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quinta-feira, outubro 02, 2014

Oxalá desaparecesse a Filosofia!!!



Mas,  qual a atitude do mundo em relação à filosofia? Há cátedras de filosofia nas universidades. (…) Por força da tradição, a filosofia é polidamente respeitada, mas, no fundo, objecto de desprezo. A opinião corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer e carece de qualquer utilidade prática. É nomeada em público, mas — existirá realmente? A sua existência prova-se, pelo menos, pelas posições de defesa a que dá lugar.
A oposição à filosofia traduz-se em fórmulas como: a filosofia é demasiado complexa; não a compreendo; está para além do meu alcance; não tenho vocação para ela; e, portanto, não me diz respeito. Ora, isso equivale a dizer: é inútil o interesse pelas questões fundamentais da vida; decide abster-se de pensar no plano geral para mergulhar, através de trabalho consciencioso, num capítulo qualquer da actividade prática ou intelectual; quanto ao resto, bastará ter “opiniões” e contentar-se com elas.
A polémica torna-se encarniçada. Um instinto vital, ignorado de si mesmo, odeia a filosofia. Ela é perigosa. Se eu a compreendesse, teria de alterar a minha vida. Adquiriria outro estado de espírito, veria as coisas a uma claridade insólita, teria de rever os meus juízos. Melhor é não pensar filosoficamente.
E surgem os detractores, que desejam substituir a obsoleta filosofia por algo de novo e totalmente diverso. Ela é desprezada como produto final e mandatária de uma teologia falida. A insensatez das proposições dos filósofos é ironizada. E a filosofia vê-se denunciada como instrumento servil de poderes políticos e outros.
Muitos políticos vêem facilitado o seu nefasto trabalho pela ausência da filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão-somente usam uma inteligência de rebanho. É preciso impedir que os homens se tornem sensatos. Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo entediante. Oxalá desaparecessem as cátedras de filosofia. Quanto mais vaidades se ensinem, menos estarão os homens em risco de se deixar tocar pela luz da filosofia.

Assim, a filosofia se vê rodeada de inimigos, a maioria dos quais não tem consciência dessa condição. A auto-complacência burguesa, os convencionalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente de vida, o hábito de só apreciar a ciência em função da sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das ideologias, a aspiração a um nome literário — tudo isso proclama a anti-filosofia. E os homens não o percebem porque não se dão conta do que estão a fazer. E permanecem inconscientes de que a anti-filosofia é uma filosofia, embora pervertida, que, se aprofundada, engendraria a sua própria aniquilação.

Karl Jaspers, Introdução ao pensamento filosófico, Cultrix, S. Paulo, s.d, pp.101

segunda-feira, junho 11, 2007

Fé e Conhecimento.

"A Fé é diferente do conhecimento. Giordano Bruno acreditava e Galileu sabia. Exteriormente estavam ambos na mesma situação. O tribunal da Inquisição exigia, sob pena de morte, tanto a um como a outro que se retratassem. Giordano Bruno estava pronto a retratar certas proposições, mas não as que julgava essenciais; teve a morte dos mártires. Galileu retratou a doutrina do movimento da terra à volta do Sol, mas conta-se a sua exclamação significativa: "E no entanto ela move-se". É precisamente aí que reside a diferença: há uma verdade que sofre por ser retratada e há outra que nenhuma retratação consegue abalar. Os dois acusados agiram de acordo com o que consideravam ser a sua verdade. O que é para mim vital só existe quando me identifico com ele.É histórico quanto à sua aparição, não tem valor universal quanto à sua expressão objectiva, mas é absoluto.
A verdade que posso demonstrar subsiste sem mim: é universalmente válida, não histórica, independente do tempo, mas não é absoluta, visto que se subordina a hipóteses, aos métodos de conhecimento na relatividade do finito. Seria desproporcionado querer morrer por ela. Mas em compensação, para o pensador que acredita ter alcançado o fundo das coisas e não pode mais retratar as suas declarações sem atentar contra a própria verdade, o debate trava-se no segredo da sua consciência. "

Karl Jaspers, La foi philosophique