segunda-feira, outubro 06, 2025

Como justificar uma crença?

 


Nanna Heitmann, setembro 2023, Ucrânia

O termo 'justificado', presumo, é um termo valorativo, um termo de apreciação. Qualquer definição ou sinónimo correto do mesmo apresentaria também termos avaliativos. Presumo que tais definições ou sinónimos possam ser fornecidos, mas não estou interessado neles. Quero um conjunto de condições substantivas que especifiquem quando uma crença é justificada. Compare o termo moral 'certo'. Este pode ser definido noutros termos ou frases éticas, uma tarefa apropriada à metaética. A tarefa da ética normativa, por outro lado, é a de estabelecer condições substantivas para a rectidão das acções. A ética normativa tenta especificar condições não éticas que determinam quando uma ação é correta. Um exemplo familiar é o utilitarismo dos atos, que diz que uma ação é correta se e só se produz, ou produziria, pelo menos tanta felicidade líquida como qualquer alternativa aberta ao agente. Estas condições necessárias e suficientes não envolvem claramente noções éticas. Analogamente, quero que uma teoria da crença justificada especifique em termos não epistémicos quando uma crença é justificada. Este não é o único tipo de teoria de justificação que se pode procurar, mas é um importante tipo de teoria e o tipo procurado aqui.

Algumas palavras introdutórias sobre o meu explicandum são apropriadas neste momento. Muitas vezes presume-se que sempre que uma pessoa tem uma crença justificada, ela sabe que é justificada e sabe qual é a justificação. Presume-se ainda que a pessoa pode declarar ou explicar qual a sua justificação. Nesta visão, uma justificação é um argumento, defesa ou conjunto de razões que podem ser apresentadas em apoio de uma crença. Assim, estuda-se a natureza da crença justificada considerando o que uma pessoa poderia dizer se fosse solicitada a defender ou justificar a sua crença. Não faço nenhum deste tipo de suposições. Deixo em aberto a questão se, quando uma crença é justificada, o crente sabe que ela é justificada. Deixo também em aberto a questão se, quando uma crença é justificada, o crente pode declarar ou dar uma justificação para a mesma. Nem sequer assumo que, quando uma crença é justificada, haja algo ‘possuído’ pelo crente que possa ser chamado de justificação'. Presumo que uma crença justificada obtém o seu estatuto de justificada a partir de alguns processos ou propriedades que a tornam justificada. Em suma, deve haver alguns processos ou propriedades que confiram justificação. Mas isso não implica que deva haver um argumento, ou razão, ou qualquer outra coisa,(…)

Admitindo que os princípios da crença justificada devem fazer referências às causas da crença, que tipos de causas conferem justificação? Podemos compreender este problema revendo alguns processos de formação de crenças falhadas, ou seja, processos cujos resultados de crenças seriam classificados como injustificados. Eis alguns exemplos: raciocínio confuso, pensamento positivo, dependência do apego emocional, mero palpite ou suposição e generalização precipitada. O que têm estes processos falhados em comum? Partilham a característica da falta de fiabilidade: tendem a produzir erros grande parte do tempo. Em contraste, que espécie de processos de formação (ou sustentação) de crenças conferem justificação intuitivamente? Incluem processos perceptivos padrão, recordação, bom raciocínio e introspeção. O que estes processos parecem ter em comum é a fiabilidade: as crenças que produzem são geralmente verdadeiras. A minha proposta positiva, então, é esta.

O estatuto justificativo de uma crença é uma função da fiabilidade do processo ou processos que a causaram, onde (como uma primeira aproximação) a fiabilidade consiste na tendência de um processo para produzir crenças que são verdadeiras em vez de falsas.

ALVIN I. GOLDMAN, (1979), What Is Justified Belief? ,pp 96,100,101