sábado, abril 24, 2021

Aposta de Pascal


Escultura de Blaise Pascal, Augustin Pajou (1730–1809), Louvre

Se existe um Deus, ele é infinitamente incompreensível, visto que não tendo partes nem limites, ele não tem relação conosco. Portanto, somos incapazes de saber o que é ou se é. No entanto, quem se atreverá a resolver esta questão? Não somos nós que não temos nada a ver com ele. Quem culpará os cristãos por não serem capazes de justificar a sua afirmação, aqueles que professam uma religião da qual não podem dar qualquer justificação? Eles declaram, expondo ao mundo, que isso é um absurdo, stultitiam: e então todos reclamam do que eles não provam. Se provassem o que dizem, não manteriam a sua palavra. É na falta de provas que ganham sentido. 

- Sim, mas embora isso desculpe aqueles que assim oferecem a sua crença, e lhes tire a culpa de produzi-la sem razão, não isenta aqueles que a recebem. 

Examinemos então este ponto dizendo: Deus é ou não é. Mas para que lado nos vamos inclinar? A razão não pode determinar nada. Existe um caos sem fim que nos separa. Um jogo está sendo jogado no final desta distância infinita, onde se sairá com cruz ou coroa. O que vamos apostar? Racionalmente não o podemos fazer.Não há razões para defender um ou outro.

Não acuseis, pois, de falsidade os que fizeram uma escolha, pois nada sabeis disso. "Não: mas,  acusa-los-ei de terem feito, não essa escolha, mas uma escolha; porque, tanto o que prefere coroa ou o outro que prefere cruz, estão ambos em falta: o justo é não apostar".

Sim, mas é preciso apostar: não é voluntário; sois obrigados a isso; (e apostar que Deus é, ou  apostar que ele não é). Que escolha fareis, pois? Vejamos, já que é preciso escolher, vejamos o que menos vos interessa: tendes duas coisas a perder, o verdadeiro e o bem, e duas coisas que devem ser comprometidas no jogo, a razão e a vontade, o conhecimento e a beatitude; e duas coisas que evitar, o erro e a miséria. A razão não é atingida, pois que é preciso, necessariamente, escolher, escolhendo um dentre os dois. Eis um ponto liquidado; mas, e a  vossa beatitude?

Pesemos o ganho e a perda, preferindo coroa, que é Deus. Estimemos as duas hipóteses: se ganhardes, ganhareis tudo; se perderdes, nada perdereis. Apostai, pois, que ele é, sem hesitar. Isso é admirável: sim, é preciso apostar, mas, talvez eu aposte demais.

Vejamos. Uma vez que é tal a incerteza do ganho e da perda, se só tivésseis que apostar duas vidas por uma, ainda poderíeis apostar. Mas, se devessem ser ganhas três, seria preciso jogar (desde que tendes necessidade de jogar) e seríeis imprudente quando, forçado a jogar, não arriscásseis vossa vida para ganhar três num jogo em que é tamanha a incerteza da perda e do ganho. Há, porém, uma eternidade de vida e de felicidade; e, assim sendo, se houvesse uma infinidade de probabilidades, das quais somente uma fosse para vós, ainda teríeis razão em apostar um para ter dois, e agiríeis mal, quando obrigados a jogar, se recusásseis jogar uma vida contra três num jogo em que, numa infinidade de probabilidades, há uma para vós, havendo uma infinidade de vida infinitamente feliz que ganhar. Mas, há aqui uma infinidade de vida infinitamente feliz que ganhar, uma probabilidade de ganho contra uma porção finita de probabilidades de perda, e o que jogais é finito. Jogo é jogo: sempre onde há o infinito e onde não há infinidade de probabilidades de perda contra a de ganho, não há que hesitar, é preciso dar tudo; e, assim, quando se é forçado a jogar, é preciso renunciar à razão, para conservar a vida e não arriscá-la pelo ganho infinito tão prestes a chegar quanto a perda do nada.

Por conseguinte, de nada serve dizer que é incerto ganhar-se e que é certo arriscar-se, e que a infinita distância entre a certeza do que se expõe e a incerteza do que se deve ganhar iguala o bem finito, que certamente se expõe, ao infinito incerto. Não é assim: todo jogador arrisca com certeza para ganhar incertamente o finito, sem pecar contra a razão. Não há infinidade de distância entre essa certeza do que se expõe e a incerteza do ganho; isso é falso. Há, na verdade, infinidade entre a certeza de ganhar e a certeza de perder. Mas, a incerteza de ganhar é proporcional à certeza do que se arrisca, segundo a proporção das probabilidades de ganho e de perda; de onde se conclui que, havendo tantas probabilidades de um lado como do outro, a aposta deve ser igual; e, então, a certeza do que se expõe é igual à incerteza do ganho; bem longe está de ser infinitamente distante. E, assim, a nossa proposição é de uma força infinita, quando há o finito que arriscar num jogo em que há tantas probabilidades de ganho como de perda, e o infinito que ganhar. Isso é demonstrativo; e, se os homens são capazes de algumas verdades, essa é uma delas.

Pascal, Pensées, Artigo II, eBookLibris, Brasil

Tradução Nélson Jahr Garcia, revista por Helena Serrão

sábado, abril 10, 2021

Discussão sobre a existência e natureza de Deus

Bem, talvez seja tempo de fazer um sumário da minha posição. Eu argumentei duas coisas: primeiro, que a existência de Deus pode ser filosoficamente provada por um argumento metafísico; em segundo, que é somente pela existência de Deus que a experiência moral do homem fará sentido, e também a experiência religiosa. Pessoalmente, eu penso que o nosso modo de explicar os juízos morais do homem leva inevitavelmente para uma contradição entre o que a sua teoria exige e os seus juízos espontâneos. Além do mais, a sua teoria explica a obrigação moral de longe, e explicar de longe não é explicar.

Em relação ao argumento metafísico, estamos de acordo aparentemente, visto que o que nós chamamos de mundo consiste simplesmente de seres contingentes. Isso é, de seres que não dependem de si para existir. Diz que uma série de eventos não necessitam de explicação: Eu digo que se não existisse o Ser Necessário (…) nada existiria. A infinidade das séries de seres contingentes, mesmo se provada, seria irrelevante. Algo existe de fato; dessa maneira, deve existir alguma coisa que conta para esse fato, um ser que está fora das séries de seres contingentes. Se tivesse admitido isso, nós então poderíamos ter discutido se tal Ser é pessoal, bom e assim por diante. Na atual questão discutida, ou seja, se existe ou não um Ser Necessário, encontro-me e penso de acordo com a maioria dos filósofos clássicos.

Mantém, penso, que os seres existentes são simples, e que não tenho justificação para levantar a questão da explicação para a sua existência. Mas eu gostaria de apontar que essa posição não pode ser substanciada por uma análise lógica; ela expressa uma filosofia que em si mesma se mantém em busca de provas. Eu penso que nós alcançamos um impasse porque as nossas ideias de filosofia são radicalmente diferentes; parece-me que o que eu chamo de uma parte da filosofia, você chama-a de toda, pelo menos na medida de que a filosofia é racional.

Parece-me, se me perdoar o que vou dizer, que ao lado do seu sistema lógico- o que você chama “moderno” em oposição a uma lógica antiquada (um adjetivo tendencioso) - você mantém uma filosofia que não  pode ser substanciada pela análise lógica. Apesar de tudo, o problema da existência de Deus é um problema existencial, ao mesmo tempo em que a análise lógica não lida diretamente com problemas da existência. Então, parece-me, que declarar os termos envolvidos num conjunto de problemas como sem significado porque não são requeridos quando lidamos com outro conjunto de problemas, é estabelecer qual é o começo, a natureza e a extensão da filosofia, e isso é em si mesmo um ato filosófico que permanece em busca de justificação.

Russell: Bem, eu gostaria de dizer algumas palavras como forma de fazer um sumário da minha posição. Primeiro, ao argumento metafísico: eu não admito a conotação de tal termo como “contingente” ou a possibilidade da explicação no sentido do padre Copleston. Eu penso que a palavra “contingente” inevitavelmente sugere a possibilidade de algo que não teria existência por si, o que você poderia dizer o caráter acidental de estar somente lá, e eu não penso que isso seja verdade exceto no sentido puramente causal. Você pode algumas vezes dar uma explicação causal de uma coisa como sendo o efeito de alguma outra coisa, mas isso é meramente referindo uma coisa à outra, e não há, para a minha mente- explicação no sentido do padre Copleston de qualquer coisa que seja, nem existe qualquer significado em denominar essas coisas como “contingentes” porque não há qualquer outra coisa que elas poderiam ser.

Gostaria também de dizer algumas palavras sobre a acusação do padre Copleston de que eu tomo a lógica como toda a filosofia- isso não é de forma alguma o caso. De maneira alguma, reconheço a lógica como toda a filosofia. Penso que a lógica é uma parte essencial da filosofia, e pode ser usada em filosofia, e nisso penso que ele e eu somos iguais. Quando a lógica que ele usa era nova- digamos, no tempo de Aristóteles, houve uma grande gritaria sobre ela; Aristóteles fez um grande estardalhaço sobre aquela lógica. Hoje em dia tornou-se velha e respeitável, e ninguém precisa fazer uma grande gritaria sobre isso. A lógica que eu acredito é comparativamente nova, e por causa disso tenho de imitar Aristóteles e fazer um grande estardalhaço sobre ela; mas não é o caso de eu pensar que ela é toda a filosofia de maneira alguma- não penso isso. Penso que é uma parte importante da filosofia, e quando digo isso, não acho um significado para esta ou aquela palavra, esse é um detalhe baseado no que eu encontrei sobre aquela palavra em particular após pensar sobre ela. Não é a minha posição geral que todas as palavras em metafísica sejam um absurdo, ou qualquer coisa parecida, essa é uma posição que não mantenho.

Em relação ao argumento moral, acho que quando alguém estuda antropologia ou história, percebe que existem pessoas que pensam ser sua obrigação moral praticar atos que eu penso serem abomináveis, e entretanto, atribuir origem divina à matéria dessa obrigação moral, o padre Copleston não me perguntou; mas penso que mesmo a forma da obrigação moral, quando toma a forma de alguém comer o seu pai ou não, não me parece ser uma coisa bonita e nobre; e, dessa forma, não posso atribuir uma origem divina a esse sentido de obrigação moral, o qual, penso, é muito fácil de ser atribuído a Deus de muitas outras maneiras.