sexta-feira, abril 29, 2011

Direitos humanos e política

Gerard Castello Lopes, Portimão

Aristóteles finaliza as suas investigações sobre Ética direccionando a sua atenção para o estudo do Estado e das suas leis – estas, preparam o caminho para os estudos que conhecemos do seu livro de Política  na medida em que as questões sobre o bem individual são inseparáveis da constituição das leis da comunidade à qual pertence o indivíduo. Ética e Política estão indissoluvelmente ligadas, disse. Há outras perspectivas sobre o mesmo assunto mas a insistência de Aristóteles em colocar a Ética dentro da Política continua a ser atraente por uma série de razões, uma delas é a que clarifica as implicações práticas de qualquer sociedade que leve a sério a ideia dos direitos humanos.

Falar de direitos humanos é falar do que é requerido aos indivíduos para poderem ter, por si próprios, uma boa e florescente vida aplicando os seus próprios e razoáveis padrões de referência. Isto é central na tarefa da ética, aí onde a ética é entendida como mais abrangente e inclusiva que a moral. A Ética abrange o carácter e a qualidade de vida de cada um entendido como um todo, e o modo como cada um vive; resumidamente é sobre o tipo de pessoa que cada um é, e é sobre a especificidade da natureza de cada um que a acção moral deriva.

Mas reconhecer, proteger e realçar os direitos pretende ter como efeito dar ao indivíduo a oportunidade de ter uma vida boa e florescente, e o Estado tem de erguer uma teia de leis e sólidas instituições para cumprir essa tarefa. O propósito de conceber essas leis e Instituições, requer um processo político familiar de debate, negociação e consentimento, e é através dele que a teia de leis se constrói. Logo, os direitos humanos são políticos e são uma parte importante da razão pela qual o estado existe e, um importante foco da sua actividade e preocupação.

Independentemente dos regimes explícitos de direitos humanos que foram recentemente adoptados, tanto a nível internacional como nacional, os Estados sempre existiram para proteger os interesses, frequentemente considerados como direitos, de pelo menos uma secção dos seus cidadãos. Essa protecção conduziu tanto a tratados externos como internos sobre esses interesses e tomou a forma de leis, sanções e instituições. Tudo isto é sobre e para político, então  essa extensão da ideia de que todos os indivíduos têm interesses iguais que merecem protecção através de leis e instituições – interesses na vida, segurança, privacidade, acesso e arquivo de informação, e assim para todos os assuntos familiares, que constitui uma variação dos direitos em todos os códigos – é do mesmo modo, política.

Os direitos humanos também são políticos na medida em que são os sujeitos de ocorrências políticas, envolvendo argumentos em forma e poder que são instrumentos da sua expressão.

Os governos aprovam os direitos humanos quando os tempos são bons, e acham-nos inconvenientes quando os tempos são maus, na altura em que são mais intensamente necessários para todos; esta é a experiência mais comum no mundo ocidental, aprovando medidas de restrição da liberdade na esperança de promover a segurança contra o terrorismo e o crime, demonstram assim, sem sombra de dúvida, uma politica dos direitos humanos e das liberdades civis.

A.C Grayling,Thinking of answers, Bloomsbury,London, 2011, p.25, 26 e 27


Tradução Helena Serrão

sábado, abril 16, 2011

O que é o Génio?

 


Há variedade de génios como há múltiplos talentos e belezas. Alguns génios são inovadores, outros são pensadores profundos, outros são pessoas de extraordinária habilidade, alguns têm uma imaginação fora de vulgar ou formas enviesadas de ver as coisas, alguns são superiormente inteligentes, outros apaixonadamente curiosos; a maioria é a combinação de, pelo menos, três destas qualidades, constituindo uma mistura volátil de dádivas intelectuais e traços de carácter. As dádivas intelectuais são a habilidade para ver as coisas de ângulos muitíssimo improváveis, de relevar o que não é essencial, e  entender o verdadeiro significado do óbvio. Os traços de carácter são a persistência, teimosia, a capacidade para se entregar a grandes esforços, e a indiferença perante o ridículo ou a hostilidade de qualquer um que pense que aqueles fins perseguidos, os objectivos  e as inovações em questão, são loucos.
A genialidade tem qualquer coisa da abertura e prontidão mental de uma criança, essa engenhosa capacidade  para ver de outro modo, para dar saltos imaginativos e combinar coisas aparentemente inconciliáveis em novos sistemas. Entre os génios, os grandes pensadores - Platão, Aristóteles, Newton, Kant, Einstein - viram para um lugar onde as raízes de coisas muito diferentes se juntam e enredam subterraneamente. Alguns génios dificilmente são conscientes do seu poder, mas criam a impressão de uma transbordante abundância de talento. Mozart era um desses. O Talento está também no génio de pintores e escultores, nos melhores cirurgiões, artesãos, jardineiros e arquitectos. Também há génios calmos: o génio dos poetas e dos grandes novelistas, e há génio visionário nos grandes homens de estado e generais. Alguns génios devem o seu sucesso ao cuidado, estudo, esforço tenaz, dedicação e "focus", determinação e coragem. outros devem-no a um flash de feliz e excêntrica inspiração no espaço e no tempo certo para ela.


Thinking of answers, A.C. Grayling, Boomsbury, London, 2011


Tradução Helena Serrão

sábado, abril 09, 2011

Haverá na minha vida um sentido?

A minha pergunta - aquela que aos meus cinquenta anos, quase me levou ao suicídio - era a mais elementar que reside no fundo da alma de qualquer pessoa, desde a criança estúpida ao sábio ancião, a pergunta sem a qual a vida é impossível, como verifiquei na prática. A questão era: " O que vai resultar do que estou a fazer agora, do que vou fazer amanhã - o que vai resultar de toda a minha vida?"
Expressa de outra maneira, a pergunta será: " Para que tenho de viver, para que tenho de desejar, de fazer seja o que for?" mais uma forma de exprimir a mesma pergunta: "Haverá na minha vida um sentido que não seja eliminado inevitavelmente pela minha futura morte?"
Foi a esta pergunta, expressa de várias maneiras, que procurei uma resposta na sabedoria humana. E descobri que, em relação a esta questão, todos os conhecimentos humanos se dividiam em duas semiesferas opostas, por assim dizer, tendo dois pólos contrários: um negativo e outro positivo; mas também que em nenhum deles havia respostas às questões da vida.
Uma série de conhecimentos parece não reconhecer a questão mas, responde com clareza e exactidão às suas próprias perguntas, colocadas independentemente: é uma série de conhecimentos experimentais, no ponto extremo da qual se encontra a matemática; outra série reconhece a questão, mas não lhe dá resposta: é uma série de conhecimentos especulativos, e no seu ponto extremo encontra-se a metafísica.
(...)
Se nos virarmos para o ramo dessa ciência que tenta dar respostas às questões da vida - a fisiologia, a psicologia, a biologia a sociologia - encontramos uma impressionante pobreza de pensamento, uma enorme imprecisão, pretensões injustificadas de poder resolver questões fora do seu âmbito e as permanentes contradições em que um pensador cai relativamente aos outros e, até, relativamente a si próprio.
(...)
Se nos dirigirmos aos ramos da ciência que não procuram resolver as questões da vida, resolvendo apenas a especificidade das suas questões científicas, ficamos admirados com a força da mente humana, mas sabemos de antemão que não encontramos aqui a resposta às questões da vida. Estas ciências não querem saber da questão da vida. Dizem: " Não temos resposta para a pergunta sobre o que tu és e para que vives, não tratamos disso; mas se quiseres conhecer as leis da luz, dos compostos químicos, as leis da evolução dos organismos, se quiseres saber as leis dos corpos e das suas formas, e a relação dos números e das grandezas, ou as leis do teu intelecto, temos para tudo isso respostas claras, exactas e indubitáveis."

Tradução de Nina e Filipe Guerra

Lev Tolstói, Confissões, Ed. Alfabeto, Lx, 2010, p.48 a 51