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sexta-feira, outubro 26, 2007

Será que a Ciência atingiu os seus limites?

Desde os filósofos pré-socráticos até ao presente, a civilização ocidental tem sido virtualmente motivada pela confiança axiomática depositada no progresso científico. Podem ter existido erros (a cosmografia de Ptolomeu), momentos de regressão e de frustração, mas o movimento impulsionador da descoberta e do conhecimento científicos parece ter definido o da própria razão. A relação do pensamento humano com os avanços científicos foi fundamental para a antropologia, para os modelos da história humana implícitos em Galileu e Descartes. Foi fundamental para o estabelecimento da modernidade, do positivismo e do conceito de verdade nos trabalhos de Newton, de Darwin e dos seus sucessores. Por sua vez, as teorias científicas subscreveram a evolução constante da tecnologia na qual as sociedades ocidentais alicerçaram o seu poder. Tal como Bacon e Leibniz pregaram, as portas do progresso científico teórico e aplicado estiveram sempre abertas, definindo o horizonte do amanhã.
Será que continua a ser assim? Estarão agora à vista certos limites, certas barreiras às nossas expectativas? A possibilidade de a Teoria das Cordas não poder ser verificada nem falseada implica uma crise ontológica no seio do próprio conceito de ciência. Há motivos intrínsecos que nos levam a acreditar que a cosmologia e a correspondente exploração do microcosmos são as suas fronteiras. Não há nenhum instrumento de observação por mais sofisticado que seja que nos permita prosseguir para lá das «paredes douradas» externas ou internas do nosso possível universo local. O conhecimento da consciência tem-se mostrado radicalmente evasivo. Pode muito bem acontecer que as analogias computacionais constituam um beco sem saída. A incompletude e a indeterminação, exemplificadas pelas obras de Gödel e de Heisenberg, são «muros» contra as quais a razão embate em vão. A acentuada diminuição do número de estudantes inscritos em cursos de ciências «duras» no Ocidente é sintomática. Tal como o são as novas ondas de racionalismo, irracionalidade, fundamentalismo e superstição que actualmente se abatem sobre nós.
As conjecturas estarão certamente sempre erradas. A biologia sintética e a biogenética, a biocomputação, o aproveitamento de bactérias em processos industriais prometem avanços espectaculares. A matemática progride, por assim dizer, autonomamente. No entanto, talvez as grandes ciências clássicas e a sua auto-confiança se estejam a desvanecer, o que constituiria uma grande revolução em todos os domínios da consciência e da sociedade.
Esta Conferência pretende explorar algumas das possíveis consequências. O Concorde foi uma maravilha aerodinâmica, tecnológica. Não há qualquer intenção de o voltar a fazer voar.

George Steiner

(Texto introdutório da conferência apresentada no dia 25 de Outubro na Fundação Calouste Gulbenkian)

O progresso da Ciência terá um fim?

A propósito do ciclo de conferências que decorreu ontem e hoje na Fundação Calouste Gulbenkian sob o título:"A Ciência terá limites?"
Um dos mais prestigiados pensadores contemporâneos, explicou ontem em Lisboa porque é que receia que o conhecimento científico possa estar prestes a atingir os seus limites.

Não é habitual que uma palestra destinada a um público alargado, seja qual for o tema de que trate, possa ser considerada um evento cultural de primeira ordem. Mas é difícil não reconhecer esse estatuto à intervenção com que George Steiner abriu ontem de manhã a conferência A Ciência Terá Limites?, promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian. Não só pela qualidade da comunicação, mas porque quem apenas conhece o ensaísta dos muitos livros que publicou, não imagina a que ponto este professor de quase 80 anos, hoje radicado em Cambridge, consegue ainda ser um comunicador absolutamente contagiante. A pergunta que Steiner trouxe – foi ele que propôs o tema à Gulbenkian – é inquietante: será que um dos mais sólidos pilares da civilização ocidental, a confiança no progresso ilimitado do conhecimento científico, pode ser, afinal, uma piedosa ilusão? É claro que a questão já foi muitas vezes posta, quer pelos que acham que existe um limite a partir do qual a ciência tem de ceder o passo à metafísica, quer pelos que questionam o progresso da ciência com base em pressupostos éticos. Steiner não ignorou estes argumentos, mas não foi neles que fundamentou a sua convicção de que estaremos a assistir a “indícios sérios de que a teoria e prática científicas estão a bater contra paredes, contra limitações que podem vir a revelar-se insuperáveis”. Baseando-se nos testemunhos de cientistas, Steiner acredita que quer a exploração do macrocosmo estelar, quer a investigação do microcosmo das partículas pode estar a atingir, digamos assim, o seu limite técnico. Nenhum concebível aperfeiçoamento dos sucessores actuais do telescópio e do microscópio poderão, segundo crê, aumentar muito mais a fatia do universo que nos será dado conhecer. “Inumeráveis galáxias repousam para lá do horizonte de qualquer potencial observação”, diz Steiner, que garante ter ouvido físicos admitir que também “a observação microscópica está a aproximar-se dos seus limites”. Se estas suspeitas se comprovarem, acrescenta, “as consequências epistemológicas e psiocológicas serão incalculáveis”.Perante estes condicionalismos, o conferencista acha que especulações muito em voga na Física, como a alegada existência de um número ilimitado de universos paralelos, caem na categoria da mística. Steiner ironizou particularmente com a célebre teoria das cordas, que, desde os anos 70, já estimulou “alguns dez mil artigos científicos”, e a que o físico e divulgador científico Richard Feyman chamou “um disparate louco”. Das várias críticas a esta teoria citadas por Steiner, a mais divertida é a que defende que “as suas conjecturas não chegam sequer a estar erradas”. Comunicação difícilMas não são apenas as limitações técnicas, instrumentais, que, segundo Steiner, fazem recear uma crise da ciência. O ensaísta acha que outro dos principais obstáculos a um progresso científico genuíno pode vir da crescente hiperespecialização dos cientistas, que começa a impossibilitar a comunicação mesmo entre investigadores que trabalham em domínios muito próximos. E Steiner lamenta ainda muito particularmente o fosso que se cavou entre os cientistas e as comunidades a que pertencem, quer porque os primeiros “ainda não perceberam que têm mesmo de gastar algum do seu tempo a tentar estabelecer essa ponte”, quer pela complacência das sociedades ditas desenvolvidas com o assustador grau de “inumeracia” da quase totalidade dos seus habitantes. As implicações desta ignorância são, defende, “desastrosas”, já que muitos dos avanços em disciplinas como a biologia molecular, a bio-genética, ou a neuroquímica vão afectar a existência pessoal e colectiva de forma crucial. Steiner acha que a saída está no ensino, desde os primeiros graus de escolaridade, e acredita que é possível estimular as crianças para a matemática. O tema entusiasma-o tanto que, a dado momento, exortou mesmo a assistência: “Tragam-me cinco alunos de meios desfavorecidos e eu mostro-lhes.” Mas também defende que só é possível esperar esse papel dos professores se estes forem bem pagos e recuperarem o seu prestígio. Às limitações técnicas e à especialização excessiva, Steiner acrescenta ainda outro motivo de preocupação, que na verdade foi oficialmente formulado em 1931, mas que só agora começa a ser seriamente ponderado em todas as suas consequências: os teoremas de Gödel, que postulam que nenhum sistema pode fundamentar-se a si próprio e que, “em todos os sistemas, haverá sempre proposições que não podem ser validadas nem negadas”. Segundo Steiner, os teoremas de Gödel impugnam, designadamente, a possibilidade de uma teoria unificada, como a que Stephen Hawking chegou a prometer.O ensaísta terminou com um sinal positivo, afirmando não acreditar que estes e outros sinais que considera inquietantes impeçam a ciência de continuar a produzir descobertas relevantes e a encontrar novas aplicações para o que descobre. Mas admitiu que não é tranquilizador pensar que “20 milhões de americanos acreditam que Elvis Presley se levantou dos mortos”, ou que “financeiros de Wall Street dispõem os móveis dos seus ecsritórios sob a orientação de especialistas de animismo pseudo-oriental”, ou que a mulher do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair “usa amuletos contra os raios cósmicos”.

in Público, 26.1o. 1997
Artigo de Luis Miguel Queirós