quarta-feira, março 08, 2023

A verdade e a crítica como valores científicos

 


Jerôme Sessini, Março, 2022, Ucrânia,
 Mulher a evacuar de Irpin

“Estamos, pois, constantemente em busca de uma teoria verdadeira (uma teoria verdadeira e relevante), ainda que não possamos nunca dar razões (razões positivas) para mostrar que encontrámos realmente a teoria verdadeira que buscávamos. Ao mesmo tempo, podemos ter boas razões – isto é, boas razões críticas – para pensar que aprendemos algo de importante: que progredimos em direção à verdade. Pois podemos, primeiro, ter aprendido que uma determinada teoria não é verdadeira segundo o estado presente da discussão crítica; e, em segundo lugar, podemos ter encontrado algumas razões provisórias para acreditar (sim, até para acreditar) que uma teoria nova se aproxima mais da verdade que as suas antecessoras.

Para ser menos abstrato, vou dar um exemplo histórico.

As teorias de Einstein foram muito discutidas pelos filósofos, mas poucos salientaram o importante facto de que Einstein não acreditava que a relatividade especial fosse verdadeira: logo desde o início, ele chamou a atenção para o facto de ela poder ser, quando muito, apenas uma aproximação (já que era válida apenas para o movimento não-acelerado). Encaminhou-se, assim, para uma aproximação maior, a relatividade geral. E, mais uma vez, fez notar, que essa teoria também não podia ser verdadeira, mas sim somente uma aproximação. De facto, buscou uma melhor aproximação durante quase 40 anos, até à sua morte.(…)

Einstein buscou a verdade, e pensou ter razões -razões críticas- que lhe indicavam que não a tinha encontrado. Ao mesmo tempo, deu, ele e muitos outros, razões críticas que indicaram que tinha feito grandes progressos na direção da verdade que as suas teorias resolviam problemas que as respetivas antecessoras não eram capazes de resolver, e que se aproximavam mais da verdade do que as suas rivais conhecidas.

Este exemplo pode apoiar a minha afirmação de que ao substituir o problema da justificação pelo problema da crítica não precisamos de abandonar nem a teoria clássica da verdade como correspondência com os factos, nem a aceitação da verdade como um dos nossos padrões da crítica. Outros valores são a relevância para os nossos problemas e o poder explicativo.

Por conseguinte, ainda que eu mantenha de que o que é mais frequente é nós não encontrarmos a verdade, e não sabermos sequer quando é que a encontrámos, retenho a ideia clássica de verdade absoluta ou objetiva como ideia reguladora; quer isto dizer, como padrão em relação ao qual nos podemos posicionar abaixo.”

Karl Popper, O realismo e o objetivo da ciência, Lx, 1992, Dom Quixote, pp 58,59

 

 

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