'Voltando para Casa', supostamente de Gertrude Abercombrie, foi vendida em leilão por US$ 93,750 no ano passado. A pintura está a ser investigada pelo FBI por suspeita de ser uma falsificação.
A definição formalista de Bell (1), que é uma
definição essencialmente estética, permite claramente classificar como arte as
falsificações. Se basta que uma obra tenha forma significante para ser arte e
se, como escreve Bell, a forma significante na pintura consiste em «linhas e
cores combinadas de um modo particular, ou em certas formas e relações de
formas», então uma cópia perfeita – seja uma falsificação ou não – de um
objecto com forma significante terá também forma significante, pelo que será
também uma obra de arte. Neste sentido, é irrelevante determinar qual a
história da produção das obras de arte ou obter informação sobre quaisquer
outras propriedades quando há arte! Daí
que, «para apreciarmos uma obra de arte, a única coisa que temos de trazer
connosco é um sentido de forma e de cor e um conhecimento do espaço
tridimensional», diz Bell . Assim, não precisamos de qualquer bagagem extra, a
não ser sensibilidade estética e inteligência, para determinar se um dado
objecto é ou não uma obra de arte, pois temos diante de nós tudo o que
realmente conta. O que nos importa, pergunta Bell, «se as formas que nos
emocionam foram criadas anteontem em Paris ou há cinquenta séculos na
Babilónia?» Talvez isso não seja
irrelevante para avaliar os méritos artísticos de uma dada obra de arte, mas é
irrelevante para decidir se estamos ou não diante de uma obra de arte. As
coisas já são menos claras quando pensamos na definição institucional. As
falsificações parecem satisfazer todas as condições indicadas pela definição
institucional de Dickie: ser um artefacto, em virtude de cujas características
é proposto por alguém que age em nome do mundo da arte como candidato a
apreciação. No entanto, foi o próprio Dickie que, em Art and the Aesthetic (2), argumentou que as falsificações não são
arte por falta de originalidade, uma vez que a obra genuína teria, como diz
Davies, «esgotado o uso da patente da obra» (3). Este requisito soa um tanto ad hoc, dado que a definição
institucional não parece exigir tal coisa. Daí que Dickie tenha posteriormente
mudado de opinião:
“Seguindo o exemplo de
Danto, em Art and the Aesthetic ,concluí que as falsificações não são obras de
arte. Penso agora que foi uma conclusão errada. [...] Claro que ainda se pode
dar o caso de as falsificações não serem obras de arte por algum motivo. Mas
não vejo razão para que tais obras não possam satisfazer todos os requisitos
para serem obras de arte no sentido classificatório: as falsificações são obras
de arte sobre cujo criador estamos ou temos estado enganados; as cópias são
obras de arte sem imaginação ou completamente parasitárias. (4)
Ainda assim, independentemente de a posição inicial de
Dickie estar relacionada com a questão da originalidade, poderia haver dúvidas
quanto à satisfação de algum dos requisitos indicados na sua definição. Um
desses requisitos é que um objecto só pode ser arte se alguém do mundo da arte
o propuser como candidato a apreciação. Dickie esclarece que fazem parte do
mundo da arte os próprios artistas, os membros do público e os apresentadores,
que são os intermediários entre o artista e o público. Mas é aqui que surgem as
dúvidas: se dissermos que uma cópia ou uma falsificação são arte porque foram
propostas como candidatas a apreciação pelos próprios artistas que as
produziram, então estaremos perante um círculo. O que justifica que os seus
autores sejam chamados artistas? Não é esclarecedor dizer que basta que alguém
se considere artista para o ser, até porque Dickie sublinha que uma
característica de todos os artistas é a consciência de que aquilo que está a
ser criado para apresentação é arte. Mas é, no mínimo, duvidoso que o falsário
tenha sempre a consciência de que aquilo que está a apresentar seja mesmo uma
obra de arte, caso contrário talvez não precisasse de esconder a verdadeira
autoria.
(1) BELL,Clive. Arte. Traduzido por Rita
Canas Mendes. Lisboa: Texto e Grafia, 2009.
(2) DICKIE, George. Art and the Aesthetic.
Ithaca: Cornell University Press, 1974.
(3) DAVIES, Stephen. Definitions of Art.
Ithaca: Cornell University Press, 1981,
(4) DICKIE, George. The Art Circle. Nova Iorque: Haven,
1984.
Aires Almeida,"Arte e contrafacção: valor estético e estatuto das falsificações" in Quando Há Arte! Ensaios de Homenagem a Maria do Carmo d’Orey, Organizadores: Vítor Guerreiro, Carlos João Correia e Vítor Moura, 2023, Bookbuilders / Letras Errantes, p.93,94