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sexta-feira, maio 16, 2025

A arte é ética porque produz bons estados de espírito?

 




David Hocknay, 1972, Retrato da piscina do artista com duas figuras.

“O moralista interroga se a arte é um bem em si mesmo ou um meio para o bem. Antes de respondermos, perguntar-lhe-emos o que quer dizer a palavra “bem”; não porque seja minimamente dúbia, mas para fazê-lo pensar. Na verdade, o Sr. G.E. Moore, demonstrou de uma forma bastante conclusiva na sua obra Principia Ethica que por “bem” todos querem dizer simplesmente bem. Todos sabemos o que queremos dizer embora não saibamos defini-lo. Bem é tão passível de definição como vermelho. No entanto, sabemos perfeitamente o que queremos dizer quando dizemos que uma coisa é “boa” ou “vermelha”.

Quando somos desafiados a justificar a nossa opinião de que algo, que não um estado mental , é bom, nós, sentindo que é um meio apenas, acertadamente procuramos os seus bons efeitos, e a nossa última justificação  é sempre a de que produz bons estados de espírito. Assim, quando nos perguntam porque dizemos que um fertilizante é bom podemos, caso encontremos um ouvinte, mostrar que aquele fertilizante é um meio para boas colheitas, que boas colheitas são meio para comida, que comida é um meio para a vida e que a vida é condição necessária para bons estados de espírito. Não podemos ir mais longe do que isso. Quando perguntam porque consideramos bom um determinado estado mental (o estado de contemplação estética, por exemplo), só podemos responder que a sua benignidade é para nós autoevidente. Alguns estados de consciência parecem bons independentemente das suas consequências. Nenhuma outra coisa parece boa deste modo. Portanto, os bons estados de espírito são por si sós bons como fins.

Clive Bell, Arte, Edições Texto e Grafia, pp75

quarta-feira, abril 24, 2024

Arte e falsificação: Será uma falsificação obra de arte?


'Voltando para Casa', supostamente de Gertrude Abercombrie, foi vendida em leilão por US$ 93,750 no ano passado. A pintura está a ser investigada pelo FBI por suspeita de ser uma falsificação.


A definição formalista de Bell (1), que é uma definição essencialmente estética, permite claramente classificar como arte as falsificações. Se basta que uma obra tenha forma significante para ser arte e se, como escreve Bell, a forma significante na pintura consiste em «linhas e cores combinadas de um modo particular, ou em certas formas e relações de formas», então uma cópia perfeita – seja uma falsificação ou não – de um objecto com forma significante terá também forma significante, pelo que será também uma obra de arte. Neste sentido, é irrelevante determinar qual a história da produção das obras de arte ou obter informação sobre quaisquer outras propriedades quando há arte!  Daí que, «para apreciarmos uma obra de arte, a única coisa que temos de trazer connosco é um sentido de forma e de cor e um conhecimento do espaço tridimensional», diz Bell . Assim, não precisamos de qualquer bagagem extra, a não ser sensibilidade estética e inteligência, para determinar se um dado objecto é ou não uma obra de arte, pois temos diante de nós tudo o que realmente conta. O que nos importa, pergunta Bell, «se as formas que nos emocionam foram criadas anteontem em Paris ou há cinquenta séculos na Babilónia?»  Talvez isso não seja irrelevante para avaliar os méritos artísticos de uma dada obra de arte, mas é irrelevante para decidir se estamos ou não diante de uma obra de arte. As coisas já são menos claras quando pensamos na definição institucional. As falsificações parecem satisfazer todas as condições indicadas pela definição institucional de Dickie: ser um artefacto, em virtude de cujas características é proposto por alguém que age em nome do mundo da arte como candidato a apreciação. No entanto, foi o próprio Dickie que, em Art and the Aesthetic (2), argumentou que as falsificações não são arte por falta de originalidade, uma vez que a obra genuína teria, como diz Davies, «esgotado o uso da patente da obra» (3). Este requisito soa um tanto ad hoc, dado que a definição institucional não parece exigir tal coisa. Daí que Dickie tenha posteriormente mudado de opinião:

“Seguindo o exemplo de Danto, em Art and the Aesthetic ,concluí que as falsificações não são obras de arte. Penso agora que foi uma conclusão errada. [...] Claro que ainda se pode dar o caso de as falsificações não serem obras de arte por algum motivo. Mas não vejo razão para que tais obras não possam satisfazer todos os requisitos para serem obras de arte no sentido classificatório: as falsificações são obras de arte sobre cujo criador estamos ou temos estado enganados; as cópias são obras de arte sem imaginação ou completamente parasitárias. (4)

Ainda assim, independentemente de a posição inicial de Dickie estar relacionada com a questão da originalidade, poderia haver dúvidas quanto à satisfação de algum dos requisitos indicados na sua definição. Um desses requisitos é que um objecto só pode ser arte se alguém do mundo da arte o propuser como candidato a apreciação. Dickie esclarece que fazem parte do mundo da arte os próprios artistas, os membros do público e os apresentadores, que são os intermediários entre o artista e o público. Mas é aqui que surgem as dúvidas: se dissermos que uma cópia ou uma falsificação são arte porque foram propostas como candidatas a apreciação pelos próprios artistas que as produziram, então estaremos perante um círculo. O que justifica que os seus autores sejam chamados artistas? Não é esclarecedor dizer que basta que alguém se considere artista para o ser, até porque Dickie sublinha que uma característica de todos os artistas é a consciência de que aquilo que está a ser criado para apresentação é arte. Mas é, no mínimo, duvidoso que o falsário tenha sempre a consciência de que aquilo que está a apresentar seja mesmo uma obra de arte, caso contrário talvez não precisasse de esconder a verdadeira autoria.


(1) BELL,Clive. Arte. Traduzido por Rita Canas Mendes. Lisboa: Texto e Grafia, 2009.

(2) DICKIE, George. Art and the Aesthetic. Ithaca: Cornell University Press, 1974.

(3) DAVIES, Stephen. Definitions of Art. Ithaca: Cornell University Press, 1981, 

(4) DICKIE, George. The Art Circle. Nova Iorque: Haven, 1984.


Aires Almeida,"Arte e contrafacção: valor estético e estatuto das falsificações"
 in Quando Há Arte! Ensaios de Homenagem a Maria do Carmo d’Orey,  Organizadores: Vítor Guerreiro, Carlos João Correia e Vítor Moura, 2023, Bookbuilders / Letras Errantes, p.93,94