sábado, abril 26, 2014

Popper: A lógica científica não é indutiva



Lartigue, Mulher no lago

Não há indução probabilística. A experiência humana, tanto na vida comum como em ciência, adquire-se fundamentalmente através do mesmo procedimento: a invenção livre, injustificada e injustificável de hipóteses, antecipações ou expectativas, e a sua subsequente testagem. Esses testes não podem tornar a hipótese "provável". Podem apenas corroborá-la - e isto porque o "grau de corroboração" não é mais que uma designação ligada a uma informação ou a uma apreciação da severidade dos testes passados pela hipótese.
mas quase todos os meses se  publicam mais teorias da indução. é que há uma considerável força intuitiva na asserção de que a propriedade de uma lei aumenta com o número de casos observados que a verificam. Tentei explicar essa força intuitiva assinalando que não se distinguiu adequadamente grau de corroboração e probabilidade. Quer a minha explicação seja satisfatória quer não, a actual superabundância de teorias da indução insustentáveis deve ser altamente satisfatória até para um indutivista. (...)
Para ser mais específico, desafio qualquer pessoa que julgue que é possível aumentar a probabilidade uma teoria por meio de algum protocolo indutivo a explicar quatro coisas.
1)      Por que é que os cientistas invariavelmente preferem uma teoria altamente testável cujo conteúdo vai muito além de todas as provas observadas, a uma hipótese ad hoc, concebida para explicar precisamente essas provas, e pouca coisa para além delas, ainda que esta última tenha de ser sempre mais provável do que a primeira relativamente a provas dadas. Como se há-de combinar a exigência de elevado conteúdo informativo de uma teoria – a exigência de conhecimento – com a exigência de probabilidade elevada, que significa falta de conteúdo e de conhecimento.
2)      Como se há-de evitar obter probabilidades iguais a 1 para todas a leis ainda não refutadas, considerando que todas ela são instanciadas quase em toda a parte, pois tanto a lei “Todos os cisnes são brancos” , isto é “ Não há nenhum cisne não-branco”  como a lei “Todos os cisnes são não-brancos” , isto é “Não há nenhum cisne branco” são instanciadas em todas as regiões onde não haja cisnes, isto é, segundo o nosso conhecimento actual , em quase todo o universo.
3)      Como evitar obter, num universo infinito (ou num universo praticamente infinito) a probabilidade zero para todas as leis universais, considerando que uma lei universal acerca de um universo infinito pode sempre ser expressa como um produto infinito de proposições singulares. ( Por exemplo, “ Todos os cisnes são brancos” pode-se exprimir através de “Tudo tem a propriedade P” (em que ter a propriedade P é definido pela frase “ou ser branco ou não ser um cisne”
4)      Como é que eles respondem às objecções que coloquei na L.Sc.D, apêndice IX sobretudo na página 390?.
Eis o meu desafio.

Karl Popper, O realismo e o objectivo da ciência, in Pós-escrito à lógica da descoberta científica – Vol.I, Dom Quixote, Lisboa, 1992, p.264,265,266



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