sábado, dezembro 29, 2007

Educar para a liberdade

Annie Leibovich, Barisnikov

" O único que cumpre a sua vontade é aquele que não precisa, para o fazer, de colocar os braços do outro no fim dos seus: de onde se segue que o primeiro de todos os bens não é a autoridade mas a liberdade. O homem verdadeiramente livre não quer senão o que pode, e faz o que lhe agrada. Eis a minha máxima fundamental. Trata-se somente de a aplicar à infância, e derivar, a partir dela, todas as regras da educação.

A sociedade fez o homem mais fraco, não apenas porque lhe tirou o direito que tinha sobre as suas próprias forças, mas sobretudo porque as tornou insuficientes. Eis porque os seus desejos se multiplicam com a sua fraqueza, e eis o que faz em relação à infância, comparada com a idade adulta. Se o homem é um ser forte, e se a criança é fraca, não é porque o primeiro tem mais força absoluta que a segunda, mas porque o primeiro pode naturalmente bastar-se a si próprio e a criança não. O homem deve portanto ter mais vontades, e a criança mais fantasias; palavra que para mim significa todos os desejos que não são verdadeiras necessidades, e que não podemos satisfazer sem o auxílio de outro."

Jean-Jacques Rousseau, Émile ou de L'éducation (ed. Garnier Flammarion, Paris, 1966). Tradução de Helena Serrão

quinta-feira, dezembro 06, 2007

A democracia é a liberdade dentro do Estado.

Foto de Nana Sousa Dias, Bom dia!

Eis agora a condição segundo a qual uma sociedade se pode formar sem que contradiga, nem no mais pequeno pormenor, o direito natural, e cumprindo todos os pactos com a maior fidelidade.; é necessário que o indivíduo transfira para a sociedade todo o seu poder,de modo que só esta possa ter o direito sobre todas as coisas, um direito soberano de natureza, isto é, uma soberania de comando à qual cada um terá de obedecer, seja livremente seja por temor do derradeiro suplício. O direito de uma sociedade desta natureza é chamado de democracia e assim definido: A união dos homens num todo que tem um soberano direito colectivo sobre tudo o que está em seu poder. Daí esta consequência que este poder soberano não é dirigido por nenhuma lei e que todos lhe devem obediência em tudo; dado que todos deviam, por um pacto tácito ou expresso, transferir para ele todo o poder que tinham para se manter, quer dizer todo o direito natural.

Se, com efeito, tivessem querido conservar para eles mesmos qualquer coisa desse direito, deviam ao mesmo tempo, estar á altura de o defender com segurança; como não o fizeram, e não o podem fazer, sem divisão e por conseguinte destruição do comando, submetem-se, por isso, à vontade,seja ela qual for, do poder soberano. Estamos assim submetidos, tanto porque a necessidade (como já mostrámos) nos constrange, como pela persuasão da razão ela mesma, pelo menos para não sermos inimigos do poder estabelecido e agir contra a razão que nos persuade a manter o estabelecido com todas as nossas forças, somos obrigados a executar absolutamente tudo o que alegra o soberano, mesmo que essas ordens sejam as mais absurdas do mundo; a razão ordena-nos a fazê-lo porque é escolher entre dois males o menor."


Espinosa, Tratado teológico-político, Garnier Flammarion, Paris, 1965

Tradução do francês Helena Serrão

domingo, dezembro 02, 2007

As leis devem ser adequadas ao povo

Como antes de construir um grande edifício, o arquitecto observa e sonda o solo, para ver se pode sustentar o peso, o sábio governante não começa por redigir boas leis por si próprias, mas examina antes de mais se o povo a quem se destinam está preparado para as suportar.

É por isso que Platão recusou dar leis aos Arcadianos e aos Cirenianos, sabendo que estes dois povos eram ricos e não podiam sofrer a igualdade: é por isso que vimos em Creta boas leis e homens maus, porque Minos não disciplinou um povo carregado de vícios.


Mil nações brilharam sobre a terra que nunca puderam usufruir de boas leis, e as que puderam não tiveram senão um curto espaço de tempo para o fazer. Os povos, assim como os homens só são dóceis na juventude, tornam-se incorrigíveis quando envelhecem; uma vez os costumes estabelecidos e os preconceitos enraízados, é um projecto perigoso e vão querer reformulá-los; o povo não pode mesmo admitir que toquem nos seus males para os destruir, semelhante áqueles doentes estúpidos e sem coragem que tremem com a perspectiva do médico.
Que povo está preparado para a legislação? Aquele que se encontra ligado por uma união de origem, interesse ou convenção, ainda não traz consigo o verdadeiro jugo das leis.; aquele que não tem nem costumes nem superstições muito enraízados; aquele que não teme ser abalado por uma subita invasão, aquele que sem entrar em querelas com os seus vizinhos, pode resistir sozinho a cada um deles, ou ajudar um para afastar ; aquele em que cada membro pode ser conhecido por todos, e onde não sejamos forçados a carregar um homem com um fardo que ele não pode suportar. (...)

Rousseau, Le Contrat Social, Livre II, Paris, Flammarion, 1992

Tradução Helena Serrão
Gravura de Goya