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sexta-feira, novembro 07, 2008

O que queria Kurt Gödel?

Entre os ‘humanistas’ que invocam o nome de Gödel, ele é frequentemente associado ao assalto à objectividade e à razão que ganhou tanta popularidade no último século. Dou comigo muitas vezes a pensar sobre o que seria melhor para Gödel, se o anonimato, se a incompreensão. Qual teria preferido Gödel? Tomo a `’posição privilegiada do biógrafo’ para presumir que sei pelo menos a resposta para esta pergunta: Gödel, que era tão apaixonadamente dedicado à verdade, teria preferido o esquecimento completo às falsificações dos seus teoremas que lhe deram a fama que tem no mundo dos não-matemáticos.
E que falsificações! Ele quis que os seus teoremas da incompletude provassem a posição filosófica a que ele, de alma e coração, era dedicado: o platonismo matemático, que consiste sumariamente na crença de que há uma realidade matemática independente da mente humana na qual as verdades matemáticas se alicerçam. Os matemáticos têm a tarefa de descobrir, e não de inventar, a matemática. Os seus teoremas da incompletude dizem respeito à incompletude dos sistemas formais feitos pelo Homem e não da verdade matemática ou do nosso conhecimento dela. Ele acreditava que a realidade matemática e o nosso conhecimento da realidade matemática excedem as regras formais dos sistemas formais. Portanto, ao contrário da perspectiva que diz que não há verdade independente das verdades que criamos para nós mesmos, de tal modo que o conceito de verdade se desintegra numa pluralidade de pontos de vista, Gödel acreditava que a verdade – e de modo mais paradigmático a verdade matemática – subsiste independentemente de qualquer ponto de vista humano. Se houve alguma vez algum homem dedicado à objectividade da verdade, esse homem foi Gödel. A usurpação dos seus teoremas por parte dos pós-modernos é irónica. Jean Cocteau escreveu em 1926 que “O pior que pode acontecer aos poetas é serem admirados por serem incompreendidos.” Para um lógico, especialmente um lógico com a psicologia delicada de Gödel, a tragédia é talvez ainda maior.
Rebecca Goldstein, Incompleteness: The Proof and Paradox of Kurt Gödel (New York & London, 2005). Tradução Carlos Marques.