quinta-feira, setembro 04, 2014

O relativismo moral


Paul Gauguim "Cenas da vida no Tahiti

A minha tese é a de que a moralidade surge quando um grupo de pessoas atinge um acordo implícito ou chega a um entendimento tácito relativo ao modo como se relacionam uns com os outros. Parte do que eu quero dizer com isto é que os juízos morais, ou um importante conjunto deles, só fazem sentido em relação e com referência a um ou outro acordo ou entendimento. (…) Mas deve ficar claro que pretendo argumentar a favor de uma versão do que tem sido chamado de relativismo moral. Ao fazer isso, estou a tomar partido numa controvérsia antiga. (…) Do mesmo modo que o conceito de grande só faz sentido em relação ou em comparação, o juízo de que alguém fez algo errado também só faz sentido na relação com um acordo ou entendimento. Um cão pode ser grande em relação aos chihuahuas e não ser grande em relação à generalidade dos cães Similarmente, uma acção pode ser errada  relativamente a um acordo e não o ser em relação a outro. Do mesmo modo que não faz sentido perguntar se o cão é grande, sem mais,  também não se pode perguntar de modo isolado e sem relação com um acordo, se uma acção é errada.
Existe um acordo ou entendimento, num sentido relevante se cada uma das pessoas que integra um grupo tem a intenção de aderir a algum programa, plano ou conjunto de princípios, pressupondo que os outros também têm intenção de o fazer.
Gostaria de dizer breves palavras sobre o caso limitado da moralidade de um grupo, quando o mesmo tem apenas um membro; então, por assim dizer,  uma pessoa chega a um entendimento com ela própria (consigo mesma). Na minha opinião, uma pessoa pode fazer julgamentos internos em relação a si mesmo. A forma familiar de pacifismo é deste tipo. Alguns pacifistas consideram que seria errado matarem, embora não estejam dispostos a fazer um juramento semelhante sobre os outros (…). Há naturalmente, muitos exemplos de moralidade individual neste sentido, quando uma pessoa impõe padrões a si mesma que não se aplicam aos outros. A existência de tais exemplos é mais uma confirmação da tese relativista que eu apresentei.
A minha conclusão é a de que a moral deriva de um implícito acordo ou entendimento e que os juízos morais são feitos  com relação a esse acordo.


Gilbert Harman (1975), Moral Relativism defended, in The philosophical Review, vol 84, nº1, pp3-22

Neste ponto de vista se o grupo não chegasse a acordo então não haveria regras, ou vamos limitar o grupo aos que estão de acordo e assim há regras mas só para alguns e os outros formam outras. Não há verdadeiramente tão grande discrepância, ou substancial divergência entre todos sobre certos actos serem errados, objectivamente errados, e portanto a evitar, assim  como não há substancial divergência em relação à grandeza dos cães. Um cão grande é facilmente reconhecível por todos, porque há um padrão formado a partir da experiência comum que todos temos sobre a natureza dos cães conhecidos. O facto de poderem existir excepções não altera o que podemos concluir ser o mais comum e constituir o padrão. Do mesmo modo o juízo moral pode estar vinculado a um grupo resultante do acordo tácito entre todos os membros mas isso não significa que por serem praticados e consentidos certos actos no seio desse grupo, que eles sejam correctos moralmente. Ser aceite por um grupo não significa moralmente correcto. O juízo sobre o correcto ou incorrecto não pode ser confinado a um grupo porque a questão moral é uma questão geral, pois qualquer acção de qualquer indivíduo, em qualquer grupo afecta ou pode  afectar  todos. Imaginemos uma terra onde só existem cães pequenos, raças pequenas. Nessa terra, se não houvesse conhecimento de outras raças chegar-se-ia a pensar que todos os cães são pequenos e o nosso juízo estaria errado.

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