quinta-feira, novembro 12, 2015

Liberdade e necessidade



Koudelka. Invasão de Praga pelas tropas soviéticas

Paul Goldsmith, Invasão de Praga pelas tropas soviéticas, 1968

[…] Do fato de o meu comportamento poder ser explicado, no sentido em que pode ser subsumido sob uma lei da natureza, não se segue que estou a agir sob coação. Se isto for correto, dizer que eu poderia ter agido de outra maneira é dizer, primeiro, que eu teria agido de outra maneira se assim o tivesse escolhido; segundo, que a minha ação foi voluntária no sentido em que as ações, digamos, de um cleptomaníaco não o são; e, em terceiro lugar, que ninguém me obrigou a escolher o que escolhi. E estas três condições podem muito bem ser respeitadas. E quando o são pode-se dizer que agi livremente. Mas isto não significa que agir como agi foi uma questão de acaso ou, por outras palavras, que a minha ação não poderia ser explicada. E que as minhas ações possam ser explicadas é tudo o que é exigido pelo postulado do determinismo.
[…]
Contudo, poderá dizer-se, se o postulado do determinismo for válido, então o futuro pode ser explicado em termos do passado; e isto significa que se soubéssemos o suficiente sobre o passado, seríamos capazes de prever o futuro. Mas nesse caso o que acontecerá no futuro está já decidido. E como posso então dizer que sou livre? O que vai acontecer vai acontecer e nada do que eu faço poderá evitá-lo. Se o determinista tiver razão, sou um prisioneiro indefeso do destino.
Mas o que quer dizer que o curso futuro dos acontecimentos já está decidido? Se a sugestão é que uma pessoa o decidiu, então a proposição é falsa. Mas se tudo o que se quer dizer é que é possível, em princípio, deduzi-lo de um conjunto de fato particulares sobre o passado, juntamente com as leis gerais apropriadas, então, se isto é verdade, não implica de modo algum que sou o prisioneiro indefeso do destino. Nem sequer implica que as minhas ações não afetam o futuro: pois elas são causas, tal como efeitos; de modo que, se fossem diferentes, as suas consequências seriam também diferentes. Implica, sim, que o meu comportamento pode ser previsto; mas dizer que o meu comportamento pode ser previsto não é dizer que estou a agir sob coação. É realmente verdade que não posso escapar ao meu destino, se isto significar apenas que farei o que farei. Mas isto é uma tautologia, tal como é uma tautologia dizer que o que vai acontecer vai acontecer. E tautologias como estas nada provam sobre o livre-arbítrio.

A. J. Ayer, «Liberdade e Necessidade», 1954, trad. de Desidério Murcho, pp. 282-284.

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