domingo, novembro 15, 2020

A física quântica como causalmente insuficiente mas não aleatória


 Fotograma do filme de 1969 "The arrangement" de Elia Kazan, EUA

 “ Vamos fazer um robô que não tem apenas experiência do livre-arbítrio, tem-no de facto. A tomada consciente de decisão no hiato (intervalo) corresponde a uma realidade da ausência de condições causalmente suficientes para certos tipos de decisões e ações. Como poderíamos fazer esse robô? Bem, a primeira coisa que temos de perguntar é:há algumas partes da natureza onde as causas não sejam causalmente suficientes? Há algumas partes da natureza que não sejam determinísticas? E a resposta é sim. A mecânica quântica não é determinística. Num sistema quântico, podemos prever com probabilidade estatística o que acontecerá, mas não podemos prevê-lo com certeza, porque não temos condições causalmente suficientes. A única parte do Universo que sabemos que é indeterminística é o indeterminismo quântico. Soa estranho dizer que essa é a única parte do Universo, pois, é claro, o Universo como um todo é quântico. Os filósofos falam como se houvesse um pedaço minúsculo, coisas mesmo muitíssimo minúsculas, e que isso é indeterminístico. Mas não, a indeterminação quântica afeta tudo. Em níveis mais elevados, as indeterminações tendem a anular-se, de modo que, no fim, com uma bola de beisebol, por exemplo, podemos prever o seu comportamento como se fosse um sistema newtoniano fixo, porque a probabilidade de se comportar de uma maneira indeterminística é ínfima. Mas é ainda indeterminística. A indeterminação quântica está em todo lado.

Contudo, de que serve tudo isso aos seres humanos? Sempre me pareceu que a indeterminação quântica nada tem que ver com o problema do livre-arbítrio, porque aquilo que a indeterminação nos dá é aleatoriedade, e esta, é claro, não é o mesmo que liberdade. Quando escolhi votar nos democratas, tomei essa decisão no hiato, mas essa não foi uma decisão aleatória. Pressupus que isso não estava fixado por causas anteriores, mas não votei simplesmente de maneira aleatória nos democratas e não nos republicanos. Portanto, o determinismo quântico parecia-me irrelevante para o problema do livre-arbítrio, pois não fornece a liberdade. Fornece apenas aleatoriedade.

Mas, formalmente falando, esse argumento que acabei de apresentar tem uma falácia, e quero explica-la. Há uma falácia comum chamada “falácia da composição”. Trata-se da falácia de supor que se uma característica é verdadeira com respeito aos elementos de um sistema, então é verdadeira com respeito a todo o sistema que é composto desses elementos. Assim. Se digo que os meus neurónios estão a disparar à taxa de 40 hertz, 40 vezes por segundo, seria uma falácia da composição dizer depois que o cérebro como um todo está a disparar à taxa de 40 hertz. É uma falácia de composição dizer” porque no nível quântico a indeterminação implica a aleatoriedade, a indeterminação ao nível mais elevado tem de implicar a aleatoriedade”. Poderíamos ter uma indeterminação quântica que fosse aleatória no nível inferior, mão não no nível mais elevado.”

John R. Searle, Da realidade física à realidade humana, Gradiva, Lx, 2020,pp.289 a 29

 

 

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