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terça-feira, novembro 11, 2008


A REVIRAVOLTA CARTESIANA

No Discurso do Método, [Descartes] conta-nos como na sua juventude se sentia perturbado com o espectro da incerteza:

[…] encontrava-me embaraçado com tantas dúvidas e erros que me parecia não ter tido outro proveito, ao tentar instruir-me, senão o de ter descoberto cada vez mais a minha ignorância. E, no entanto, estive numa das escolas mais célebres da Europa…
E, enfim, o nosso século parecia-me tão florescente e fértil de bons espíritos quanto qualquer um dos precedentes. Por isso, tomei a liberdade de tomar o meu juízo como universal, concluindo que não há nenhuma doutrina no mundo que fosse como até então me fizeram crer.


A resposta de Descartes a esta situação foi procurar os fundamentos sobre os quais a verdade podia ser assegurada. Por isso, nas suas Meditações Sobre Filosofia Primeira, ele faz uso de um método de dúvida radical, cujo fim é o de estabelecer pelo menos alguma crença que possa então servir como alicerce para o conhecimento. A dúvida radical significa apenas isso. Como diz Descartes, 'A mais pequena dúvida será suficiente para me fazer rejeitar qualquer das minhas crenças.'
O argumento de Descartes é um dos mais famosos na história da filosofia. Ele mostra que nos podemos enganar acerca de certos dados dos sentidos; que é possível colocar toda a nossa experiência dos sentidos sob dúvida - podemos, por exemplo, estar a sonhar sem o saber; e, de modo mais radical, que é possível que nada exista para além das nossas experiências sensíveis - podemos ter sido iludidos por um demónio maligno.
Contudo, este processo também mostra que há uma crença renitente. Por mais que apliquemos o método da dúvida, não é possível duvidar de que existimos. O próprio facto de se duvidar significa que tem de haver um 'Eu' que está a duvidar. É isto o famoso
cogito de Descartes:

Mas persuadi-me de que não havia nada no mundo, nenhum céu, nenhuma terra, nenhuns espíritos, nenhuns corpos. E não me persuadi também de que eu próprio não existia? Pelo contrário, se me persuadi de alguma coisa, eu existia com certeza. […] De maneira que, depois de ter-se pesado e repesado muito bem tudo isto, deve por último concluir-se que esta proposição Eu sou, eu existo é necessariamente verdadeira sempre que proferida por mim ou concebida pelo espírito.

Descartes, porém, tem agora um problema. Tendo estabelecido a existência de uma entidade pensante (se realmente foi estabelecida), como recupera o resto do mundo? A resposta, de modo breve, é que não é capaz de o fazer; pelo menos, de modo a satisfazer um filósofo dos nossos tempos. A sua tentativa envolve o emprego de uma versão do argumento ontológico com o objectivo de provar a existência de Deus, argumentando depois que, como Deus não é enganador, não somos sistematicamente enganados sobre as coisas que percebemos claramente. É razoável assim retomar algumas das nossas crenças acerca do mundo exterior.

Ophelia Benson & Jeremy Stangroom, Why Truth Matters (London, 2006, pps. 26-27). Tradução Carlos Marques.

quarta-feira, outubro 15, 2008

A verdade conta

 
Quadro: Mark Rothko (1903/1970), número

(…) a indagação, a curiosidade, o interesse, a investigação, a procura de explicações, são componentes altamente importantes da felicidade humana. Nos dias que correm isto parece não ser terrivelmente popular. Por qualquer razão, a retórica pública tende a procurar objectivos mais baixos. Parece ver-nos a todos como agachados, como instalados. Instalados em satisfações mínimas, paroquiais, quase biológicas – a família, a segurança, o dinheiro. Mas isso substima-nos. Nós queremos mais do que isso. Queremos fazer perguntas, queremos aprender, queremos compreender.
(…) a indagação autêntica pressupõe que a verdade conta; que é verdade que há uma verdade naquilo que estamos a investigar, mesmo se acontece não conseguirmos encontrá-la. Talvez a próxima geração o consiga, ou duas, três ou dez mais adiante; ou apenas alguém mais apto do que nós. Porém, se a nossa indagação é uma indagação genuína e não apenas a um jogo arbitrário inconsequente é porque pensamos que há algo para encontrar. Gostamos de jogos, mas gostamos também da indagação genuína. É por isso que a verdade conta.
Os ataques pós-modernos (e os tradicionais auxiliados pelos pós-modernos) à ciência e à verdade (…) tendem a classificar falsamente a ciência e a indagação como algo pobre em vários aspectos: árida, fria, insensível, mecânica, enfadonha, sem poesia, cor ou vida e avessa ao maravilhoso. Trata-se de um velho tropo romântico – Blake: ‘a visão fechada e o sono de Newton’, Keats: ‘a fria filosofia pode arrancar as asas de um anjo’, Wordsworth: ‘eles assassinam e dissecam’. Mas os cientistas com verdadeira experiência de indagação e descoberta pensam que Blake, Keats e Wordsworth estão simplesmete enganados, tal como os seus avatares contemporâneos. Por exemplo, Richard Dawkins diz:

Acusar a ciência de roubar à vida o calor que faz com que ela valha a pena ser vivida é tão completamente errado e tão diametralmente oposto aos meus próprios sentimentos e aos da maioria dos cientistas em actividade, que sou quase levado ao desepero do qual erradamente suspeitam que sou vítima… O sentimento de maravilha assombrosa que a ciência pode transmitir é uma das mais elevadas experiências de que a psyche humana é capaz. É uma paixão profundamente estética ao nível das mais precioso que a música e a poesia pode fazer surgir.

Ophelia Benson, Jeremy Stangroom, Why Truth Matters (London, New York, 2006), pp. 179-180.
Trad. Carlos Marques.