Diane Arbus, Jovem com rolos
Os filósofos dão respostas muito diferentes a estas questões e, portanto, também a duas questões mais específicas acerca de nós: (1) Somos agentes livres? e (2) Podemos ser responsáveis por aquilo que fazemos? As respostas a (1) e (2) vão de ‘sim, sim’ a ‘não, não’ – passando por ‘sim, não’ e vários graus de ‘talvez’, ‘possivelmente’ e ‘num certo sentido’. (O quarto par das respostas directas, ‘não, sim’, é raro, mas parece ser aceite por alguns protestantes). Entre os que respondem ‘sim, sim’ são proeminentes os compatibilistas, que sustentam que o livre arbítrio é compatível com o determinismo. Sucintamente, o determinismo é a teoria que diz que tudo o que ocorre é exigido pelo que já aconteceu anteriormente de um modo tal que nada pode acontecer de um modo diferente daquele que acontece. Segundo os compatibilistas, a liberdade é compatível com o determinismo, porque a liberdade é fundamentalmente apenas uma questão de não ser constrangido ou impedido em certos sentidos quando agimos ou escolhemos. Assim seres humanos adultos normais em circunstâncias normais são capazes de agir e escolher livremente. Ninguém lhes aponta uma arma à cabeça. Não estão drogados, agrilhoados ou sujeitos a compulsão psicológica. São, portanto, completamente livres para escolher e agir mesmo que toda a sua estrutura física e psicológica seja inteiramente determinada por coisas pelas quais não são de maneira nenhuma responsáveis – começando pela herança genética e pela educação inicial.
Os incompatibilistas sustentam que a liberdade não é compatível com o determinismo. Salientam que se o determinismo é verdade, então cada uma das nossas acções foi determinada para acontecer tal como aconteceu antes de nós termos nascido. Sustentam que não podemos ser, neste caso, considerados verdadeiramente livres e, consequentemente, moralmente responsáveis pelas nossas acções. Pensam que o compatibilismo é um ‘miserável subterfúgio…, um insignificante malabarismo de palavras.’, como diz Kant na sua Crítica da Razão Prática (1788). O compatibilismo não consegue de modo nenhum satisfazer as nossas convicções espontâneas acerca da natureza da responsabilidade moral.
O argumento dos incompatibilistas é um bom argumento. Os incompatibilistas podem ser dividos em dois grupos. Os libertários respondem ‘sim, sim’ às perguntas (1) e (2). Sustentam que somos de facto livres e agentes moralmente responsáveis e que, portanto, o determinismo tem de ser falso. A sua grande dificuldade é explicar de que vale afirmar que o determinismo é falso quando se trata de estabelecer o nosso livre agir e a nossa responsabilidade moral. Suponhamos que nem todo o acontecimento é determinado, e que alguns acontecimentos ocorrem aleatória ou fortuitamente. Como é que a nossa pretensão à responsabilidade moral pode ser reforçada pela suposição de que o que nós somos e o que são as nossas acções é da ordem do fortuito ou do aleatório?
O segundo grupo de incompatibilistas é menos optimista. Responde ‘não, não’ às questões (1) e (2). Concorda com os libertários que a verdade do determinismo inviabiliza a genuína responsbilidade moral, mas argumentam que a falsidade do determinisno de nada adianta. Assim, concluem que não somos genuinamente agentes livres ou moralmente responsáveis seja o determinismo falso ou verdadeiro. Um dos seus argumentos pode ser sumariado da seguinte maneira: quando agimos, agimos como agimos devido ao que somos. Portanto, para sermos responsáveis moralmente pelas próprias acções teríamos de ser verdadeiramente responsáveis pelo que somos: teríamos de ser causa sui, ou causa de nós mesmos, pelo menos no que respeita a certos aspectos mentais cruciais. Mas nada pode ser causa sui – nada pode ser a nenhum respeito a última causa de si mesmo. Logo, nada pode ser na verdade moralmente responsável.
Desenvolvido apropriadamente, este argumento contra a responsabilidade moral parece ser muito forte. Porém, em muitos seres humanos a experiência da escolha dá lugar a uma convicção de responsabilidade absoluta que não é abalada pela reflexão filosófica. Esta convicção é a mais profunda e inesgotável fonte do problema do livre arbítrio: aparecem continuamente poderosos argumentos que parecem mostrar que não podemos ser moralmente responsáveis naquele sentido fundamental que habitualmente adoptamos; mas contra estes persistem razões de ordem psicológica igualmente poderosas que nos fazem crer que em última análise somos moralmente responsáveis.
Edward Craig (ed.) The Shorter Routledge Encyclopedia of Philosophy (London and New York, 2005). Tradução de Carlos Marques.
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