Ora, as relações sociais entre seres humanos, excepto no caso do senhor e do escravo, são manifestamente impossíveis sobre qualquer outra base que não a da obrigatoriedade de consultar os interesses de todos. A associação entre iguais só pode existir baseada no entendimento de que os interesses de todos têm de ser encarados de modo igual. E uma vez que, em todos os estados de civilização, cada pessoa, com excepção de um monarca absoluto, tem iguais, todos são obrigados a viver com alguém de acordo com estas condições; e em cada época é feito um avanço rumo a um estado no qual será impossível viver permanentemente de acordo com outras condições com quem quer que seja. Desta forma, as pessoas crescem sendo incapazes de conceber como possível para si mesmas um estado de total menosprezo pelos interesses das outras pessoas. (…)
O fortalecimento dos laços sociais, e todo o crescimento saudável da sociedade, não dá apenas a cada indivíduo um interesse pessoal mais forte na consulta efectiva do bem-estar dos outros; leva-o também a identificar cada vez mais os seus sentimentos com o bem deles ou, pelo menos, com um grau ainda maior de consideração prática por esse bem. Como que por instinto, o indivíduo ganha consciência de si próprio como um ser que obviamente se preocupa co os outros. O bem dos outros torna-se para ele uma coisa à qual se tem de dar atenção, natural e necessariamente, como a qualquer dos estados físicos da nossa existência. (…)
Num estado de aperfeiçoamento da mente humana, as influências que tendem a gerar em cada indivíduo um sentimento de unidade com todos os outros estão em aumento permanente; sentimento que, se perfeito, faria o indivíduo nunca pensar em qualquer condição benéfica para si mesmo, ou desejá-la, caso não estivessem todos incluídos nos seus proveitos. Se agora imaginarmos este sentimento de unidade a ser ensinado como uma religião, e toda a força da educação, das instituições e da opinião, dirigidos, como em tempos aconteceu com a religião, no sentido de fazer cada pessoa crescer, desde a infância, rodeada de todos os lados pela afirmação e pela prática desse sentimento de unidade, penso que ninguém capaz de conceber essa ideia sentirá qualquer dúvida quanto à importância da aprovação última para a moral da felicidade.
John Stuart Mill, O Utilitarismo(1871), Lx, Gradiva (2005), pp.84,85,86