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sexta-feira, setembro 12, 2008

Uma visão da modernidade

Félix Nadar, 1820/1910, Baudelaire
Baudelaire caracteriza do modo seguinte o rosto da modernidade, não negando o sinal de Caim na sua fronte: "A maior parte dos poetas que se ocuparam de assuntos verdadeiramente modernos contentou-se com os reconhecidos e oficiais - as nossas vitórias e o nosso heroísmo político. Mesmo assim, fazem-no de mau grado, só porque o governo lhes faz a encomenda e lhes paga os honorários. E no entanto há assuntos da vida privada que são muito mais heróicos. O espectáculo da vida mundana e dos milhares de existências sem saída que habitam os subterrâneos de uma grande cidade- as dos criminosos e das mulheres amancebadas - a Gazette des Tribunaux e o Moniteur, mostram que só precisamos de abrir os olhos para descobrir o nosso próprio heroísmo." Aqui surge o apache, o delinquente urbano, na imagem do herói, nele convergem os caracteres que Bounoure assinala na solidão de Baudelaire - "um noli me tangere, um enclausuramento do indivíduo na sua diferença." O apache rejeita as virtudes e as leis. Denuncia de uma vez por todas o Contrat Social, e acha que todo o mundo o separa do burguês. (...) Antes de Baudelaire, o apache, que durante toda a vida se vê remetido à periferia da sociedade como da grande cidade, não tem lugar na literatura.(...) Os poetas encontram o lixo da sociedade nas suas ruas, e é também ele que lhes fornece a sua matéria heróica. Assim, no tipo ilustre do poeta transparece um outro, vulgar de que ele é cópia. O poeta é penetrado pelos traços do trapeiro, que tantas vezes ocupou Baudelaire. (...) " Eis um homem cuja função é recolher o lixo de mais um dia na vida da capital. Tudo o que a grande cidade rejeitou, perdeu, partiu, é catalogado e coleccionado por ele. Vai compulsando os anais da devassidão, o cafarnaun da escória. Faz uma triagem, uma escolha inteligente; procede como um avarento com o seu tesouro, juntando o entulho que, entre as maxilas da deusa da indústria, voltaram a ganhar forma de objectos úteis ou agradáveis.".Esta descrição é apenas uma metáfora ampliada do trabalho do poeta segundo o sentimento de Baudelaire. Trapeiro ou poeta -a escória interessa a ambos; ambos exercem solitários, a sua profissão, a horas em que os burgueses se entregam ao sono; até o gesto é o mesmo em ambos. Nadar fala da passada brusca de Baudelaire; é o passo do poeta saqueando a cidade nas suas deambulações em busca de rimas.


Walter Benjamin, A modernidade,Assírio e Alvim, Lx, 2006 pag.80, 81

Tradução de João Barrento

Os excertos de Baudelaire são retirados de Oeuvres de Charles Baudelaire, Pléiade,1931,1932

quarta-feira, setembro 03, 2008

A maioridade

Josef Koudelka, Invasão de Praga pelas tropas soviéticas, Agosto de 1968

O Iluminismo é a saída do homem da menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude! tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo.

A preguiça e a covardia são as causas, por que os homens em tão grande parte, após a natureza há muito os ter libertado do controlo alheio (naturaliter maiorennes) , continuem, no entanto, de boa vontade menores durante toda a vida; e também porque a outros se torna tão fácil assumirem-se como seus tutores. É tão cómodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um director espiritual que tem por mim consciência moral, um médico que por mim decide da dieta, etc., não preciso eu póprio de me esforçar. Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida. Porque a imensa maioria dos homens (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e também muito perigosa , por isso é que os tutores de boa vontade tomaram a seu cargo a sua superitendência. Depois de, primeiro terem embrutecido os seus animais domésticos e evitado cuidadosamente que estas criaturas pacíficas ousassem dar um passo para fora da carroça em que as encerraram, mostrando-lhes em seguida o perigo que as ameaça, se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo não é assim tão grande, pois aprenderiam por fim a andar muito bem. Só que um tal exemplo intimida e, em geral, gera pavor perante todas as tentativas ulteriores.

Immanuel Kant, Resposta à pergunta: O que é o Iluminismo?, in A paz perpétua e outros Opúsculos, (Edições 70, Lx,1988, pag. 11). Tradução de Artur Morão.



Comentário:
A tradução não respeita a semântica da língua portuguesa, há frases mastigadas, outras que são sintacticamente incorrectas.
A posição machista de Kant prevalece. As mulheres são belas mas são todas dependentes, enquanto alguns homens, uma minoria, já atingiu o estado de maioridade ou independência intelectual.
Bom, terá a natureza equilibrado as qualidades dando às mulheres beleza e aos homens maior consistência intelectual? Ou será que Kant não quis ofender as mulheres chamando-lhes apenas "incapazes" e eufemisticamente preferiu "belas, mas incapazes"?
A história desmentiu esse juízo, parece-me que a maioria dos homens está hoje na menoridade e a maioria das mulheres também.
Helena Serrão