Como antes de construir um grande edifício, o arquitecto observa e sonda o solo, para ver se pode sustentar o peso, o sábio governante não começa por redigir boas leis por si próprias, mas examina antes de mais se o povo a quem se destinam está preparado para as suportar.
É por isso que Platão recusou dar leis aos Arcadianos e aos Cirenianos, sabendo que estes dois povos eram ricos e não podiam sofrer a igualdade: é por isso que vimos em Creta boas leis e homens maus, porque Minos não disciplinou um povo carregado de vícios.
Mil nações brilharam sobre a terra que nunca puderam usufruir de boas leis, e as que puderam não tiveram senão um curto espaço de tempo para o fazer. Os povos, assim como os homens só são dóceis na juventude, tornam-se incorrigíveis quando envelhecem; uma vez os costumes estabelecidos e os preconceitos enraízados, é um projecto perigoso e vão querer reformulá-los; o povo não pode mesmo admitir que toquem nos seus males para os destruir, semelhante áqueles doentes estúpidos e sem coragem que tremem com a perspectiva do médico.
Que povo está preparado para a legislação? Aquele que se encontra ligado por uma união de origem, interesse ou convenção, ainda não traz consigo o verdadeiro jugo das leis.; aquele que não tem nem costumes nem superstições muito enraízados; aquele que não teme ser abalado por uma subita invasão, aquele que sem entrar em querelas com os seus vizinhos, pode resistir sozinho a cada um deles, ou ajudar um para afastar ; aquele em que cada membro pode ser conhecido por todos, e onde não sejamos forçados a carregar um homem com um fardo que ele não pode suportar. (...)
Rousseau, Le Contrat Social, Livre II, Paris, Flammarion, 1992
Tradução Helena Serrão
Gravura de Goya
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