar as substâncias compostas por palavras
compostas, formadas pela justaposição de palavras simples (…)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">O método mostrou o seu valor: dois séculos mais tarde, com
alguns arranjos de permeio, continua em vigor. A nomenclatura é o elemento
essencial que metamorfoseia a revolução química em formação. Não é apenas o
manifesto de uma escola, é uma nova teoria química. Ela esvazia a tradição por
um duplo efeito de rutura. Rutura irreversível com o passado: numa geração, os
químicos esquecem a sua língua natural forjada por séculos de uso. Os textos
pré-lavoisierianos, tornam-se ilegíveis, são mergulhados numa obscura pré-história.
Rutura também no espaço social entre a química académica que se desenvolve no
quadro da nova nomenclatura e a química artesanal dos droguistas e perfumistas
que continuam a falar de espírito de sal, de vitríolo…Acabou-se o tempo da <i>Enciclopédia</i>
onde um químico como Venel podia dizer com orgulho que “a química tem o seu
próprio corpo e dupla língua, a popular e a científica”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="color: #f1c232; font-size: medium;"><b>Michel Serres, Lavoisier: Uma revolução científica in História
das Ciências, Lisboa (1989) Terramar, p.p208,209</b></span><o:p></o:p></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-78415694535311114352024-01-17T16:55:00.007+00:002024-01-24T08:25:25.987+00:00Escolher um filme para a aula<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8f0Cum9-5evAa3K2v_AEjmbj1lPpG_nUZplb9ChnNANW9QaEKdqVPDMBi5AhSkxoWFnkMcSjVQN_bU3wV4neFXuh_NXBvGTxXdcMgz2ZqKZulNB72H095RR0_H0x9VwpCVc1ZS2pI3_nVqO9qmVhpPGj-MuIpMSKFJSqhDk-uJxvY7JE_RMV0VkwJiAQq/s620/OctoberSkycena01.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="350" data-original-width="620" height="226" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8f0Cum9-5evAa3K2v_AEjmbj1lPpG_nUZplb9ChnNANW9QaEKdqVPDMBi5AhSkxoWFnkMcSjVQN_bU3wV4neFXuh_NXBvGTxXdcMgz2ZqKZulNB72H095RR0_H0x9VwpCVc1ZS2pI3_nVqO9qmVhpPGj-MuIpMSKFJSqhDk-uJxvY7JE_RMV0VkwJiAQq/w400-h226/OctoberSkycena01.jpg" width="400" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgR9As-ywxULJlb_laguZ6Nat-eZAo6qV2fXxZTWq6_reNlVmCFiqH17JeSs9wRh6g7cDq_ghaojOu9DiGOvaaJuY3I6ab8MR57P7l1qu8EQVleAegAdNbkiPd_Log_LsyEwvAAOXvpx-CF8uMCvxTUOW8pYa5BjK4qRuToxv3ExZXbs4eGRzkqPCDa2_w-/s2048/edward-neve-1.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1355" data-original-width="2048" height="265" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgR9As-ywxULJlb_laguZ6Nat-eZAo6qV2fXxZTWq6_reNlVmCFiqH17JeSs9wRh6g7cDq_ghaojOu9DiGOvaaJuY3I6ab8MR57P7l1qu8EQVleAegAdNbkiPd_Log_LsyEwvAAOXvpx-CF8uMCvxTUOW8pYa5BjK4qRuToxv3ExZXbs4eGRzkqPCDa2_w-/w400-h265/edward-neve-1.jpg" width="400" /></a></div><span style="font-size: medium;"><br /><br /></span>
<p><span style="font-size: medium;">Andei algumas semanas entusiasmada com a escolha de um filme para mostrar
aos alunos. Tantos filmes vistos, mas poucos se enquadravam nas minhas
exigências. Queria um filme bom, e pus-me a magicar na qualidade dos filmes, O
que é um filme bom? Teria de reunir quatro condições: Eu ter gostado muito, era
a primeira; a segunda era comunicar bons valores. Fiquei meio envergonhada por
pensar de uma forma um tanto arcaica, bons filmes, bons valores...penso que
isto só de o escrever parece algo muito discutível, mas para mim é claro o que
são bons valores; são valores que não se limitam a ser materiais ou
utilitários, são valores como a lealdade, a confiança, a honestidade. Em
terceiro lugar teria de focar problemas da adolescência ou, de algum modo,
estar relacionado com a adolescência. Por fim, a quarta condição era mesmo um
filtro poderoso, o filme não podia exceder (muito)o tempo de uma aula
-90m-. A escolha recaiu sobre apenas dois filmes " O céu de Outubro"
e "Eduardo mãos de tesoura". <o:p></o:p></span></p>
<p><span style="font-size: medium;">O primeiro filme era sobre um grupo de rapazes, numa vila de província
mineira. Todos com o estigma de terem de ser, mais tarde ou mais cedo,
mineiros. Um dia, nas aulas de Física e Química a professora lança um
repto, porque não concorrer a uma feira de de invenções que iria ocorrer, daí a
pouco tempo, na cidade mais perto? Os rapazes aceitam o desafio e lançam-se á
descoberta das leis da física através da construção de um foguete. Ganham o
concurso e uma porta de saída da vila se abre. Trata da lealdade, do espírito
de equipa, da perseverança. <o:p></o:p></span></p>
<p><span style="font-size: medium;">O outro filme "Eduardo, mãos de tesoura", acabou por ser o eleito.
Bravo e arrojado, inventivo e, laçado pela poesia. Há uma estrada sinuosa que
leva a um castelo onde vive um rapaz inacabado, todo normal, menos nas mãos que
são tesouras. Abaixo do castelo uma comunidade onde tudo é normal, isto é, as
casas parecem-se, os automóveis, os hábitos, e nada acontece senão rotina. Como
irá esta comunidade aceitar o rapaz disforme? Primeiro encantada e depois,
quando ele exige para si alguma dignidade, feroz a negá-lo, feroz a afastar o
disforme. <o:p></o:p></span></p>
<p><span style="font-size: medium;">O curioso deste Eduardo é que, embora inacabado (atenção que o Deep é
bonito, este disforme, é mais, um pouco esquisito) é excelentemente acabado no carácter, ele
é mais humano, no bom sentido do termo, que os outros cujo corpo é normal. O
desejo de normalidade é a mãe de todos os vícios. Ponto. Encanta-me.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p><br /></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-83264124948023545992024-01-10T12:12:00.004+00:002024-01-10T23:25:11.877+00:00Os filmes<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhf_pWzCZ8j-yKx5tun-SkWq7Fbr_OrsidgVOwvgK1WXCupCvrtlj8uAsu42x9AUzp3-fTPCn_4_qgICxOXZGykHF-xpMtfafygTVx9kNjpX3AfyknXPIuAaEo7isuKk1tHkVraBgkF9SprfhyYH3f8TKHa94ArUzOd9l5nfXQ6fRgfeeJXY1XQy_IKUlpG/s1300/dias-perfeitos.jpg.webp" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="975" data-original-width="1300" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhf_pWzCZ8j-yKx5tun-SkWq7Fbr_OrsidgVOwvgK1WXCupCvrtlj8uAsu42x9AUzp3-fTPCn_4_qgICxOXZGykHF-xpMtfafygTVx9kNjpX3AfyknXPIuAaEo7isuKk1tHkVraBgkF9SprfhyYH3f8TKHa94ArUzOd9l5nfXQ6fRgfeeJXY1XQy_IKUlpG/w640-h480/dias-perfeitos.jpg.webp" width="640" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: medium;"><b><span style="color: #a2c4c9;">Filme “Dias perfeitos” de Wim Wenders</span></b><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Filme com um homem cujo corpo é máxima expressão, os seus
gestos configuram o que faz, faz com majestosa atenção em equilíbrio perfeito
entre a sua vontade e a sua ação. O que faz é um conjunto de gestos envoltos
numa singularidade única na sua precisão. Cada gesto perfaz a ação e cada ação
é um conjunto de gestos rigorosamente medidos como se comunicassem mais sobre o
que é um homem do que descrevessem aquilo que faz. Os gestos são assim sacralizados, atingindo um patamar de comunicação que transcende o gesto e nos aproxima do
símbolo, numa experiência da essência da vida como um ritual cujo sentido nos
escapa, cujo sentido não está ao nosso alcance; nessa condição a ação não se
explica na sua finalidade útil, ela não aliena o seu agente, não o
escraviza por causa do fim que exige mas antes o liberta em virtude de reverter
a favor da rigorosa aplicação de um talento, da rigorosa aplicação de um
carácter singular que vive mas, não se
esgota no que faz antes o recria de acordo com o seu desejo e
sensibilidade de modo a transformar o gesto mais humilhante em estético ou lúdico. Ou é isso que o cinema faz, o cinema transforma essa matéria concreta em comando invisível e força transformadora.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Talvez seja por isso que o filme me parece feliz, permite-me pensar a felicidade enquanto autenticidade de um ser que permanece na sombra, indizível, supremo, sem nunca poder ser catalogado ou mesmo entendido. Percurso lento estimulado pela própria
aventura do acontecimento, a vida como oportunidade renovada de começar algo de novo, mesmo
que pareça tudo repetido. HS<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><a href="https://open.spotify.com/intl-pt/track/4TOMI010Sd4ZAX4aZ5TS85?si=6174b33015bc4fc2">A banda sonora:</a></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="text-align: left;"><span style="font-size: medium;">https://open.spotify.com/intl-pt/track/4TOMI010Sd4ZAX4aZ5TS85?si=6174b33015bc4fc2</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="mso-spacerun: yes;"><span style="font-size: medium;"> <iframe style="border-radius:12px" src="https://open.spotify.com/embed/track/4TOMI010Sd4ZAX4aZ5TS85?utm_source=generator" width="100%" height="352" frameBorder="0" allowfullscreen="" allow="autoplay; clipboard-write; encrypted-media; fullscreen; picture-in-picture" loading="lazy"></iframe></span></span><o:p></o:p></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-34186870355748534252023-12-20T09:41:00.009+00:002023-12-20T18:49:48.265+00:00A experiência está ligada à consciência dos limites<p> </p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-size: medium;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEixnaldjsBSe0yT4UnkdrVcpwvmEc32ohcUj5OtS_rhCgO1V9hG_skjxvNxlTeKe1nsCG6VPUs99y7BRhFeHsMfg43YpcpAae_w6g5mjyKTdOxUqNg4WN6SxBkSED6fT-cQ8ZTPXPQsSzNVS89ltcAomJm21pTYe7EaQNwJCizSzNdKadKbpifDvRfe4LEZ/s1200/NYC156499.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="802" data-original-width="1200" height="268" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEixnaldjsBSe0yT4UnkdrVcpwvmEc32ohcUj5OtS_rhCgO1V9hG_skjxvNxlTeKe1nsCG6VPUs99y7BRhFeHsMfg43YpcpAae_w6g5mjyKTdOxUqNg4WN6SxBkSED6fT-cQ8ZTPXPQsSzNVS89ltcAomJm21pTYe7EaQNwJCizSzNdKadKbpifDvRfe4LEZ/w400-h268/NYC156499.jpg" width="400" /></a></span></div><span style="font-size: medium;"><br /><b><span style="color: #f6b26b;">Foto: Peter Van Agtmael, 2014, Dois homens a aquecem-se ao fogo na destruída Shujai'ilya em Gaza.</span></b></span><p></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><br /></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">Se quiséssemos acrescentar também algum testemunho para este
terceiro momento da essência da experiência, o mais indicado seria certamente
Esquilo. Ele encontrou a fórmula, ou melhor, reconheceu o seu significado
metafísico, fórmula que expressa a historicidade interna da experiência:
aprender pelo sofrer. Esta fórmula não significa somente que nos tornamos
inteligentes através do dano e que somente no engano e na deceção chegamos a
conhecer mais adequadamente as coisas. Assim compreendida a fórmula deveria ser
tão velha como a própria experiência humana. Porém Esquilo pensa mais que isso.
Refere-se à razão pela qual isto é assim. O que o homem deve aprender pelo
sofrer não é isto ou aquilo, mas a perceção dos limites de ser homem, a compreensão
de que as barreiras que nos separam do divino não podem ser superadas. No
último extremo, é um conhecimento religioso - aquele conhecimento a partir
donde se dá a origem da tragédia grega. Experiência é, pois, experiência da
finitude humana. É experimentado, no autêntico sentido da palavra, aquele que é
consciente desta limitação, aquele que sabe que não é senhor do tempo nem do
futuro. O homem experimentado, propriamente, conhece os limites de toda
previsão e a insegurança de todo plano. Nele consuma-se o valor de verdade da
experiência. Se em cada fase do processo da experiência adquire uma nova
abertura para novas experiências, isto valerá tanto mais para a ideia de uma
experiência consumada. Nela a experiência não chega ao seu fim, nem se alcança
uma forma suprema de saber (Hegel), mas é onde, na verdade, a experiência está
presente por inteiro e no sentido mais autêntico. Chega ao limite absoluto todo
dogmatismo nascido da volátil possessão pelo desejo do ânimo humano. A
experiência ensina a reconhecer o que é real. Conhecer o que é, vem a ser,
pois, o autêntico resultado de toda experiência e de todo querer saber em
geral. Mas o que não é, neste caso, isto ou aquilo, "mas o que já não pode
ser revogado" (Ranke). A verdadeira experiência é aquela na qual o homem
se torna consciente da sua finitude. Nela, o poder fazer e a autoconsciência de
uma razão planificadora encontra seu limite. Mostra-se como pura ficção a ideia
de que se pode fazer marcha atrás de tudo, de que há sempre tempo para tudo e
de que, de um modo ou de outro, tudo retorna. Quem está e atua na história faz
constantemente a experiência de que nada retorna. Reconhecer o que é não quer
dizer aqui conhecer o que há num momento, mas perceber os limites dentro dos
quais ainda há possibilidade de futuro para as expectativas e os planos: ou,
mais fundamentalmente, que toda expectativa e toda planificação dos seres
finitos é, por sua vez finita e limitada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="color: #f9cb9c; font-size: medium;"><b>Hans-Georg Gadamer, Verdade e Método, , Rio de Janeiro,
Editora Vozes, 1986, pag.525 e 526<o:p></o:p></b></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="color: #f9cb9c; font-size: medium;"><b>Tradução de Flávio Paulo Meurer, com adaptações,<o:p></o:p></b></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="color: #f9cb9c; font-size: medium;"><b> <i>A historicidade da experiência, retoma a velha controvérsia da natureza das leis científicas que ultrapassam o caracter particular e histórico da experiência e se inscrevem num horizonte de universalidade e intemporalidade. Todo o conhecimento está ligado à reflexão sobre a finitude humana, a partir sobretudo da revolução moderna, da produção do conhecimento de um sujeito historicamente limitado. Embora para Descartes esse sujeito pudesse ser encarado como uma razão descarnada, um sujeito ideal, nenhum sujeito do conhecimento pode ser uma razão descarnada e lógica, ideal que as gerações seguintes se apressaram a desmentir. Poderemos ver o mesmo afã de uma racionalidade crítica imparcial na epistemologia de Popper, estritamente ligada à lógica da seleção das teorias e à racionalidade do processo, mas ninguém fica convencido que os cientistas, na sua investigação, sejam preferencialmente atentos à falsificação das suas teorias, tão pouco se estas são falsificadas por outras mais abrangentes ou explicativas. Todavia, o que me parece extraordinário no conhecimento científico e que supera esta contínua dúvida que muitos exageram para denegrir o papel da ciência, concluindo, que se nada é certo então é tudo falso, numa lógica maniqueísta perigosa e alucinada, é a capacidade que a ciência tem de reajustar, superar, testar os seus resultados servindo-se de uma linguagem que todos podem usar se assim forem ensinados. Trata-se de uma matéria que pode ser avaliada com algum rigor e reformulada e melhorada segundo critérios estabelecidos e ajustados pela comunidade. A noção de uma linguagem comum e de comunidade é o tópico que pode ultrapassar a questão da finitude como um trabalho em contínuo como um fazer-se. HS</i></b></span></o:p></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-49076888011158773062023-12-13T08:14:00.002+00:002023-12-13T08:19:27.612+00:00HUME E A JUSTIFICAÇÃO DA REGULARIDADE OU UNIFORMIDADE DA NATUREZA: O PROBLEMA DA INDUÇÃO<p style="text-align: justify;"> <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg37MCmYcd7ysRfV1_Bl_DXL8HQeMn2AQDOC8lyM3dIkMmT9Q1JS_MKjJo7rQjx9K6vi1HqGjm3vRuTGJyMVZi7NERIiOt_eqP8gL-GhH9eNKVn87VnLrBptlCFhyphenhyphenvldp3-IfUjSSSpppkQ/s1600/sol.gif" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="960" data-original-width="1280" height="496" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg37MCmYcd7ysRfV1_Bl_DXL8HQeMn2AQDOC8lyM3dIkMmT9Q1JS_MKjJo7rQjx9K6vi1HqGjm3vRuTGJyMVZi7NERIiOt_eqP8gL-GhH9eNKVn87VnLrBptlCFhyphenhyphenvldp3-IfUjSSSpppkQ/w661-h496/sol.gif" width="661" /></a></p><p><br /></p><div class="MsoNormal"><br /></div><div class="MsoNormal"><div style="text-align: justify;">Colocado na sua forma mais simples, o problema da indução pode ser reduzido ao problema de justificar a crença na uniformidade da natureza. Se a natureza é uniforme e regular no seu comportamento, então o que acontece no passado e presente que observámos é um bom guia para os acontecimentos não observados do passado, presente e futuro. No entanto, os únicos fundamentos para acreditar que a natureza é uniforme são os acontecimentos observados no passado e no presente. Parece que não podemos ir para além dos acontecimentos que observamos sem assumir aquilo mesmo que temos de provar – isto é, que as partes do mundo não observadas operam da mesma maneira que aquelas que observámos. (Este é precisamente o problema apontado por Hume.) Acreditar, portanto, que o sol pode possivelmente não nascer amanhã é, num sentido estrito, lógico, uma vez que a conclusão que ele nascerá amanhã não se segue inexoravelmente das observações passadas.</div><div style="text-align: justify;">(…)</div><div style="text-align: justify;">Reconhecendo a fraqueza relativa das inferências indutivas (comparadas às dedutivas), um bom pensador redefinirá as conclusões atingidas através da indução, dizendo que elas se seguem não com necessidade mas com probabilidade. Isto resolve o problema? É esta reformulação justificada? Podemos, por exemplo, justificar a ideia que afirma que a repetida observação do passado torna mais provável que o sol amanhã nasça do que o contrário?</div><div style="text-align: justify;">O problema está em não haver um argumento dedutivo para fundamentar esta reformulação. Para deduzir esta conclusão com sucesso necessitaríamos da premissa ‘o que aconteceu até agora acontecerá com mais probabilidade amanhã’. Porém, esta premissa está sujeita ao mesmo problema da afirmação mais forte ‘o que aconteceu até agora acontecerá com certeza amanhã’. Tal como a sua contrapartida mais forte, a premissa mais fraca baseia a sua convicção acerca do futuro no que aconteceu até agora e essa base só é justificada se aceitarmos a uniformidade (ou, pelo menos, a continuidade geral) da natureza. Mas a uniformidade (ou continuidade) da natureza é precisamente o que está em questão!</div><div style="text-align: justify;">(…)</div><div style="text-align: justify;">Apesar destes problemas, parece que não podemos dispensar as generalizações indutivas. Elas são (ou pelo menos têm sido até agora) demasiado úteis para as recusarmos. Constituem a base de muita da nossa racionalidade científica e permitem-nos pensar acerca de matérias sobre as quais nada poderíamos dizer através da dedução. Não podemos de maneira nenhuma rejeitar a premissa ‘o que observámos até agora é o nosso melhor guia para a verdade naquilo que não observámos’, mesmo se esta premissa não pode ela mesma ser justificada sem circularidade.</div><div style="text-align: justify;">Há, todavia, um preço a pagar. Temos de reconhecer que o uso da generalização indutiva pressupõe uma crença que de um modo relevante não é fundamentada.</div><br /><br /><b><span style="color: #ff8000;">Julian Baggini, Peter Fosl, <i>The Philosopher’s Toolkit</i> (London)</span></b></div><div class="MsoNormal"><b><br /><span style="color: #ffa400;">Tradução de Carlos Marques</span></b></div>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-64718148651477793112023-12-09T09:11:00.007+00:002023-12-09T22:44:04.593+00:00Hume e Kant: A experiência não é dada é já construção submetida a categorias "a priori".<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b><span style="color: #ffa400;"><br /></span></b></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTklhgsVFEc_ZwtPDlzmzyoSp6CCk49_08n8cxhBqGIYnI9_DZeRD7Ip8YPdyhksXnmFZelor_UFiP-hwbRUZcRZCDOnOTimrsam44AS62pmp2pGTXoTZRIJDp8q02J6jrP-9KTWmi2FV_SwjHdKhPKbFiujh5pNsQOXrEA3K27M3ErFQTpJ9eMPbBFBTK/s2355/paolo%20pellegrin.3jpg.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="780" data-original-width="2355" height="212" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTklhgsVFEc_ZwtPDlzmzyoSp6CCk49_08n8cxhBqGIYnI9_DZeRD7Ip8YPdyhksXnmFZelor_UFiP-hwbRUZcRZCDOnOTimrsam44AS62pmp2pGTXoTZRIJDp8q02J6jrP-9KTWmi2FV_SwjHdKhPKbFiujh5pNsQOXrEA3K27M3ErFQTpJ9eMPbBFBTK/w640-h212/paolo%20pellegrin.3jpg.jpg" width="640" /></a></div><br /><div style="text-align: center;"><b><span style="color: #ffa400;">Paolo Pellegrin, Sem título, Alemanha, 2013</span></b></div><br /><div>Pensar um objeto e conhecer um objeto não é pois uma e a mesma coisa. Para o conhecimento são necessários dois elementos: primeiro o conceito, mediante o qual é pensado em geral o objeto (a categoria), em segundo lugar a intuição, pela qual é dado; porque, se ao conceito não pudesse ser dada uma intuição correspondente, seria um pensamento, quanto à forma, mas sem qualquer objeto e, por seu intermédio, não seria possível o conhecimento de qualquer coisa; pois, que eu saiba, nada haveria nem poderia haver a que pudesse aplicar o meu pensamento. Ora, toda a intuição possível para nós é sensível (estética) e, assim, o pensamento de um objeto em geral só pode converter-se em nós num conhecimento, por meio de um conceito puro do entendimento, na medida em que este conceito se refere a objetos dos sentidos. A intuição I sensível ou é intuição pura (espaço e tempo) ou intuição empírica daquilo que, pela sensação, é imediatamente representado como real, no espaço e no tempo. Pela determinação da primeira, podemos adquirir conhecimentos a priori de objetos (na matemática), mas só segundo a sua forma, como fenómenos; se pode haver coisas que tenham de ser intuídas sob esta forma é o que aí ainda não fica decidido. Consequentemente, todos os conceitos matemáticos não são por si mesmos ainda conhecimentos, senão na medida em que se pressupõe que há coisas que não podem ser apresentadas a nós a não ser segundo a forma dessa intuição sensível pura. Coisas no espaço e no tempo só nos são dadas, porém, na medida em que são perceções (representações acompanhadas de sensação), por conseguinte graças à representação empírica. Consequentemente, os conceitos puros do entendimento, mesmo quando aplicados a intuições a priori (como na matemática) só nos proporcionam conhecimentos na medida em que estas intuições, e portanto também os conceitos do entendimento, por seu intermédio, puderam ser aplicados a intuições empíricas. Assim, também as categorias não nos concedem por meio da intuição nenhum conhecimento das coisas senão através da sua aplicação possível à intuição empírica, isto é, servem apenas para a possibilidade do conhecimento empírico. A este, porém, chama-se experiência. Eis porque as categorias só servem para o conhecimento das coisas, na medida em que estas são consideradas como objeto de experiência possível.<p></p><p><b><span style="color: #ffa400;">Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura, Lisboa, FCG, 2001, p.174</span></b></p><p><i><span style="color: #ffa400;">A causalidade como categoria ou conceito puro que torna possível o entendimento das coisas que são dadas na intuição adequa-se melhor como explicação do que aquela que David Hume dá, sobre a causalidade como projeção da mente que cria uma ilusão a partir da conjunção constante entre objetos. mas há objetos que nos aparecem em conjunção constante e que não nos conduzem à relação de causalidade entre um e outro. Reid aponta o exemplo do dia e da noite, poderíamos dar outros exemplos, o sono e o sonho, não entendemos o sono como causa do sonho, atribuímos ao sonho outras causas psicológicas que não necessariamente o sono. Se a mente projeta a partir dos acontecimentos repetidos impulsionada pelo hábito, porque não o faz sempre? Porque racionalmente não encontra forma de explicar um pelo outro.</span></i></p></div>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-9368784756639706042023-11-29T13:01:00.003+00:002023-11-29T13:01:30.421+00:00Causalidade é um princípio da razão ou deriva do modo como nos acostumámos a ver as coisas acontecerem?<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJRtQP3mUqc8XuCPyDHWi9Jw3_M2dzbxeOxsoS_TAJUvEWCwMl1pcjrY0-oD-j3C805Aoi2KzGytDl4XWaw_Ppq3aIDBuAEIzgJ7jqDerLh5bkKz3Pj_TSj7GTefEdnYfptWR8Y9WBw0uAg2-RaUJP4LQaWloWLi3lHH1W5J5u1Ve89-aPwAmUwryNstt_/s704/Seymour5.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="704" data-original-width="659" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJRtQP3mUqc8XuCPyDHWi9Jw3_M2dzbxeOxsoS_TAJUvEWCwMl1pcjrY0-oD-j3C805Aoi2KzGytDl4XWaw_Ppq3aIDBuAEIzgJ7jqDerLh5bkKz3Pj_TSj7GTefEdnYfptWR8Y9WBw0uAg2-RaUJP4LQaWloWLi3lHH1W5J5u1Ve89-aPwAmUwryNstt_/s320/Seymour5.jpg" width="300" /></a></div><br /><div style="text-align: center;"><b><span style="color: #ffa400;">Foto: Seymour</span></b></div><p></p><p>"Se procurarmos a origem da ideia de causa, diz Hume,
descobriremos que ela não pode ser uma qualidade particular inerente aos objetos;
porque objetos dos mais variados tipos podem ser causas e efeitos. O que temos
de procurar são relações entre objetos. De facto, descobrimos que as causas e
os efeitos têm de ser contíguos entre si, e que as causas têm de ser anteriores
aos seus efeitos. Mas isto não é suficiente; achamos ainda que tem de haver uma
conexão necessária entre causa e efeito, embora a natureza desta conexão seja
difícil de estabelecer. Hume nega que
tenha de haver uma causa para a existência de tudo aquilo que começa a
existir. Sendo todas as ideias
distintas separáveis umas das outras, e sendo as ideias de causa e efeito
evidentemente distintas, é fácil concebermos um objeto como não existente neste
momento, e existente no momento seguinte, sem lhe juntarmos a ideia distinta de
uma causa ou de um princípio produtivo.
É evidente que «causa» e «efeito» são termos correlativos, como o são «marido»
e «mulher», e que todo o efeito tem de ter uma causa, da mesma maneira que todo
o marido tem de ter uma mulher. Mas isto não prova que todos os acontecimentos
tenham de ter uma causa, da mesma maneira que, do facto de todos os maridos
terem de ter uma mulher, não se segue que todos os homens tenham de ter uma
mulher. Tanto quanto sabemos, pode haver acontecimentos sem causas, tal como
existem homens que não têm mulher. Se
não há qualquer absurdo em conceber que algo venha à existência ou seja sujeito
a alterações sem uma causa, não há, <i>a fortiori</i>, qualquer absurdo em
conceber que um acontecimento ocorra sem um tipo particular de causa. Sendo
logicamente concebível que muitos efeitos diferentes resultem de uma causa
particular, só a experiência pode levar-nos a esperar o efeito real. Mas com
base em quê? O que acontece, afirma
Hume, é que observamos que indivíduos pertencentes a uma espécie são
constantemente acompanhados por indivíduos pertencentes a outra. «A
contiguidade e a sucessão não são suficientes para nos levarem a declarar que
quaisquer dois objetos são causa e efeito, a não ser que observemos que estas
duas relações são preservadas em diversos exemplos». Mas de que forma nos faz
isto progredir? Se a relação causal não pode ser detetada num só exemplo, como
pode ela ser detetada em diversos exemplos, se todos os exemplos semelhantes
são independentes uns dos outros e não se influenciam uns aos outros? A resposta de Hume é que a observação da
semelhança produz uma nova impressão na mente. Tendo nós observado que um
número suficiente de casos de B se seguem a A, sentimos uma determinação da
mente em passar de A para B. É aqui que descobrimos a origem da ideia de
conexão necessária. A necessidade «mais não é do que uma impressão interna da mente,
ou uma determinação para levarmos os nossos pensamentos de um objeto para
outro». A impressão da qual deriva a ideia de conexão necessária é a
expectativa do efeito quando a causa se apresenta, expectativa essa que
constitui uma impressão produzida pela conjunção habitual de ambos. Por muito paradoxal que possa parecer, não é
a nossa inferência que depende da conexão necessária entre causa e efeito, mas
é a conexão necessária que depende da inferência que retiramos de uma para a
outra. Hume oferece-nos, não uma, mas duas definições de causalidade. A
primeira é a seguinte: uma causa é «um objeto precedente e contíguo a outro,
sendo todos os objetos semelhantes ao primeiro colocados numa relação de
semelhança e contiguidade com os objetos que se assemelham ao segundo». Nesta
definição, nada se diz acerca da conexão necessária, e não é feita qualquer
referência à atividade da mente. Assim sendo, é-nos apresentada uma segunda
definição, mais filosófica que a primeira. Uma causa é «um objeto precedente e
contíguo a outro, e de tal maneira unido a ele na imaginação que a ideia de um
determina a mente a formar a ideia do outro, e a impressão de um outro.”</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><b><span style="color: #ffa400;">Anthony Kenny, História
Concisa da Filosofia Ocidental,<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal"><b><span style="color: #ffa400;">REVISÃO CIENTÍFICA Desidério Murcho,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Sociedade Portuguesa de Filosofia</span></b><o:p></o:p></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-2464078391253840472023-11-22T12:57:00.008+00:002023-11-26T09:08:29.966+00:00A racionalidade desenvolve-se na sua falência<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXNha5SKZIL2m6QcSsWtnDlb5srPwkpIbl14YxQ7Xl4xw1gsbS_rYxMxxFsfYM9NBaaI0lTEFyTcpoSWUZZ8dS3qz76VeZxvi7NWWdA_QeXk3sLrHLwCQBQOLcDHrqjx7EDAcThotLnxabcq_EhpCPFyaHyqJI6V7B1MsTXF0BeyK_i9WEBuDYi6Sr7Njo/s1189/CEPTICISMO.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1189" data-original-width="793" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXNha5SKZIL2m6QcSsWtnDlb5srPwkpIbl14YxQ7Xl4xw1gsbS_rYxMxxFsfYM9NBaaI0lTEFyTcpoSWUZZ8dS3qz76VeZxvi7NWWdA_QeXk3sLrHLwCQBQOLcDHrqjx7EDAcThotLnxabcq_EhpCPFyaHyqJI6V7B1MsTXF0BeyK_i9WEBuDYi6Sr7Njo/w266-h400/CEPTICISMO.jpg" width="266" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: center;"><b><span style="color: #f1c232;">Bruce Davidson, rapariga segurando gato, 1947</span></b></p><p class="MsoNormal">Não há razão alguma para se estudar filosofia — afirma Hume
— salvo a de que, para certos temperamentos, é esta uma maneira agradável
de passar o tempo. «Em todos os incidentes da vida, deveríamos, não obstante,
conservar o nosso ceticismo. Se acreditamos que o fogo aquece ou que a
água refresca, isto é só porque nos dá muito trabalho pensar de outra maneira.
Mais ainda: se somos filósofos, deveríamos sê-lo baseados unicamente nestes
princípios céticos, e pela inclinação que sentimos no sentido de dedicar-nos a
isso.» Se ele abandonasse a especulação, «sinto que eu sairia perdendo
quanto ao prazer; e nisto está a origem de minha filosofia». </p><p class="MsoNormal">A filosofia de Hume, verdadeira ou falsa, é a falência da
racionalidade do século XVIII. Como Locke, começa com a intenção de ser sensorial e empírico, sem confiar em nada, mas procurando
toda o conhecimento que lhe fosse possível obter por experiência e observação. Mas,
possuidor de um intelecto melhor que o de Locke, um poder mais agudo de
análise e uma menor capacidade em aceitar inconsistências cómodas, chega à
desastrosa conclusão de que experiência e a observação nada ensinam. A crença
racional não existe: «Se acreditamos que o fogo aquece ou que a água
refresca, isto é só porque nos custa muito trabalho pensar de outra maneira.»
Não podemos deixar de crer, mas nenhuma crença pode basear-se na razão.
Tampouco uma linha de conduta pode ser mais razoável que outra, já que todas elas
são, igualmente, baseadas em convicções irracionais. (…)</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Era inevitável que tal refutação da racionalidade fosse
seguida de uma grande erupção de fé irracional. A disputa entre Hume e Rousseau é
simbólica: Rousseau era louco, mas influente; Hume era são, mas não tinha
adeptos. Os empiristas britânicos rejeitaram-lhe o ceticismo sem
refutá-lo; Rousseau e seus adeptos concordavam com Hume em que nenhuma crença se baseia
na razão, mas consideravam o coração superior à razão permitindo que
este os levasse a convicções muito diferentes das que Hume conservava na
prática. Os filósofos alemães, de Kant a Hegel, não assimilaram os argumentos de
Hume. Digo-o deliberadamente, apesar da crença que muitos
filósofos partilham com Kant, de que a sua <i>Crítica da Razão Pura</i> era uma
resposta a Hume. Na verdade, estes filósofos — pelo menos Kant e Hegel —
representam um tipo de racionalismo “pré-humeano” e podem ser refutados com
argumentos “humeanos”. Os filósofos que não podem ser refutados desta maneira são
aqueles que não pretendem ser racionais, tais como Rousseau, Schopenhauer e
Nietzsche. O desenvolvimento do irracional durante o século XIX e o que
passou para o século XX é uma consequência natural da destruição, por
Hume, do empirismo.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p>É importante, por conseguinte, descobrir se há alguma
resposta a Hume dentro de uma filosofia que é total ou principalmente
empírica. Se não, não há diferença intelectual alguma entre a sanidade e
a loucura. O lunático que se julga um ovo escaldado será condenado unicamente por
estar em minoria, ou antes — já que não devemos ter como certa a
democracia — por o governo não concordar com ele. Este é um ponto de vista
desesperado, e devemos esperar que haja algum meio de nos livrarmos dele.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><br /></p><p class="MsoNormal"><b><span style="color: #f1c232;">Bertrand Russell, História da Filosofia Ocidental (1946), Lx, Relógio D'Água (2017), p.550,551</span></b></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-33283091281152434632023-11-15T12:23:00.009+00:002023-11-26T09:14:42.966+00:00Aprender fazendo não pode ser o único modo de aprender, nem deve ser o mais aplicado.<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEh64gtaex61QwWUP_nSjg_-E419W-oJQt0GoX9BOvMN4DS9zBh5awWWyaPVGlOYxRmhCvi5l0t5f54k6BNNWpocKKjcXTblDWR7G7BkzbypA-rZnkjVL2UkuLFfnCrn_JzajzfymDoWp-ObzqGl3-s_X01kB2YyXIJGZTMU4ZO5tM7i728-Y1gaVCM02rtE" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-size: large;"><img alt="" data-original-height="1600" data-original-width="1087" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEh64gtaex61QwWUP_nSjg_-E419W-oJQt0GoX9BOvMN4DS9zBh5awWWyaPVGlOYxRmhCvi5l0t5f54k6BNNWpocKKjcXTblDWR7G7BkzbypA-rZnkjVL2UkuLFfnCrn_JzajzfymDoWp-ObzqGl3-s_X01kB2YyXIJGZTMU4ZO5tM7i728-Y1gaVCM02rtE=w272-h400" width="272" /></span></a></div><br /><div style="text-align: center;"><span style="color: #ffe599;"> <b>Fotografia: Diane Arbus, Miúdos dentro dum casaco, Nova Iorque, 1967</b></span></div><p></p><p>Sob a influência da psicologia moderna e das doutrinas
pragmáticas, a pedagogia tornou-se uma ciência do ensino em geral ao ponto de
se desligar completamente da matéria a ensinar. O professor – assim nos é
explicado – é aquele que é capaz de ensinar qualquer coisa. A formação que
recebe é em ensino e não no domínio de um assunto particular. (…) Porque o
professor não tem necessidade de conhecer a sua própria disciplina, acontece
frequentemente que ele sabe pouco mais do que os alunos. O que daqui decorre é
que, não somente os alunos são abandonados aos seus próprios meios, como ao
professor é retirada a fonte legítima da sua autoridade enquanto professor.
Pense-se o que se pensar, o professor é ainda aquele que sabe mais e é mais
competente. Em consequência, o professor não autoritário, aquele que contando
com a autoridade que a sua competência lhe poderia conferir, quereria abster-se
de todo o autoritarismo, deixa de poder existir.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Foi uma moderna teoria da aprendizagem que permitiu à
pedagogia e às escolas normais desempenhar esse pernicioso papel na atual crise
da educação. Essa teoria é, muito simplesmente, a aplicação lógica da nossa
terceira ideia-base, ideia que foi durante séculos sustentada no mundo moderno
e que encontrou a sua expressão conceptual sistemática no pragmatismo. Essa
ideia-base é a de que não se pode saber e compreender senão aquilo que se faz
por si próprio.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A aplicação à educação desta ideia é tão primitiva quanto
evidente: substituir, tanto quanto possível, o aprender pelo fazer. Considera-se
pouco importante que o professor domine a sua disciplina porque se pretende
compelir o professor ao exercício de uma atividade de constante aprendizagem
para que, como se diz, não transmita um “saber morto” mas, ao contrário,
demonstre constantemente esse saber. A intenção confessada não é de ensinar um
saber mas a de inculcar um saber-fazer. (…)<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Considera-se o jogo como o mais vivo modo de expressão e a
maneira mais apropriada para a criança se conduzir no mundo, a única atividade
que brota espontaneamente da sua existência de criança. Só aquilo que pode
aprender através do jogo corresponde à sua vivacidade. Aprender, no velho
sentido da palavra, forçando a criança a adotar uma atitude de passividade,
obrigá-la-ia a abandonar a sua própria iniciativa que não se manifesta senão no
jogo.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">O ensino das línguas ilustra diretamente a estreita ligação
entre estes dois pontos: a substituição do aprender pelo fazer e do trabalho
pelo jogo. A criança deve aprender falando, quer dizer, fazendo, e não pelo
estudo da gramática e da sintaxe. (…) é perfeitamente claro que este método
procura deliberadamente manter a criança mais velha, tanto quanto possível, num
nível infantil. Aquilo que, precisamente, deveria preparar a criança para o
mundo dos adultos, o hábito adquirido pouco a pouco de trabalhar em vez de
jogar, é suprimido em favor da autonomia do mundo da infância.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Qualquer que seja a ligação existente entre o fazer e o saber,
ou qualquer que seja a validade da fórmula pragmática, a sua aplicação à
educação, isto é, ao modo como a criança aprende, tende a fazer da infância um
mundo absoluto. Também aqui, sob pretexto de respeitar a independência da
criança, ela é excluída do mundo dos adultos para ser artificialmente mantida
no seu, tanto quanto este pode ser designado um mundo.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><b><span style="color: #ffe599;">Hannah Arendt, Entre o passado e o futuro (1954/1968), A
Crise na educação, Lx, Relógio D’Água, 2006, p.192,193,194.<o:p></o:p></span></b></p>
<p class="MsoNormal"><b><span style="color: #ffe599;">«The crisis in Education» foi pela primeira vez publicado na
Partisan Review, 25, 4 (1957),</span></b><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><i><span style="color: #ffa400;">Arendt escreveu este texto em 1957 na América, eu comecei a
dar aulas trinta anos depois. Será atual? As inovações em educação são um
contínuo rio que nela desagua, atualidade na era da internet é uma submersão,
tão pouco a podemos entender como tal, as chamadas "tecnologias digitais" , o rio que corre, sempre no momento seguinte, são também exemplo perfeito desta filosofia pragmática
do jogo na aprendizagem, do fazer autónomo dos alunos. Mas será essa
autonomia verdadeiramente desenvolvida com este tipo de pedagogia? Refiro-me aos programas digitais, com tutoriais de aprendizagem onde os alunos vão passando etapas até ao resultado final, como se jogassem um jogo de Geografia ou de outra disciplina. No jornal Expresso, desta sexta, dia 10
de Novembro, havia um artigo sobre ocorrências recentes no ensino universitário. Os professores universitários queixavam-se de receber
comunicações dos pais dos alunos a exigirem explicação pelas notas dos seus
filhos, como se ainda fossem os responsáveis pela educação de homens e mulheres
de 20 anos. Infantilização. Sabe-se também que os alunos não prestam atenção
nas aulas e que os computadores sempre acesos são muitas vezes um bom pretexto para estar a
jogar enquanto o professor ensina. Como professora do ensino secundário
defronto-me com esse problema mas, vamos… os alunos
são obrigados a estar nas aulas, são adolescentes... mas a metáfora do rio está de novo a adaptar-se aqui, deixamos fluir, e os alunos transportam os mesmos comportamentos de indisciplina, e de desinteresse para todo o lado onde se deparem com algo mais difícil ou "secante". Se nunca proibirmos esses comportamentos, consentimos, e se consentimos agora, esses procedimentos instalam-se, mesmo quando os alunos são adultos, continuando nesse estado de permissividade da iniciativa
infantil que, em jovens adultos, é anacrónica e contraproducente. HS</span></i><o:p></o:p></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-50971964072563503842023-11-02T10:10:00.002+00:002023-11-02T10:10:11.298+00:00A obrigação de ajudar<p><span style="font-size: medium;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-size: medium;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7UtsW3CIzd36JjmmPXfRRYEK0qv_JUQJmsvY_GM8pelN0iSLAfFNE8ya-rPIGnWGy_SUr9WbzhDddvEhx26R0WT_py7B9ykdgaApmu6fdjKTouWsGawCBi3093mrLc2ztiPIYk0MN1SSO6wJh6m3YT3d_cSBwz2Au4mM9IM3MHqEF2cqXtLJaPuZ3Olyq/s1900/siria2.webp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1267" data-original-width="1900" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7UtsW3CIzd36JjmmPXfRRYEK0qv_JUQJmsvY_GM8pelN0iSLAfFNE8ya-rPIGnWGy_SUr9WbzhDddvEhx26R0WT_py7B9ykdgaApmu6fdjKTouWsGawCBi3093mrLc2ztiPIYk0MN1SSO6wJh6m3YT3d_cSBwz2Au4mM9IM3MHqEF2cqXtLJaPuZ3Olyq/w400-h266/siria2.webp" width="400" /></a></span></div><div style="text-align: center;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></div><div style="text-align: center;"><span style="font-size: medium;"> <span style="color: #f1c232;">Síria 2014</span></span></div><div style="text-align: center;"><span style="font-size: medium;"><br /></span></div><span style="font-size: medium;">Suponhamos que me apercebo de que uma criança caiu a um lago e está em risco de se afogar. Alguém duvida que eu devia entrar no lago e tirar de lá a criança? Isso implicaria ficar com a roupa cheia de lama entre outros inconvenientes; no entanto, em comparação com a morte evitável da criança, isso é insignificante. Um princípio plausível que apoiaria o juízo de que devo tirar a criança do lago é o seguinte: se estiver nas nossas mãos evitar que aconteça um grande mal, sem com isso sacrificarmos nada de importância moral comparável, devemos fazê lo. […] Se este princípio fosse levado a sério e orientasse as nossas ações, a nossa vida e o nosso mundo sofreriam uma transformação radical. Porque o princípio aplica-se não apenas às raras situações em que alguém pode salvar uma criança de morrer afogada num lago, mas à situação quotidiana em que podemos ajudar quem vive na pobreza absoluta. Ao dizer isto, parto do princípio de que a pobreza absoluta, com fome e subnutrição, falta de abrigo, analfabetismo, doença, mortalidade infantil elevada e curta esperança de vida, é uma coisa má. E parto do princípio de que está ao alcance dos ricos minorar a pobreza absoluta sem sacrificar nada de importância moral comparável. Se estes dois pressupostos e o princípio que discutimos estão corretos, temos a obrigação de ajudar quem vive na pobreza absoluta, obrigação que não é menor que a nossa obrigação de salvar uma criança de se afogar num lago. Não ajudar seria um mal, seja ou não intrinsecamente equivalente a matar. Ajudar não é, como se pensa habitualmente, um ato de caridade digno de elogio, mas que não é um mal omitir; é algo que todos deviam fazer.</span><p></p><span style="font-size: medium;"><br /><span style="color: #ffd966;">Peter Singer, Ética Prática, Gradiva, pp. 250 -251 </span><br /><br /><br /></span>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-88561792511092222692023-10-25T12:10:00.008+01:002023-11-26T09:17:46.452+00:00A política como espaço de humanidade <p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjVdYLdir1P_V_jlGXPePJnPkqRsDFr0XaQlj_-deYxVQVlFENeXEBfp84-XoYiivgg3aM-KoqgHBGUh0tKzFL9RNptsfBxIsX5iQNv83CN1iTXtcIY9X2fVPi0CqxMNX3hb6qexKGMtVue1LH1fdWiVTgBc7EqvzWYwDhGlt2aLAM307199RJf3eigsGHV/s984/palestina%204.webp" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="775" data-original-width="984" height="315" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjVdYLdir1P_V_jlGXPePJnPkqRsDFr0XaQlj_-deYxVQVlFENeXEBfp84-XoYiivgg3aM-KoqgHBGUh0tKzFL9RNptsfBxIsX5iQNv83CN1iTXtcIY9X2fVPi0CqxMNX3hb6qexKGMtVue1LH1fdWiVTgBc7EqvzWYwDhGlt2aLAM307199RJf3eigsGHV/w400-h315/palestina%204.webp" width="400" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span face="glbOpenSans, "Open Sans", Arial, Inter, -apple-system, "system-ui", Roboto, "Helvetica Neue", Helvetica, Noto, Ubuntu, "Segoe UI", sans-serif" style="color: #555555; letter-spacing: -0.12px; text-align: left;"><b style="background-color: white;">Jim Pringle, Exodo Palestiano, 1948</b></span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><span style="color: red;"><div style="text-align: justify;"><br /></div></span><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;"><span style="font-size: large; text-align: left;">A época de guerras e revoluções que Lenine predisse para
este século e que estamos de facto a viver tornou, a uma escala realmente sem
precedentes, o que acontece em política um fator fundamental do destino pessoal
de toda a gente. Mas por toda a parte em que este destino se desenrolou na
plenitude da sua força, e por toda a parte em que os seres humanos foram
colhidos pelo turbilhão dos acontecimentos, esse destino causou calamidades. E
não há consolação para a calamidade que a política trouxe às pessoas, nem para
a calamidade ainda maior com que hoje ameaça toda a humanidade. As guerras do
século XX não são “tempestades de aço” (Jünger) que varrem a atmosfera
política, nem “a continuação da política por outros meios” (Clausewitz): são
catástrofes monstruosas que podem transformar o mundo num deserto e a terra em
matéria sem vida. Por outro lado, tudo o que estas revoluções -se as
considerarmos seriamente, como Marx fazia, “as locomotivas da história” (A luta
de classes em França,1848-1850) – demonstraram com certa clareza foi que o
comboio da história corre manifestamente em direção a um abismo, e que as
revoluções, longe de terem sido capazes de impedir a calamidade, só conseguiram
acelerar atrozmente a velocidade do seu desenrolar-se.</span></div><p></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Foram as guerras e as revoluções, e não o funcionamento dos
governos parlamentares e dos aparelhos dos partidos democráticos, que moldaram
as experiências políticas fundamentais do século XX. Ignorá-las equivale a não
vivermos no mundo em que de facto vivemos. (…) O que as guerras e as revoluções
têm em comum é o facto de estarem sob o signo da força bruta. Se as guerras e
as revoluções são as experiências políticas fundamentais do nosso tempo, tal
significa que estamos a mover-nos essencialmente sobre um terreno de experiência
violenta que nos impele a equacionarmos violentamente a ação política. Este
modo de equacionar as coisas pode revelar-se fatal, porque nas condições
presentes a única conclusão possível é que a ação política se torna sem
sentido, o que não deixa de ser bem compreensível dado o enorme papel que a
violência desempenhou efetivamente na história de todos os povos. (…) Se uma
ação política que não se coloca sob o signo da força bruta não alcança os seus
fins – como na realidade acontece sempre -, isso não torna a ação política nem
infundada nem sem sentido. Não passa a ser infundada porque nunca visou um
fundo, quer dizer um fim, mas se orientou apenas para objetivos, com maior ou
menor sucesso; e não passa a ser sem sentido porque no vaivém do discurso que
se troca entre indivíduos e povos, entre Estados e nações, começa por ser
criado um espaço em que tudo o mais tem lugar. Aquilo que em linguagem política
se chama “um corte de relações” é o abandono desse espaço-entre, que toda a
ação violenta começa por destruir antes de empreender a aniquilação daqueles
que vivem nas suas margens.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="color: red; font-size: medium;"><b>Hannah Arendt, A promessa da política, retirado de “The Literary
Trust of Hannah Arendt and Jerome Kohn” (2005), Relógio D’Água, Lx, 2007, p.159, 160 e 161</b></span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: medium;"><i><br /></i></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="color: #f4cccc; font-size: medium;"><i>Este é o século XXI e a sensação é a mesma. A história caminha para o abismo. A força bruta cresce na proporção direta da descrença no diálogo, nesse espaço político comum entre nações; a política. A política pode negociar situações pacíficas porque se gera, alimenta e respira no espaço comum, o espaço humano, onde toda a diversidade humana está incluída, independentemente da etnia ou religião ou partido, esse espaço-entre. O seu reconhecimento por parte das nações/Estados que se digladiam e a necessidade marcante de renovação e de verdadeira ação, poderiam ser uma luz ao fundo do túnel. Guterres ontem tentou dizer que a força bruta surge da desesperança, pela falta de reconhecimento da humanidade do outro, perpetrando sobre ele toda a espécie de humilhações (Israel sobre a Palestina). Como representante das Nações Unidas, deve ter um olhar sobre a história, reconhecer essas humilhações sistemáticas e consentidas pelo Ocidente.HS</i></span></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-73137233911436302182023-10-18T22:28:00.002+01:002023-10-18T22:28:11.700+01:00Louise Glück - 22 Abril 1943 - 13 outubro 2023<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhy_lQysd97Zz-Cy8m6DbF8uyPv1y28Sl8gaBtbxzfIsTHb_gRZWYFK5vgHl_pxikwMtgoF3zTMAQCn_DAO4Dn6PAv-c6pEA8_usyW1Hun811xlAv4fDRjAWnEltLxTqNU3dN6prjI9OkBFZK1WwXGH0ydXMhyjz8eQKL3njK_IpLVZuElBhV4TRbIBNUyN/s800/louise%20Gluck.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="600" data-original-width="800" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhy_lQysd97Zz-Cy8m6DbF8uyPv1y28Sl8gaBtbxzfIsTHb_gRZWYFK5vgHl_pxikwMtgoF3zTMAQCn_DAO4Dn6PAv-c6pEA8_usyW1Hun811xlAv4fDRjAWnEltLxTqNU3dN6prjI9OkBFZK1WwXGH0ydXMhyjz8eQKL3njK_IpLVZuElBhV4TRbIBNUyN/w400-h300/louise%20Gluck.png" width="400" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal"><b>Mãe e filho</b><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Somos todos sonhadores; não sabemos quem somos.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"> Alguma máquina nos criou; a máquina do mundo, a constritiva
família.</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Então, de volta ao mundo, polidos por suaves chicotes.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"> <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Sonhamos; não lembramos.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"> <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A máquina da família: pelagem negra,<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">florestas do corpo materno.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">A máquina da mãe: a cidade branca<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">dentro dela.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"> <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">E antes disso: terra e água.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Musgo entre as pedras, pedaços de folha e grama.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"> <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">E antes, células numa imensa escuridão.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">E antes disso, o mundo velado.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"> <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">É por isto que você nasceu: para me calar.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Células de minha mãe e de que pai, é a sua vez<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">de ser fundamental, de se tornar uma obra-prima.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"> <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Eu improvisei; eu nunca me lembro de nada.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Agora é a sua vez de se deixar guiar;<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">é você quem exige saber:<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"> <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Por que sofro? Por que sou ignorante?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Células numa imensa escuridão. Alguma máquina nos criou;<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">é a sua vez de se dirigir a ela, de perguntar<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">qual é meu propósito? Qual é meu propósito?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><br /></p><p class="MsoNormal">Tradução de Pedro Gonzaga<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"> A editora Relógio D'Água, tem traduções de Inês Dias (Averno); Ana Luísa Amaral ( A Íris Selvagem); margarida Vale de Gato (Noite virtuosa e fiel)<o:p></o:p></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-84757668548462115092023-10-18T11:01:00.004+01:002023-10-18T11:07:09.975+01:00Apologia do bom selvagem?<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNPuOXJ7RafyM52leP2tCvjqDQ2uwBdyGYj2aOYImahQLlgQCS_v5sweZdJ8xEdwy2QkKME_NGVjMAKOhM7QIjLGpemXJIYqrRwcEHu4bkLnK87VrYKt-WTNV414OjblIrYU5DzY5pbfZeEdgOfOo0_tb3Pobc9Yh2KtzqhmF-RieUSdZAAsuJuRJugP5Z/s1200/newsha%20tavakolian.2jpg.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="899" data-original-width="1200" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNPuOXJ7RafyM52leP2tCvjqDQ2uwBdyGYj2aOYImahQLlgQCS_v5sweZdJ8xEdwy2QkKME_NGVjMAKOhM7QIjLGpemXJIYqrRwcEHu4bkLnK87VrYKt-WTNV414OjblIrYU5DzY5pbfZeEdgOfOo0_tb3Pobc9Yh2KtzqhmF-RieUSdZAAsuJuRJugP5Z/s320/newsha%20tavakolian.2jpg.jpg" width="320" /></a></div><p><br /></p><span style="color: #f1c232; font-family: georgia;"><div style="text-align: center;"><b style="background-color: black;">Newsha Tavokolian, <span style="font-size: 13px; letter-spacing: 0.325px;">Portrait of Esmaiel and his brother Gholamreza. Bakhtiari Province, Iran, 2018</span></b></div></span><p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Uma tarde, próxima do fim do primeiro verão, indo eu buscar
ao povoado um sapato que havia mandado consertar, fui apanhado e metido na
cadeia, porque, (…) não pagara impostos ao Estado, deixando assim de reconhecer
a autoridade de uma instituição que, à porta do Senado, compra e vende homens,
mulheres e crianças como se fossem reses. Tinha-me retirado nos bosques com
outros objetivos. Mas, onde quer que um homem vá o grupo há de segui-lo e agarrá-lo
com as suas sórdidas instituições e, se possível, constrange-lo a tomar parte
na desesperada sociedade de Odd Fellows<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>(Sociedade de auxílio mútuo com fins educacionais e piedosos, fundada na
Inglaterra do século XVIII). É bem verdade que eu podia ter resistido à força,
com maior ou menor resultado, podia ter-me enfurecido contra a sociedade; mas
preferi que a sociedade se enfurecesse contra mim, por ser ela a parte desesperada.
Entretanto, fui libertado no dia seguinte, apanhei o sapato já consertado e
regressei aos bosques a tempo de colher o meu jantar de mirtilos na colina de
Fair Haven. Nunca fui aborrecido por ninguém a não ser por pessoas que
representam o Estado. Não tinha fechadura nem ferrolho, salvo na gaveta onde
guardava os meus papéis, nem sequer dispunha de um prego para pôr no trinco ou
nas janelas. Nunca fechei a porta de dia ou de noite, ainda que fosse
ausentar-me durante vários dias, nem mesmo quando no Outono seguinte fui passar
duas semanas aos bosques do Maine. E, contudo, a minha casa era mais respeitada
do que se tivesse sido cercada por um pelotão de soldados. O andarilho fatigado
podia repousar e aquecer-se à minha lareira, o literato entreter-se com os
pucos livros em cima da mesa, e o curioso, ao abrir a porta do armário na parede,
ver o que havia sobrado do almoço e o que eu pretendia cear. No entanto, embora
muita gente de todas as classes seguisse por este caminho rumo ao lago, não
sofri, por isso, nenhum inconveniente sério e nunca perdi nada, exceto um
pequeno livro, um volume de Homero talvez impropriamente dourado, que espero
tenha entretanto sido encontrado por um soldado do nosso acampamento. Se todos
os homens vivessem tão simplesmente como eu naquele tempo, estou convencido de
que não haveria roubos e assaltos. Estes só ocorrem nas comunidades em que
alguns têm mais do que é suficiente enquanto outros não têm o necessário. Os
Homeros de Pope (Pope, poeta do século XVIII tradutor de Homero) logo se
distribuiriam de maneira equitativa: <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">“Aos homens nem molestaram as guerras <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Quando estavam em jogo apenas as gamelas.”<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Vós que governais os assuntos públicos, que necessidade
tendes de aplicar castigos? Amai a virtude, e o povo será virtuoso. As virtudes
de um homem superior são como o vento; as do homem comum como o capim; e quando
sobre ele o vento passa, o capim verga-se.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b><span style="color: #f1c232;">Henry David Thoreau, Walden, ou a vida nos bosques, Lx,
2018, Antígona, p.193, 194, 195</span></b><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br /></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><i><span style="color: #f1c232;">A desconfiança em relação aos assuntos públicos, por parte dos que defendem ferozmente a sua individualidade como sinónimo de liberdade, não me parece alternativa. A visão da pobreza como panaceia para eliminar os males do mundo e esta visão de uma corrupção endémica do Estado e dos assuntos públicos terá, como consequência, o afastamento dos indivíduos da participação no espaço público. Sem esta participação envolvida nenhuma espécie de liberdade poderá ser garantida, pois a liberdade é, sem dúvida uma conquista de certas sociedades que abriram, ou foram forçadas a abrir o espaço público a todos os indivíduos. Mas, por inércia ou abastança ou desconfiança, afastamo-nos progressivamente desse espaço, preferimos aderir a fórmulas milagrosas, a palavras salvadoras que assentem como luva nas nossas frustrações ou mal estares, está bom de ver que o resultado não pode ser brilhante, e é arriscado. HS</span></i></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-33034489068190642302023-10-12T10:09:00.004+01:002023-10-12T10:09:14.530+01:00O ceticismo de David Hume<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOl77eAtF4chuXnrqgTV0-eXN5gaTQYvF3MY2sfbXxt06m-7pUmHxLm-UhMc6jo_uboACuu0DvhvWUfIcFgs90-9DUtjbRCGLjBmC8Oj9TQIEIoMP7uoFVfwGfbccy8dME-lHLqA61SlWTbE1bEsQkIG_CYfFhNflUt9GUxWk4VTPPECOh8wJfymuj6D8j/s1408/larry%20towell2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="520" data-original-width="1408" height="236" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOl77eAtF4chuXnrqgTV0-eXN5gaTQYvF3MY2sfbXxt06m-7pUmHxLm-UhMc6jo_uboACuu0DvhvWUfIcFgs90-9DUtjbRCGLjBmC8Oj9TQIEIoMP7uoFVfwGfbccy8dME-lHLqA61SlWTbE1bEsQkIG_CYfFhNflUt9GUxWk4VTPPECOh8wJfymuj6D8j/w640-h236/larry%20towell2.jpg" width="640" /></a></div><br /><span style="color: red;"><b>Larry Towell, Terra de ninguém, 2003. Um palestiniano foge por uma brecha na vedação de laje de 8 metros colocada para impedir o acesso à margem oeste da Palestina. </b></span><p></p><p class="MsoNormal">“O ceticismo de Hume parece derivar da conjunção das três
proposições seguintes:<o:p></o:p></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpFirst" style="margin-left: 54.0pt; mso-add-space: auto; mso-list: l0 level1 lfo1; text-indent: -36.0pt;"><!--[if !supportLists]--><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="mso-list: Ignore;">(I)<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]-->não há verdades sintéticas “a priori” a respeito
do mundo externo;<o:p></o:p></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 54.0pt; mso-add-space: auto; mso-list: l0 level1 lfo1; text-indent: -36.0pt;"><!--[if !supportLists]--><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="mso-list: Ignore;">(II)<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]-->qualquer conhecimento genuíno que tenhamos do
mundo externo deve ser derivado, em última instância da experiência percetiva;<o:p></o:p></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 54.0pt; mso-add-space: auto; mso-list: l0 level1 lfo1; text-indent: -36.0pt;"><!--[if !supportLists]--><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="mso-list: Ignore;">(III)<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]-->só são válidas derivações dedutivas.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpLast" style="margin-left: 54.0pt; mso-add-space: auto; mso-list: l0 level1 lfo1; text-indent: -36.0pt;"><!--[if !supportLists]--><span style="mso-bidi-font-family: Calibri; mso-bidi-theme-font: minor-latin;"><span style="mso-list: Ignore;">(IV)<span style="font: 7.0pt "Times New Roman";">
</span></span></span><!--[endif]-->Referir-me-ei a estas três proposições,
respetivamente como a tese antiapriorista, a tese experimentalista, e a tese
dedutivista. Elas implicam que para qualquer enunciado factual <i><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">h</span> </i>constituir conhecimento,
tem de haver premissas verdadeiras <i><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">e</span> </i>que relatam experiências percetivas e das quais <i><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">h</span></i><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span>é logicamente derivável. Mas se <i><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">h</span> </i>fala do mundo externo e <i><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">e</span></i><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%;"> </span>só fala de experiências percetivas, <i><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">h</span></i> vai mais além de <i><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">e </span></i>e, portanto, não pode
ser logicamente derivado de <i><span style="font-size: 14.0pt; line-height: 107%;">e</span></i>.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-left: 18.0pt;">Os filósofos usam frequentemente
o termo conhecimento como uma palavra-sucesso; mas, neste livro, o termo será
usado para denotar um certo corpo organizado de saber sem a implicação de estar
livre de erro. Assim pode dizer-se: “O conhecimento médico do século dezoito
era muito imperfeito e continha muito de erróneo”. Só estará a ser usado como
palavra-sucesso quando estiver em itálico. Assim, podemos enunciar o ceticismo
de Hume como a tese de que nada do nosso conhecimento do mundo externo é <i>conhecimento</i>.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-left: 18.0pt;">Podemos escolher dentro da enorme
variedade de enunciados que figuram no nosso conhecimento factual, enunciados
ocorrendo aos níveis seguintes:<o:p></o:p></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpFirst" style="margin-left: 54.0pt; mso-add-space: auto;">nível 0: relatos de perceções na primeira pessoa, do tipo aqui e agora (por
exemplo: ‘No meu campo visual há um crescente prateado contra um fundo azul
escuro’);<o:p></o:p></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 54.0pt; mso-add-space: auto;">nível 1: enunciados singulares sobre coisas ou acontecimentos observáveis
(por exemplo: ‘Há lua nova esta noite’;<o:p></o:p></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 54.0pt; mso-add-space: auto;">nível 2: generalizações empíricas sobre regularidades manifestadas por
coisas e acontecimentos observáveis (por exemplo: ‘ Uma lua nova é seguida por
marés vivas’);<o:p></o:p></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpMiddle" style="margin-left: 54.0pt; mso-add-space: auto;">nível 3: leis experimentais exatas sobre grandezas físicas mensuráveis
(por exemplo:<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>- a lei de Snell da
refração ou a lei dos gases de Charles e Gay-Lussac);<o:p></o:p></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpLast" style="margin-left: 54.0pt; mso-add-space: auto;">nível
4: teorias científicas que são não só universais e exatas, mas ainda postulam
entidades inobserváveis (por exemplo - a teoria dos campos de força de Faraday-
Maxwell).<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-left: 14.2pt;">O ceticismo de Hume também pode
expressar-se como a tese segundo a qual nenhum enunciado de nível 1, ou
superior, possa ser justificado por enunciados de níveis mais baixos. É uma
teoria epistemológica de carácter muito negativo. (…)<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="margin-left: 14.2pt;">Para o ceticismo pirrónico, o
mapa do conhecimento empírico é muito simples: só mostra um oceano
indiferenciado de incerteza. Para o ceticismo de Hume, o mapa mostra um oceano
de incerteza com uma pequena ilha de certeza no meio; esta ilha contém, para
qualquer pessoa X no instante t, o conhecimento egocêntrico de X em t sobre as
suas próprias experiências percetivas, etc.”</p><p class="MsoNormal" style="margin-left: 14.2pt;"><b><span style="color: red;">J.W.N. Watkins, Ciência e ceticismo (1984), Lx, 1990, Fundação
Calouste Gulbenkian, p.15,16,17</span></b></p>
<p class="MsoListParagraphCxSpLast" style="margin-left: 54.0pt; mso-add-space: auto;"><b><o:p><span style="color: red;"> </span></o:p></b></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-53980740097393958962023-10-06T10:59:00.003+01:002023-10-11T19:35:33.301+01:00Progride ou não progride a Filosofia em direção à verdade?<p> </p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-size: medium;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7IrI4Ko9ZnQPB4-IGhYqBCaBoZHS9hH2rrs12Z7Pi4u13UcnvYHKEKykMxP02XTPm4nyH8-gCF53NARt28aBqKfj49FS8qfYud83al6_Iy4VWWgIqZDOVva_VToodvurvqHfRlZP08lufUQR-jIm7Lv5xI5YqCe-oWo-RZrqgIs2VuynymZxIL09Thytr/s596/martine.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="400" data-original-width="596" height="430" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7IrI4Ko9ZnQPB4-IGhYqBCaBoZHS9hH2rrs12Z7Pi4u13UcnvYHKEKykMxP02XTPm4nyH8-gCF53NARt28aBqKfj49FS8qfYud83al6_Iy4VWWgIqZDOVva_VToodvurvqHfRlZP08lufUQR-jIm7Lv5xI5YqCe-oWo-RZrqgIs2VuynymZxIL09Thytr/w640-h430/martine.jpg" width="640" /></a></span></div><span style="font-size: medium;"><br /><div style="text-align: center;"><b><span style="color: #ffa400;">Martine Franck, Carnaval, Basel, Suíça, 1977</span></b></div></span><p></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">“Muitos cientistas naturais almejam um tipo distinto de
progresso, que os filósofos a começam a reconhecer como um objetivo apropriado
para eles também.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">O estereotipo do progresso científico é descobrir uma lei da
natureza. Tais leis são supostamente generalizações universais acerca do mundo
natural, que se verificam sem exceção para todos os tempos e lugares, por algum
género de necessidade: ótimo se conseguir encontrar uma. (…)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">Ainda assim, a filosofia surge de um impulso natural na
curiosidade humana articulada para ir a uma espécie de extremo nas suas
questões, e uma determinação em usar os métodos mais adequados disponíveis para
lhes responder, não aceitando substitutos. Esse impulso e essa determinação não
se extinguirão facilmente.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">O progresso nas teorias filosóficas resulta em progresso nos
métodos filosóficos, e o progresso nos métodos filosóficos resulta em progresso
nas teorias filosóficas. A caixa de ferramentas metodológica (…) pode seguramente
ser aperfeiçoada. Tal como outras ciências aperfeiçoam os seus métodos,
acontecerá não através de qualquer rutura melodramática com o passado, mas por
um difícil processo iterativo de auto refinamento."<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="color: #ffa400; font-size: medium;"><b>Timothy Wlliamson, Filosofar, da curiosidade comum ao
raciocínio lógico, Gradiva, ,Lx, 2019, p.150</b></span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><span style="color: #ffa400; font-size: medium;"><i><b>Há aqui duas visões (a deste texto e a do texto anterior) da natureza do conhecimento filosófico e do estatuto a que a Filosofia almeja. A metodologia do trabalho do filósofo também é vista de forma diferente. A história da Filosofia interpreta-se de acordo com estas duas crenças básicas. A primeira afirma que as teorias Filosóficas almejam à mesma universalidade e verdade da Ciência, têm a sua autonomia face às ciências mas uma metodologia semelhante; a segunda apela a uma visão da Filosofia cuja natureza é radicalmente diferente da ciência porque, contrariamente a esta, não obedece à fiscalidade empírica. Se analisarmos, ambas as tendências representam a própria essência do questionamento filosófico, em que a abdução não é possível pois se trata de princípios radicalmente diferentes o que, por si, tende a dar razão à segunda posição: não há forma de escolher a melhor explicação e descartar teorias filosóficas como se descartaram ao longo do tempo as teorias científicas. HS</b></i></span></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-87510244974628964742023-10-05T14:50:00.004+01:002023-10-25T10:12:58.357+01:00Não há progresso das doutrinas filosóficas morais e políticas em direção à verdade.<p> </p><p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgX_WAcN7dGGDpOZ5sCVj4ucZfudNHTI4h5-QmmMNm-DTMaoBHmOQDp-VZJgADR8cutRAZTX6SL6dPhHVlnpvomUPP8kZmhW_ch_ftF0f4P1DLf9KFXrM0CccHZ8lcsv69_L7ZoI6nsbQM0GA5zSr3-bJGUR8bCOoKUPTgkHDSZICEbzSEHFbDLHV7-2NBU/s1051/bieke.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="704" data-original-width="1051" height="428" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgX_WAcN7dGGDpOZ5sCVj4ucZfudNHTI4h5-QmmMNm-DTMaoBHmOQDp-VZJgADR8cutRAZTX6SL6dPhHVlnpvomUPP8kZmhW_ch_ftF0f4P1DLf9KFXrM0CccHZ8lcsv69_L7ZoI6nsbQM0GA5zSr3-bJGUR8bCOoKUPTgkHDSZICEbzSEHFbDLHV7-2NBU/w640-h428/bieke.jpg" width="640" /></a></div><br /><div style="text-align: center;"><b style="color: #ffa400; font-size: large;">Bieke Depoorter, Russia, 2009</b></div><p></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: large;">“…Uma coisa é certa: exceto para aqueles que compreendem e
até sentem o que é uma pergunta filosófica, e em que medida se distingue quer
de uma pergunta empírica quer de uma pergunta formal (embora esta diferença não
tenha de estar explicitamente presente ao espírito, e haja muitas perguntas que
abrangem vários campos ou que estão no limite de algum ou de alguns deles) , as
respostas - que, neste caso, são as principais doutrinas do Ocidente - poderão
muito bem parecer fantasias intelectuais, especulações filosóficas sem
fundamento na realidade, construções desprovidas</span><span style="font-size: large; mso-spacerun: yes;"> </span><span style="font-size: large;">de qualquer relação com ações ou eventos.</span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">Só quem for capaz de recriar em si, de alguma maneira, o
estado de espírito dos homens atormentados pelas perguntas para as quais estas
teorias pretendem ser soluções, ou pelo menos o estado de espírito daqueles que
poderão aceitar tais soluções de forma acrítica, mas que, sem elas,
mergulhariam num estado de insegurança e ansiedade – só esses serão capazes de
compreender o papel que as teorias filosóficas, especialmente as doutrinas
políticas, desempenharam na história, pelo menos no Ocidente. O trabalho dos
lógicos e dos físicos foi rejeitado porque foi superado; mas é absurdo sugerir
que rejeitemos as doutrinas políticas de Platão, a estética ou a ética de Kant
por terem sido “superadas” a superficial assimilação dos dois casos.</span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">Poderá objetar-se a esta linha argumentativa que, se
consideramos que as doutrinas éticas e políticas do passado continuam a ser
dignas de atenção, é porque fazem parte da nossa tradição cultural; ou seja,
que se a filosofia grega e a ética bíblica não fossem elementos constitutivos
da formação intelectual no Ocidente, já estariam tão distantes de nós como as
primeiras especulações chinesas. Mas o único efeito desta objeção é fazer o
argumento recuar um passo: é verdade que, se as características gerais da nossa
experiência -, o mais provável <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>é que
estas categorias do passado se tivessem alterado radicalmente – através de uma
revolução do nosso conhecimento ou de qualquer reviravolta natural que
alterasse as nossas reações -, o mais provável é que estas categorias do
passado nos parecessem hoje tão obsoletas como as do Código de Hamurabi ou da
epopeia de Gilgamesh. Se isso não aconteceu foi indubitavelmente, pelo menos em
parte, porque a nossa experiência está organizada e “tingida” pelas categorias
éticas e políticas que herdámos dos nossos antecessores, e que são lentes do
passado pelas quais continuamos a olhar o mundo. Mas há muito que estas lentes
nos teriam levado a tropeçar e a chocar com as coisas, tendo por isso de ser
totalmente modificadas ou substituídas, como aconteceu com as lentes da
biologia e da matemática, se não continuassem a desempenhar a sua função de
forma mais ou menos adequada; o que significa que há um certo grau de
continuidade em pelo menos dois milénios de consciência moral e política.</span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">Isaiah Berlin, A busca do Ideal, 1973, Lx, Guerra e Paz,
2023, p.107,108</span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Tradução de Maria
José Figueiredo</span></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-18401387043161200372023-09-27T16:07:00.005+01:002023-10-11T19:41:01.162+01:00Sobre a verruga de aceitar o que não se pode saber.<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiqsAD6U0mQ3lmPoW4frTDsoZuLe1VDk8cHB8qHZl_0ANLQaEsZU6oDGt-2oX03Zh6_rs3tFc7SjGHQq1zjdPAQII6w2-ssKG5AsuzmLbgQ3e0FrHv-md_tTw6a5_akp1f9XbXXWeBBaUUlUBaGzpT2IxBMWPlQB0pUMJZCZFOKyYCfZOUVpIQ9oMyUcIeR" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="888" data-original-width="1280" height="445" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiqsAD6U0mQ3lmPoW4frTDsoZuLe1VDk8cHB8qHZl_0ANLQaEsZU6oDGt-2oX03Zh6_rs3tFc7SjGHQq1zjdPAQII6w2-ssKG5AsuzmLbgQ3e0FrHv-md_tTw6a5_akp1f9XbXXWeBBaUUlUBaGzpT2IxBMWPlQB0pUMJZCZFOKyYCfZOUVpIQ9oMyUcIeR=w640-h445" width="640" /></a></div><br /><p></p><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px;"><p style="text-align: center;"><b><span style="color: #ffa400; font-size: medium;">Thomas Hoepker, Itália, 1956</span></b></p></blockquote><p><span style="font-size: medium;">" Quando nos esforçamos por descrever o eu sem o
assimilar a outrem, impõe-se uma primeira observação, e é a de que ele só
existe de maneira intermitente e, no fim de contas, bastante rara. A sua
presença corresponde a um modo de conhecimento secundário e como que reflexivo.
O que se passa, realmente, de maneira primária e imediata? Pois bem! Os objetos
estão lá todos, brilhando ao Sol ou recolhidos à sombra, rugosos ou macios,
pesados ou leves; são conhecidos, saboreados, pesados e até cozidos, polidos,
dobrados, etc. sem que esse eu que conhece, saboreia, pesa, coze, etc. por
qualquer forma exista, salvo se se cumpre o ato de reflexão que me faz surgir,
e ele raramente se cumpre. No estádio primário do conhecimento, a consciência
que eu tenho de um objeto é o próprio objeto, o objeto é conhecido, cheirado,
etc., sem que alguém que conheça, cheire, etc. Não devemos falar aqui de uma
vela que projeta um raio luminoso sobre as coisas. Tal imagem deve ser
substituída por outra; a dos objetos fosforescentes por si próprios, sem algo
exterior a iluminá-los.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">Há neste estádio ingénuo, primário e como que impulsivo, que
é o nosso modo normal de existência, uma feliz solidão do conhecido, uma
virgindade das coisas que, todas elas, possuem em si próprias, como outros
tantos atributos da sua essência – cor, odor, sabor e forma. Então Robinson é
Speranza. Só tem consciência de si através das frondes dos mirtos, onde o Sol
dardeja um punhado de flechas, só se conhece na espuma da onda deslizando sobre
a areia dourada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">E de repente a mola salta. O sujeito arranca-se ao objeto,
despojando-o de uma parte da sua cor e do seu peso. Algo estalou no mundo e um
pedaço das coisas abate-se, tornando-se <i style="mso-bidi-font-style: normal;">eu</i>.
Cada objeto é desqualificado em proveito de um sujeito correspondente. A luz
torna-se olho, e já não existe como tal; é só excitação da retina. O odor
torna-se narina, e o próprio mundo revela-se inodoro. A música do vento nos <i style="mso-bidi-font-style: normal;">paletúvios</i> é refutada; mais não é que
perturbação do tímpano. O mundo inteiro acaba-se por se fundir na minha alma,
que é a própria alma de Speranza, arrancada à ilha, a qual morrerá sob o meu
olhar cético. “<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><b><span style="color: #ffa400; font-size: medium;">Michel Tournier, Sexta feira ou os limbos do Pacífico, S..
Paulo, Difel, 1985, p.86,87</span></b><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><b><span style="color: #ffa400; font-size: medium;"><br /></span></b></p><p class="MsoNormal"><b><span style="color: #ffa400; font-size: medium;">A velha questão que nos interessa, de saber se as coisas são assim para mim, ou são mesmo assim como são para mim. Sendo que é uma questão sem forma de deslindamento. Mesmo a existência de um outro sujeito dotado de outra perceção não nos ajudaria a deslindar visto que de modo nenhum se pode saber o que são as coisas em si, mas sempre de algum modo para ti ou para mim. Seja como for, não nos conduz esta reflexão obrigatoriamente ao ceticismo, pois há sem dúvida uma partilha das mesmas determinações do objeto por vários sujeitos, o que me leva a concluir que o mais correto é estabelecer o limite de que não há O conhecimento, mas o conhecimento humano, aquele que todos, num fenómeno intersubjetivo, partilham e aferem. HS</span></b></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-27567347222451053572023-09-20T13:39:00.003+01:002023-09-20T13:40:18.860+01:00Limites do conhecimento<p> </p><p class="MsoNormal"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhrV0PA66wgEdT1L0v0934VuvOSEfeVP_g_Y40slomxVszNBabNtGc2YOl_1ZN5ri_tP5MULJC3qTWwVbM0oi5twgb1v7pXAINRY5nURqRB8B0AZ1IdFjkQoX9oXB8mxbGN6Xut1ZgDHEnxzKknl2h7ckxE11YAp1owAhjTAgBSdC18V5UID40EFFtSGXVc/s1500/notre%20dame.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="1500" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhrV0PA66wgEdT1L0v0934VuvOSEfeVP_g_Y40slomxVszNBabNtGc2YOl_1ZN5ri_tP5MULJC3qTWwVbM0oi5twgb1v7pXAINRY5nURqRB8B0AZ1IdFjkQoX9oXB8mxbGN6Xut1ZgDHEnxzKknl2h7ckxE11YAp1owAhjTAgBSdC18V5UID40EFFtSGXVc/w640-h426/notre%20dame.jpg" width="640" /></a></div><br /><span style="color: #ffa400; font-size: medium;"><b>Patrick Zachmann, 15 de Abril 2019, Destruição pelo fogo da Catededral de Notre dame em Paris.</b></span><p></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">“ O cientismo -perspetiva de que a ciência pode explicar
tudo, e que em última análise irá fazê-lo -não é o mesmo que a ciência. A
física das partículas não pretende explicar os sistemas políticos; a química inorgânica
não pretende explicar as qualidades da poesia romântica. A ciência é específica
quanto ao seu tema-os seus estudos centram-se individualmente na estrutura
fundamental da matéria, na evolução das espécies biológicas, na natureza das
galáxias distantes, no desenvolvimento das vacinas contra as infeções virais. É
uma empresa fortemente ciente de si, sempre orientada para o escrutínio a que
os cientistas submetem o seu próprio trabalho, e os trabalhos alheios, muito
antes de se aventurarem a publicá-los. O exemplo da ciência é genérico. (…)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">Estas considerações obrigam-nos a confrontar os problemas
-céticos, metodológicos e admonitórios – que dificultam a investigação, e se tornam
mais claros com os recentes avanços dramáticos do conhecimento, precisamente
devido à imensa ignorância que revelam. Identifico uma dúzia deles, e
formulo-os onde for apropriado na discussão posterior. Dou-lhes as seguintes
designações:<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><b><i>O problema do buraco da agulha</i>.</b> Todas as investigações têm
como ponto de partida dados muito limitados e terrivelmente circunscritos a que
temos acesso local no espaço e no tempo, e que nos dão, do nosso ponto de vista
finito, uma perspetiva do universo e do passado como se fosse através do buraco
de uma agulha, posicionado precisamente à nossa escala. Será que com os nossos
métodos conseguimos ultrapassá-lo e ir além dele?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><b><i>O problema da metáfora.</i></b> Que metáforas e analogias se invoca
para dar sentido ao que estas investigações nos dizem? Poderão ser enganadoras?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><b><i>O problema do mapa.</i></b> Qual é a relação entre as teorias e as realidades
que constituem os seus objetos, dadas as diferenças análogas entre um mapa e o
país que esse mapa representa?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><i><b>O problema dos critérios.</b></i> Quais são as justificações e,
quando for necessário, as retificações para a aplicação de critérios como a “simplicidade”,
a “otimalidade” e até a “beleza” e a “elegância”, na formulação de programas de
investigação e na aprovação de resultados? Invocar estes “critérios extra teóricos”
ajuda a investigação ou distorce-a?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><b><i>O problema da verdade</i></b>. Dado que a investigação empírica nos
dá probabilidades refutáveis, quais são os padrões (como a escala sigma na
ciência) tidos como satisfatórios, quase certos? Sugere isto que temos de
tratar o conceito de verdade de maneira pragmática, como um objetivo da
investigação (talvez inatingível) para o qual, no plano ideal, esta converge
estrategicamente? Onde cabe aqui o conceito da própria “verdade”?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><b><i>O problema de Ptolomeu.</i></b> O modelo geocêntrico do Universo “funcionava”
em vários aspetos, permitindo boa navegação nos oceanos e a previsão de
eclipses, mostrando por isso que uma teoria pode ser eficaz em alguns aspetos,
apesar de ser incorreta. Como evitar que sejamos enganados pela adequação
pragmática?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><b><i>O problema do martelo</i></b>. Resumindo incisivamente como “se a
nossa única ferramenta fosse um martelo, tudo parece um prego”, este problema
recorda-nos que temos tendência para ver apenas o que os nossos métodos e
equipamentos são capazes de revelar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><b><i>O problema do lampião.</i></b> Procuramos as chaves que perdemos
debaixo do lampião, à noite, porque é o único sítio em que conseguimos ver.
Investigamos o que é acessível á investigação pela óbvia razão de não podermos
ter acesso ao que é inacessível.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><b><i>O problema da interferência</i></b>. Investigar e observar pode
afetar o que está a ser investigado e observado. Quando estudamos animais no
meio selvagem, estamos a estudá-los como seriam caso não estivessem a ser
observados, ou estamos a estudar comportamentos influenciados pela nossa
observação? Daí que isto seja conhecido como “efeito do observador”. (…)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><b><i>O problema da interpolação.</i></b> Um problema sobretudo para a
história <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>e as ciências psicológicas,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>áreas nas quais as interpretações dos dados
se fazem muitas vezes em fução de pressupostos que são próprios do tempo e da
experiência dos investigadores. Conseguiremos defender-nos contra isto, quando
é uma fonte de distorção?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><b><i>O problema de Parménides.</i></b> O perigo implícito do
reducionismo; reduzir tudo a um único princípio último, causal ou explicativo,
que à primeira vista parece o pior tipo de erro elementar, mas que,
curiosamente, é uma das características das ciências rígidas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">E, por último, <b><i>o problema do martelo</i></b>. O desejo de chegar a
uma conclusão, de ter uma explicação ou crónica completa. (…)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">Estes problemas fazem alguns pensadores dizer que há coisas
que nunca poderemos saber. Dizem, por exemplo, que as questões sobre a natureza
da consciência nunca terão resposta, porque tentá-lo é como um olho que tenta
ver-se a si próprio. (…)<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;">Na verdade, é crucial apostar nas possibilidades ilimitadas
do conhecimento; é isso que nos incentiva a procurar uma compreensão maior do Universo
e de nós mesmos.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><span style="color: #ffa400; font-size: medium;"><b>A.C. Grayling, <i>As fronteiras do conhecimento</i>, 2021, Lx, Ed.
70, p.23,24,25</b><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="color: #ffa400; font-size: medium;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: medium;"> <i>Sendo estes e outros problemas inerentes à condição limitada do homem, seria de todo o interesse invocar a própria subjetividade do homem que investiga e daquele que incorpora os dados da investigação científica na sua vida. A esse propósito surgem inúmeros exemplos que manipulam esses dados de acordo com os seus interesses pessoais. Lembro a recente experiência coletiva da pandemia de COVID, como pessoas que consultam os médicos quando doentes, cumprindo de forma confiante os seus mandamentos, e que neste contexto, se recusavam a usar a máscara quando esta era prescrita, não por um médico, mas pela quase totalidade do corpo médico mundial. O que é verdadeiro quando transladado para o lado da subjetividade do homem de ciência que investiga e quando investiga. HS</i></span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5572621695813871313.post-35874125461862145562023-07-22T12:02:00.007+01:002023-07-22T12:07:53.835+01:00Sobre a poesia<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /><span face="garamond-premier-pro-display, serif" style="background-color: white; text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhJ-Bmox_IsfYqL1QdKtF-CTGHZY2f8mkvuj3KbyVqdY2OoaSnvNISuNfmdRB5v-KHyrrbiLiFCdNEvI6D54AG0z_Jcja0nHRWvcEeQZA7SHAjcsDfYOXMp56v5uwLrVvCAmCyT2AscKR7dr-wmdLEH7LTWEXHCBTtOAwsn0FAFPiz8AynnKEl8jUq02pYV/s599/Philip%20Jones%20Griffiths1.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="400" data-original-width="599" height="429" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhJ-Bmox_IsfYqL1QdKtF-CTGHZY2f8mkvuj3KbyVqdY2OoaSnvNISuNfmdRB5v-KHyrrbiLiFCdNEvI6D54AG0z_Jcja0nHRWvcEeQZA7SHAjcsDfYOXMp56v5uwLrVvCAmCyT2AscKR7dr-wmdLEH7LTWEXHCBTtOAwsn0FAFPiz8AynnKEl8jUq02pYV/w640-h429/Philip%20Jones%20Griffiths1.jpg" width="640" /></a></div><br /></span><p></p><p><span face="garamond-premier-pro-display, serif" style="background-color: white; text-align: center;"> </span> <b><span style="color: #ffa400;">Fotografia: Philip Jones Griffiths, Norte da Irlanda, 1965</span></b></p><p> <span style="font-size: medium;">…se a arte só pertence ao raro e puro génio, mesmo uma
pessoa mediana em tudo, se está, com efeito, estimulada por uma forte impressão
ou qualquer súbita inspiração do seu espírito, poderá compor uma bela ode, visto
que para isso só precisa de uma viva intuição dos seus próprios sentimentos num
momento de exaltação. Bastam, para o provar, todos esses cantos líricos de
indivíduos que permanecem aliás desconhecidos, especialmente as canções populares
alemães, de que temos uma excelente recolha no <i>Wunderhorn</i>,e também essas
inúmeras canções de amor e outras, em todas as línguas. Com efeito, agarrar uma
impressão do momento, e dar-lhe corpo num canto, eis em que consiste este
género de poesia. Entretanto, na poesia lírica, se se encontra um verdadeiro
poeta, , ele exprime na sua obra a natureza íntima da humanidade inteira. Tudo
o que milhões de seres passados, presentes e futuros, sentiram ou hão de sentir
nas mesmas situações que reaparecem sem cessar, ele sente-o e exprime-o
vivamente. Essas situações, pelo seu eterno retorno, duram tanto quanto a
própria humanidade e provocam sempre os mesmos sentimentos. Igualmente, as
produções líricas do verdadeiro poeta subsistem, durante séculos, vivas,
verdadeiras e jovens. O poeta é, portanto, o resumo do ser humano em geral:
tudo o que alguma vez fez bater um coração humano, tudo o que a natureza humana,
numa circunstância qualquer, fez brotar para fora de si, tudo o que alguma vez habitou
e amadureceu num peito humano – tal é a matéria que ele trabalha, como trabalha
todo o resto da natureza. Além disso, o poeta é igualmente capaz de cantar a
volúpia e os assuntos místicos, de ser Anacreonte ou Angelus Silesius, de
escrever tragédias ou comédias, de esboçar um carácter elevado ou comum,
conforme o seu capricho ou a sua vocação. É por isso que ninguém lhe pode
prescrever ser nobre e elevado, moral, piedoso, cristão, ou isto ou aquilo;
ainda menos se lhe pode censurar ser isto ou aquilo. Ele é o espelho da
humanidade, e traz-lhe à consciência todos os sentimentos de que ela está cheia
e animada.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size: medium;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p><b style="color: #ffa400; font-size: large;">Arthur Schopenhauer, O mundo como vontade e representação,
Lx,2021, Ed 70, p.313,314</b></p>
<p class="MsoNormal"><span style="color: #ffa400;"><span style="font-size: medium;"><b>Trad. M.F. Sá Correia</b></span><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal"><o:p><span style="color: #ffa400;"> </span></o:p></p>Helena Serrãohttp://www.blogger.com/profile/00046699037304144542noreply@blogger.com0