A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se permitirmos uma tolerância ilimitada áqueles que são intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, o resultado será a destruição dos tolerantes e da tolerância. Nessa formulação, não insinuo, por exemplo, que devamos sempre suprimir a expressão de filosofias intolerantes; desde que possamos combatê-las com argumentos racionais e mantê-las em xeque frente à opinião pública, suprimi-las seria, certamente, imprudente.
Mas devemo-nos reservar o direito de suprimi-las, se necessário, mesmo pelo uso da força; já que muitas vezes elas não estão preparadas para um confronto ao nível da argumentação racional, denunciando à partida qualquer argumento; proíbem os seus seguidores de considerar os argumentos racionais, alegando que eles são enganadores, e ensinam-nos a responder-lhes recorrendo aos punhos ou pistolas.
Devemos, portanto, exigir, em nome da tolerância, o direito de não tolerar o intolerante, e postular como fora da lei qualquer movimento proclamando a intolerância. Devemos ainda considerar como criminosos a perseguição e o incitamento à intolerância, do mesmo modo que qualificamos de crime o incitamento ao homicídio, ao rapto ou ao restabelecimento do mercado de escravos.
Karl Popper, A sociedade aberta e seus inimigos, Porto, 1993, Fragmentos, p. 268
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