quinta-feira, outubro 12, 2023

O ceticismo de David Hume


Larry Towell, Terra de ninguém, 2003. Um palestiniano foge por uma brecha na vedação de laje de 8 metros colocada para impedir o acesso à margem oeste da Palestina. 

“O ceticismo de Hume parece derivar da conjunção das três proposições seguintes:

(I)                  não há verdades sintéticas “a priori” a respeito do mundo externo;

(II)                qualquer conhecimento genuíno que tenhamos do mundo externo deve ser derivado, em última instância da experiência percetiva;

(III)              só são válidas derivações dedutivas.

(IV)              Referir-me-ei a estas três proposições, respetivamente como a tese antiapriorista, a tese experimentalista, e a tese dedutivista. Elas implicam que para qualquer enunciado factual h constituir conhecimento, tem de haver premissas verdadeiras e que relatam experiências percetivas e das quais h é logicamente derivável. Mas se h fala do mundo externo e e só fala de experiências percetivas, h vai mais além de e e, portanto, não pode ser logicamente derivado de e.

Os filósofos usam frequentemente o termo conhecimento como uma palavra-sucesso; mas, neste livro, o termo será usado para denotar um certo corpo organizado de saber sem a implicação de estar livre de erro. Assim pode dizer-se: “O conhecimento médico do século dezoito era muito imperfeito e continha muito de erróneo”. Só estará a ser usado como palavra-sucesso quando estiver em itálico. Assim, podemos enunciar o ceticismo de Hume como a tese de que nada do nosso conhecimento do mundo externo é conhecimento.

Podemos escolher dentro da enorme variedade de enunciados que figuram no nosso conhecimento factual, enunciados ocorrendo aos níveis seguintes:

nível 0: relatos de perceções na primeira pessoa, do tipo aqui e agora (por exemplo: ‘No meu campo visual há um crescente prateado contra um fundo azul escuro’);

nível 1: enunciados singulares sobre coisas ou acontecimentos observáveis (por exemplo: ‘Há lua nova esta noite’;

nível 2: generalizações empíricas sobre regularidades manifestadas por coisas e acontecimentos observáveis (por exemplo: ‘ Uma lua nova é seguida por marés vivas’);

nível 3: leis experimentais exatas sobre grandezas físicas mensuráveis (por exemplo:  - a lei de Snell da refração ou a lei dos gases de Charles e Gay-Lussac);

nível 4: teorias científicas que são não só universais e exatas, mas ainda postulam entidades inobserváveis (por exemplo - a teoria dos campos de força de Faraday- Maxwell).

O ceticismo de Hume também pode expressar-se como a tese segundo a qual nenhum enunciado de nível 1, ou superior, possa ser justificado por enunciados de níveis mais baixos. É uma teoria epistemológica de carácter muito negativo. (…)

Para o ceticismo pirrónico, o mapa do conhecimento empírico é muito simples: só mostra um oceano indiferenciado de incerteza. Para o ceticismo de Hume, o mapa mostra um oceano de incerteza com uma pequena ilha de certeza no meio; esta ilha contém, para qualquer pessoa X no instante t, o conhecimento egocêntrico de X em t sobre as suas próprias experiências percetivas, etc.”

J.W.N. Watkins, Ciência e ceticismo (1984), Lx, 1990, Fundação Calouste Gulbenkian, p.15,16,17

 

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