segunda-feira, maio 28, 2007

O paradoxo hedonista

De Kooning, Sem título, EUA , 1904/1997

“ A maioria das pessoas não seria capaz de encontrar a felicidade ao decidir deliberadamente gozar a vida sem se preocupar com ninguém nem coisa alguma. Os prazeres assim obtidos pareceriam vazios e em pouco tempo tornar-se-iam insípidos. Procuramos um sentido para a vida que vá para além do prazer pessoal e sentimo-nos realizados e felizes quando fazemos as coisas que consideramos plenas de sentido. Se a nossa vida não tiver sentido algum além da nossa própria felicidade, é provável que, ao conseguirmos aquilo que julgamos necessário para essa felicidade, constatemos que a própria felicidade continua a escapar-nos.
Tem-se dado o nome de ‘paradoxo do hedonismo’ ao facto de as pessoas que procuram a felicidade pela felicidade quase nunca a conseguirem encontrar, ao passo que outras a encontram numa busca de objectivos totalmente diferentes. Não se trata, por certo, de um paradoxo lógico, mas de uma tese sobre o modo pelo qual chegamos a ser felizes.”

Peter Singer, Ética prática


quarta-feira, maio 23, 2007

Será que uma vida subjectivamente satisfatória é uma vida com sentido?

Tiziano, Sísifo, 1548, Veneza ,1490-1576


“ A ideia de uma distinção entre uma vida com sentido e uma vida sem sentido não é equivalente à diferença mais óbvia e incontroversa entre uma vida que é subjectivamente satisfatória ou enriquecedora e outra que não o é. Quando perguntamos se as nossas vidas têm sentido não estamos a fazer algo totalmente introspectivo, e quando procuramos uma forma de dar sentido às nossas vidas, não estamos à procura do comprimido da felicidade. A vida de Sísifo, perpetuamente condenado a carregar um pedregulho por um monte acima que depois caía outra vez, tem sido caracterizada (…) como um paradigma da ausência de sentido. Se imaginarmos que Sísifo encontrava uma perversa satisfação nesta actividade repetitiva e inútil, não é claro se pensamos que nesse caso a sua vida tem mais sentido, ou se pelo contrário é mais miserável.”


Susan Wolf, O Sentido da Vida

terça-feira, maio 22, 2007

Arte (i) moral?


Franz Kline, 1910-1962, EUA

" Não há livros morais nem imorais. Os livros são bem ou mal escritos. Nada mais (...) A vida moral do Homem faz parte do assunto do artista, mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito de um meio imperfeito.
Nenhum artista tem simpatias éticas. Uma simpatia ética num artista é um imperdoável maneirismo de estilo (...) o vício e a virtude são para o artista materiais de arte. Pode-se perdoar a um homem fazer uma coisa útil, enquanto ele a não admira. A única desculpa que merece quem faz uma coisa inútil é admirá-la intensamente.

Toda a arte é absolutamente inútil."
Oscar Wilde, prólogo do Retrato de Dorian Gray

" A obra literária tem necessariamente de exercer uma acção no espírito de quem a lê. Mas se essa acção é imoral, destruirá fatalmente a emoção estética. Portanto, uma obra imoral, na medida em que for, deixaraá de ser artística."

Paulo Durão Alves, Arte e Moral, Brotéria, 1927


A interpretação da obra de arte.

Deolinda Fonseca, 2004

"O que é importante hoje é recuperar os nossos sentidos. Temos de aprender a ver mais, a ouvir mais, a sentir mais.A nossa tarefa não é descobrir numa obra de arte o máximo de conteúdo, e ainda menos espremer mais conteúdo de uma obra do que aquele que já lá está. A nossa tarefa é reduzir o conteúdo de modo a podermos ver realmente o que lá está."


Na maior parte das situações na época moderna, a interpretação corresponde à recusa filistina de deixar em paz a obra de arte. A verdadeira arte tem a propriedade de nos deixar nervosos. Ao reduzir a obra de arte ao seu conteúdo para depois interpretar esse conteúdo, é o mesmo que domesticar a obra de arte. A interpretação torna a arte dócil, conformada."


"Mas, naturalmente, a arte permanece ligada aos sentidos. Assim como não se pode fazer flutuar a cor no espaço (o pintor precisa de um qualquer tipo de suporte, como a tela, ainda que neutro e sem textura) também não se pode ter uma obra de arte que não actue sobre os sentidos humanos. Mas é importante compreender que a consciência sensorial humana não tem apenas uma biologia, mas também uma história específica, com cada cultura a privilegiar a tónica em certos sentidos e inibindo outros. (A mesma coisa vale para a gama de emoções humanas primárias). É aqui que (entre outras coisas) entra em jogo a arte, e é essa a razão por que descobrimos na arte interessante da nossa época um tal sentimento de angústia e de crise, por mais alegre, abstracta e ostensivamente neutra do ponto de vista ético que possa parecer. Pode dizer-se que o homem ocidental tem sofrido uma anestesia maciça dos sentidos (concomitante do processo a que Max Weber chama «racionalização burocrática») pelo menos desde a Revolução Industrial, com a arte moderna a funcionar como uma espécie de terapia de choque, confundindo e descerrando os nossos sentidos simultaneamente.


Susan Sontag in Contra a Interpretação e outros ensaios, Lisboa, Gótica, 2004

segunda-feira, maio 21, 2007

A arte. Excesso.

Vincent Van Gogh, Holanda, 1853/1890
Noite estrelada,1889

" Se realmente amamos a arte, devemos amá-la acima de todas as outras coisas do mundo, e, contra um tal amor, a razão, se lhe déssemos ouvidos, levantaria a sua voz: não há nada de equilibrado na adoração da beleza. É demasiado esplêndida para ser equilibrada."
"A estética é algo de mais alto que a ética. Pertence a uma esfera mais alta. Discernir a beleza de uam coisa é o ponto mais alto a que podemos chegar. Até mesmo o sentido da cor é mais importante, no desenvolvimento do indivíduo, do que a noção de bem e de mal."

Oscar Wilde, Intenções

terça-feira, maio 15, 2007

Tudo pode ser arte?

Andy Warhol, Caixa de Brillo, EUA ,1964

"O senhor Andy Warhol, artista Pop, expõe cópias exactas de caixas de papelão de Brillo (famosa marca americana de detergentes para a loiça) cuidadosamente empilhadas ao alto, como no armazém de um supermercado.
Acontece que são de madeira, se bem que pintadas de modo a parecer papelão. E por que não? (...)
Sucede que o preço destas caixas é milhares de vezes superior ao das suas réplicas da vida real -uma diferença que dificilmente pode ser atribuída à sua maior durabilidade. O que faz dessas coisas obras de arte? E porque precisa Warhol de fazer essas obras à mão? (...)
O que afinal faz a diferença entre uma caixa de Brillo en uma obra de arte que consiste numa caixa de Brillo é uma certa teoria da Arte. É a teoria que a mantém no mundo da arte e a impede de resvalar para o objecto real que é (num outro sentido de ser diferente do de identificação artística). Claro que é improvável que sem a teoria alguém a visse como arte. De modo a vê-la como parte do mundo da arte, uma pessoa tem que dominar bem a teoria da arte, assim como precisa de ter um profundo conhecimento da história da pintura nova- iorquina recente."

Arthur Danto, A libertação artística dos objectos reais: o mundo da arte.

quarta-feira, maio 09, 2007

A Arte como testemunho

1840 Gustave Courbet, Auto-retrato com braço levantado
" O valor essencial da arte está em ela ser o indício da passagem do homem no mundo, o resumo da sua experiência emotiva dele; e, como é pela emoção, e pelo pensamento que a emoção provoca que o homem mais realmente vive na terra, a sua verdadeira experiência, regista-a ele nos faustos das sua emoções e não na crónica do seu pensamento científico, ou na história dos seus regentes e dos seus donos.
Com a ciência buscamos compreender o mundo que habitamos, mas para o utilizarmos; porque o prazer ou ânsia só da compreensão, tendo de ser gerais, levam à metafísica, que é já uma arte.
Deixamos a nossa arte escrita para guia dos vindouros, e encaminhamento plausível das suas emoções. É a arte, e não a história, que é a mestra da vida."
Fernando Pessoa, Páginas de Estética

quinta-feira, maio 03, 2007

Do padrão de gosto.

Gustave Courbet, Costa marítima, 1850

“É natural que procuremos encontrar um padrão do gosto, uma regra capaz de conciliar as várias opiniões dos homens; ou pelo menos uma decisão reconhecida, aprovando uma opinião e condenando outra.

Há uma espécie de filosofia que condena qualquer esperança de sucesso nessa tentativa, concluindo pela impossibilidade de vir jamais a atingir qualquer padrão de gosto. Diz ela que há uma diferença muito grande entre o juízo e o sentimento. O sentimento está sempre certo –porque o sentimento não tem outro referente senão ele mesmo e é sempre real, quando alguém tem consciência dele. Mas nem todas as determinações do entendimento são certas, porque têm como referente algumas coisas para além delas mesmas, a saber, os factos reais e nem sempre são conformes a esse padrão. Entre mil e uma opiniões que pessoas diferentes podem ter a respeito do mesmo assunto, há uma e apenas uma que é justa e verdadeira e a única dificuldade é encontrá-la e confirmá-la. Pelo contrário, os mil e um sentimentos despertados pelo mesmo objecto são todos certos, porque nenhum sentimento representa o que realmente está no objecto. Ele limita-se a observar uma certa conformidade ou relação entre o objecto e os órgãos ou faculdades do espírito e, se essa conformidade realmente não existisse, o sentimento jamais poderia ter ocorrido. A beleza não é uma qualidade das próprias coisas, existe apenas no espírito que a contempla e cada espírito percebe uma beleza diferente. É possível até uma pessoa encontrar deformidade onde uma outra vê apenas beleza e qualquer indivíduo deve concordar com o seu próprio sentimento, sem ter a pretensão de regular o dos outros. Procurar estabelecer uma beleza real ou uma deformidade real é uma investigação tão infrutífera como procurar uma doçura real ou um amargor real. Conforme a disposição dos órgãos do corpo, o mesmo objecto tanto pode ser doce ou amargo e o provérbio popular afirma, com muita razão, que gostos não se discutem. É muito natural e mesmo absolutamente necessário aplicar este axioma ao gosto mental, além do gosto corpóreo e assim o senso comum, que tão frequentemente diverge da filosofia, neste caso, está de acordo com esta decisão.
David Hume, Do padrão de gosto

Síntese:
O argumento é o seguinte: se o gosto provém de um sentimento, então não pode haver padrão de gosto porque os sentimentos são sempre certos para o que sente e não há referente exterior. Não podendo encontrar uma beleza objectiva é impossível então encontrar um objecto que seja unanimemente considerado belo. Daqui poderíamos concluir que depende do sentimento de cada um que por sua vez depende da forma, estado de espírito etc de cada um. Hume defende, no entanto que é possível estabelecer um padrão de gosto, isto é, é possível estabelecer condições pela quais a subjectividade é conduzida a uma espécie de condição de percepção. Há condições pela quais podemos percepcionar um objecto, se essas condições forem satisfeitas podemos chegar a um acordo acerca da beleza ou do valor estético de um objecto. Nessas condições, emitir o juízo de que a música de Bach e a de Emanuel são igualmente belas ou dizer"Gosto mais da música de Emanuel que da de Bach", equivaleria  a dizer que o a Lagoa de Óbidos é maior que o Oceano Atlântico, o que é obviamente uma falsidade, assim como fere o mais elementar senso comum.Tal, explica Hume só se pode dar por deformação do órgão sensível, sendo assim, a expressão, os gostos discutem-se é mais aproximada, na origem da diversidade de opiniões estão uma série de factores que contribuem para  que o nosso gosto seja sujo pois nele estão presentes interesses, estados de espírito, hábitos, conhecimentos, modas. Poderse-ia justificar o padrão de gosto colocando-o como aquele que é pronunciado por um crítico excelente, numa situação ideal, e Hume enumera o que tem de ter o crítico excelente, resta pensar se a situação ideal pode acontecer.

quarta-feira, maio 02, 2007

O juízo estético



Maggie Taylor, Surrounded, 2004 Cleveland 1961

" Cada qual chama agradável ao que lhe causa prazer, belo o que simplesmente satisfaz; bom o que ele estima, aprova, isto é aquilo a que atribui um valor objectivo. O agradável tem valor mesmo para os animais desprovidos de razão: a beleza só tem valor para os homens, ou seja, seres de natureza animal, contudo racionais. (...)

Pode-se dizer que destes três géneros de satisfação, o gosto pelo belo é a única satisfação desinteressada e livre. Com efeito, nenhum interesse, nem dos sentidos, nem da razão, constrange o assentimento. Nos três casos indicados, a satisfação deve-se, no primeiro à inclinação, no segundo ao favor e último ao respeito. O favor é a única satisfação livre.Um objecto da inclinação ou uma lei da razão que nos ordena desejar, não nos deixa nenhuma liberdade de deles fazermos, para nós, um objecto de prazer.

Todo o interesse pressupõe uma carência ou produz uma, e como princípio determinante do assentimento, não deixa o juízo sobre o objecto ser livre."

Immanuel Kant, Crítica do Juízo, tradução?