quinta-feira, fevereiro 28, 2008

A nossa vontade não é uma boa vontade

Tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representação das leis, isto é segundo princípios, ou: só ele tem uma vontade. Como para derivar as acções das leis é necessária a razão, a vontade não é outra coisa senão razão prática. Se a razão determina infalivelmente a vontade, as acções de um tal ser, que são conhecidas como objectivamente necessárias, são também subjectivamente necessárias, isto é, a vontade é a faculdade de escolher só aquilo que a razão, independentemente da inclinação, reconhece como praticamente necessário, quer dizer como bom. Mas se a razão só por si não determina suficientemente a vontade, se esta está ainda sujeita a condições subjectivas (a certos móbiles) que não coincidem sempre com as objectivas; numa palavra, se a vontade não é em si plenamente conforme à razão (como acontece realmente entre os homens), então as acções, que objectivamente são reconhecidas como necessárias, são subjectivamente contingentes, e a determinação de uma tal vontade, conforme a leis objectivas, é obrigação; quer dizer, a relação das leis objectivas para uma vontade não absolutamente boa representa-se como a determinação da vontade de um ser racional por princípios da razão, sim princípios esses porém a que esta vontade, pela sua natureza, não obedece necessariamente. (...)
Todos os imperativos se exprimem pelo verbo dever, e mostram assim a relação de uma lei objectiva da razão para uma vontade que segundo a sua constituição subjectiva não é por ela necessariamente determinada (uma obrigação). Eles dizem que seria bom praticar ou deixar de praticar qualquer coisa, mas dizem-no a uma vontade que nem sempre faz qualquer coisa só porque lhe é representado que seria bom fazê-la. (...)
Ora todos os imperativos ordenam ou hipotética - ou categoricamente. Os hipotéticos representam a necessidade prática de uma acção possível como meio de alcançar qualquer outra coisa que se quer (ou que é possível que se queira). O imperativo categórico seria aquele que nos representasse uma acção como objectivamente necessária por si mesma, sem relação com qualquer outra finalidade.

Imannuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos costumes, Ed.70, Lx, 1997, pag. 47/48

Tradução de Paulo Quintela

2 comentários:

Orlando Braga disse...

É a ética de Kant que se rege pelo valor da acção em si (deontologia) em vez das consequências que a acção possa ter nos outros (teleologia). O povo diz: "Quando se faz algo, o que conta é a intenção". Esta frase resume a deontologia ética de Kant.

Por outro lado, Kant submete o Homem à Natureza como condição para um juízo estético e teleológico. Da noção de "dever moral" do humano que se submete à Natureza, surge a noção de "vontade" da acção humana que sirva naturalmente de exemplo aos outros.

Anónimo disse...

amei seu blog...
obrigada