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domingo, abril 21, 2019

Que a liberdade resulta de entender a necessidade das coisas.



Théodore Géricault (1791–1824). Jangada de Medusa

ESCÓLIO
É que, deve notar-se, em primeiro lugar, que é em  virtude de um só e mesmo apetite que o homem se diz tanto agir como sofrer. Por exemplo, quando nós demonstramos que a natureza humana é constituída de tal maneira que cada um deseja que os outros vivam à sua maneira
Este apetite, num homem que não é conduzido pela Razão, é paixão, que se chama ambição e não difere muito do orgulho; e, ao contrário, num homem que vive segundo o ditame da Razão, é ação, ou seja, virtude, que se chama piedade
E, desta maneira, todos os apetites, ou seja, os desejos, só são paixões, na medida em que nascem de ideias adequadas. Com efeito, todos os desejos, pelos quais somos determinados a fazer alguma coisa, tanto podem nascer de ideias adequadas como de ideias inadequadas
E (para voltar ao ponto donde me desviei nesta digressão) não se pode imaginar nenhum outro remédio que dependa do nosso poder mais excelente para as afeções do que aquele que consiste no verdadeiro conhecimento delas, visto que a alma não tem outro poder que não seja o de pensar e de formar ideias adequadas, como demonstramos atrás

PROPOSIÇÃO V

 A afeção relativa a uma coisa que nós imaginamos simplesmente e não como necessária, nem como possível, nem como contingente, em igualdade de circunstâncias, é a maior de todas.

 DEMONSTRAÇÃO  A afeção para com uma coisa, que nós imaginamos ser livre, é maior que relativamente a uma coisa necessária e, consequentemente, é ainda maior do que relativamente àquela coisa que imaginamos como possível ou contingente.
Ora, imaginarmos alguma coisa como livre não pode ser outra coisa que imaginarmos a coisa simplesmente, enquanto ignorarmos as causas por que ela foi determinada a agir
Logo, a afeção relativa a uma coisa que imaginamos simplesmente em igualdade de circunstâncias é maior que relativamente a uma coisa necessária, possível, ou contingente e, consequentemente, é a maior.

PROPOSIÇÃO VI

 Na medida em que a alma conhece as coisas como necessárias, tem maior poder sobre as afeções, por outras  palavras, sofre menos por parte delas.

DEMONSTRAÇÃO
A alma compreende que todas as coisas são necessárias e que são determinadas a existir e a operar por um encadeamento infinito de causas e, por conseguinte, nessa mesma medida, consegue sofrer menos por parte das afeções que nascem destas coisas e é menos afetada relativamente a elas.

ESCÓLIO

Quanto mais este conhecimento, a saber: que as coisas são necessária s, versa acerca das coisas singulares que nós imaginamos mais distinta e mais vivamente, tanto maior é este poder da alma sobre as afeções, o que a própria experiência também atesta. Vemos, com efeito, que a tristeza proveniente de um bem que pereceu é mitigada no momento em que o homem, que o perdeu, considera que ele de forma nenhuma podia ser conservado. Da mesma maneira, ainda, vemos que ninguém tem pena de uma criança por ela não saber falar, caminhar, raciocinar e, finalmente, por viver tantos anos quase sem consciência de si. Mas, se a maior parte dos homens nascesse adulta e só um ou outro criança, então cada um teria pena das crianças. É que, neste caso, consideraria a infância não como coisa natural e necessária, mas como um vício ou falta da Natureza. Poderíamos, ainda, fazer várias observações desta espécie.


 
Bento de Espinosa, Ética, Tradução de Joaquim Carvalho, Lx, Relógio D´Agua,  1992, p.450,451

sábado, janeiro 29, 2011

concordar

Como a razão nada exige que seja contrário à natureza, exige, por conseguinte, que cada qual se ame a si mesmo, busque a sua própria utilidade – o que realmente lhe seja útil -, apeteça tudo aquilo que conduz realmente o homem a uma perfeição maior e, em termos absolutos, que cada qual se esforce quando estiver na sua mão conservar o seu ser (...) E assim, nada mais do que o homem é útil ao homem; quero dizer que nada podem os homens desejar que seja melhor para a conservação do seu ser do que concordarem todos em todas as coisas, de maneira a que as almas de todos formem como que uma só alma, e os seus corpos como que um só corpo, esforçando-se todos à uma, tanto quanto possam, por conservar o seu ser, e buscando todos ao mesmo tempo a utilidade sob a condução da razão, quer dizer, os homens que buscam a sua utilidade sob a condução da razão, não apetecem para si nada que não desejem para os demais homens e, por isso são justos, dignos de confiança e honestos.”


Espinosa, Ética (Ver página e tradução)

Conservar o seu ser, tal como o mecanismo biológico de qualquer ser vivo, o mesmo propósito para humanos e outros seres. Compreendê-lo, no ser humano é compreender a utilidade particular de cada um para a conservação de todos e de si próprio. O todos e o si próprio encontram-se, têm a mesma natureza. Se estivermos de acordo nisso, é possível uma Ética comum.

domingo, junho 22, 2008

Afecções



Teorema 37



O desejo que nasce da tristeza ou da alegria, do ódio ou do amor, é tanto maior quanto maior é a afecção originária.


Demonstracão: A tristeza diminui, ou entrava a potência de agir do homem, quer dizer, diminui ou entrava a força pela qual o homem se esforça para se preservar no seu ser; e, consequentemente é contrária a este esforço; e tudo aquilo que o homem afectado de tristeza se esforça por fazer é afastar-se dela. Ora quanto maior é a tristeza mais necessário é opor-lhe uma parte consideravel da potência de agir do homem. Logo, quanto maior a tristeza, maior a potência de agir que o homem necessita para repelir essa tristeza; quer dizer tanto maior será o desejo - dito de outro modo apetite - de repudiar a tristeza. Seguidamente, como a alegria aumenta e favorece a potência de agir do homem, demonstraremos facilmente pela mesma via, que o homem afectado pela alegria não deseja outra coisa senão conservá-la, com um desejo tão forte quão forte foi a alegria. Enfim, visto que o ódio e o amor são eles próprios afecções de alegria e tristeza, resulta do mesmo modo que o esforço ou apetite - dito de outro modo desejo - que nasce do ódio e do amor é tanto maior quanto maior forem o ódio e o amor eles mesmos.



Espinosa, Éthique, Flammarion, Paris, s.d



Tradução do Francês de Helena Serrão

quinta-feira, dezembro 06, 2007

A democracia é a liberdade dentro do Estado.

Foto de Nana Sousa Dias, Bom dia!

Eis agora a condição segundo a qual uma sociedade se pode formar sem que contradiga, nem no mais pequeno pormenor, o direito natural, e cumprindo todos os pactos com a maior fidelidade.; é necessário que o indivíduo transfira para a sociedade todo o seu poder,de modo que só esta possa ter o direito sobre todas as coisas, um direito soberano de natureza, isto é, uma soberania de comando à qual cada um terá de obedecer, seja livremente seja por temor do derradeiro suplício. O direito de uma sociedade desta natureza é chamado de democracia e assim definido: A união dos homens num todo que tem um soberano direito colectivo sobre tudo o que está em seu poder. Daí esta consequência que este poder soberano não é dirigido por nenhuma lei e que todos lhe devem obediência em tudo; dado que todos deviam, por um pacto tácito ou expresso, transferir para ele todo o poder que tinham para se manter, quer dizer todo o direito natural.

Se, com efeito, tivessem querido conservar para eles mesmos qualquer coisa desse direito, deviam ao mesmo tempo, estar á altura de o defender com segurança; como não o fizeram, e não o podem fazer, sem divisão e por conseguinte destruição do comando, submetem-se, por isso, à vontade,seja ela qual for, do poder soberano. Estamos assim submetidos, tanto porque a necessidade (como já mostrámos) nos constrange, como pela persuasão da razão ela mesma, pelo menos para não sermos inimigos do poder estabelecido e agir contra a razão que nos persuade a manter o estabelecido com todas as nossas forças, somos obrigados a executar absolutamente tudo o que alegra o soberano, mesmo que essas ordens sejam as mais absurdas do mundo; a razão ordena-nos a fazê-lo porque é escolher entre dois males o menor."


Espinosa, Tratado teológico-político, Garnier Flammarion, Paris, 1965

Tradução do francês Helena Serrão

sábado, março 17, 2007

O Problema da Liberdade

Bento de Espinosa, 1632-1677, Holanda
Pelo meu lado, digo que esta coisa é livre, que existe e age pela necessidade da sua natureza e é constrangida e determinada por uma outra a existir e a agir segundo uma modalidade precisa e determinada. Deus, por exemplo, existe livremente porque existe apenas pela necessidade da sua natureza. Vedes então que não sintuo a liberdade num decreto livre mas numa necessidade livre.
Mas regressemos às coisas criadas que, todas elas, são determinadas a existir e a agir segundo uma forma precisa e determinada. Uma pedra recebe de uma causa exterior que a atira, uma certa quantidade de movimento...todo o objecto singular é necessariamente determinado por qualquer causa exterior a existir e a agir segundo uma lei precisa e determinada...
Concebei agora, se quiserdes, que a pedra, enquanto se move, sabe e pensa que faz todo o esforço possível para continuar a mover-se. Este perdura, certamente, porque não tem consciência senão do seu esforço...julgará ser livre...
Tal é a liberdade humana que todos os homens se envaidecem de ter e que consiste em os homens serem conscientes dos seus desejos e ignorantes da causas que os determinam. É assim que uma criança julga desejar livremente o leite...Um ébrio julga dizer por decisão o que seguidamente quererá calar."
Bento de Espinosa, Carta a G.H. Shuller