quarta-feira, janeiro 30, 2008

O método de Descartes.

[No seu livro Meditações de Filosofia Primeira, Descartes] começa com (…) [a regra]: não aceites nada que não se apresente à mente tão clara e distintamente que não haja razão para disso duvidar. Descartes não está aqui a falar apenas de uma ‘dúvida razoável’. A exigência, no fim de contas, é alta, e o objectivo é encontrar a certeza absoluta, um fundamento sobre o qual se construa todo o sistema da ciência. Qualquer razão para duvidar, não importa quão bizarra, servirá para tornar suspeita uma crença. Portanto, o método de Descartes é o método da dúvida. Se uma crença sobrevive ao teste de Descartes, ela terá de estar até acima da mais pequena sombra de dúvida. Examinar cuidadosamente todas as nossas crenças individualmente seria uma tarefa sem fim, por isso, Descartes começa por procurar a certeza lançando a dúvida sobre uma classe de crenças no seu todo.

A destruição das crenças

Descartes começa com crenças baseadas na percepção dos sentidos. A maior parte das coisas que ele conhece são crenças baseadas no uso dos sentidos, mas os sentidos são por vezes enganadores. Olhemos para um remo imerso na água pela metade e ele parecerá torto. Pensemos em truques luminosos, miragens no deserto ou na ilusão de água tremeluzente no alcatrão quente à distância. Se os sentidos às vezes nos enganam, argumenta Descartes, é um sinal de prudência nunca neles confiar completamente. Devemos então concluir que não é certa nenhuma das nossas crenças baseadas na nossa evidência sensorial? Baseando-se nestas reflexões, pode o leitor duvidar que está a segurar este livro nas suas mãos?
Ele pensa que o argumento não pode provar tanto. As ilusões que foram consideradas parecem depender de condições sensoriais não óptimas. Quando a iluminação é boa e um objecto está mesmo diante de si, é difícil pensar que truques luminosos possam dar-lhe uma razão para duvidar do que está a ver. De qualquer modo, apenas compreendemos que existe ilusão apoiando-nos nos nossos sentidos. Apesar da minha experiência visual, sei que o remo não está na realidade torto ao apalpá-lo ou trazendo-o para fora da água, sujeitando-o a uma inspecção mais cuidada. Sabemos das ilusões sensoriais precisamente porque confiamos algumas vezes nos nossos sentidos. Portanto, o argumento da ilusão não pode lançar a dúvida sobre todas as sensações. Ele depende à partida da veracidade da percepção sensível.
Descartes chega a dizer que teria de ser um pouco doido para pensar que as mãos que via não eram as suas mãos segurando um papel, enquanto fazia estas meditações ao calor da lareira. O leitor pode até sorrir maliciosamente com Descartes olhando com a confiança restabelecida para as suas mãos, ao ler o livro em que ele assim fala. Porém, o sorriso desvanece-se rapidamente.
Quantas vezes, pergunta Descartes, sonhou ele que estava sentado à lareira, escrevendo ou lendo, vendo inocentemente o que ele julgava serem as suas mãos, quando de facto estava a dormir profundamente sem estar a olhar para nada? Os sonhos podem parecer, para aquele que está no momento a sonhar, tão real como a experiência de estar acordado. Pode o leitor estar certo que são as suas mãos que estão a segurar no livro ou estarão as suas mãos enfiadas por debaixo da sua almofada? Dizer a si mesmo que os sentidos são fiáveis quando as condições são boas não reassegura, uma vez que compreendemos que se pode estar a sonhar com essas boas condições. A situação fica bem pior se não se puder divisar uma maneira que distinga entre as experiências da vigília e do sonho. Sem isso, sem qualquer critério que possa ser usado para estabelecer a diferença entre os dois estados, podemos simplesmente ter sonhado que é verdadeira qualquer crença que tenhamos.
Antes de o leitor ir demasiado longe nos seus pensamentos na busca de provas conclusivas de que está acordado, vale a pena notar que o céptico tem resposta pronta para qualquer delas. Ele pode dizer que os sonhos seguem uma ordem, são claros, vívidos e assim por diante.
(…)
Descartes julga que o argumento do sonho prova muita coisa. No entanto, pensa que as imagens que experimentamos ao sonhar são como pinturas que podem ser formadas apenas com base em algo real. Quando, por exemplo, um pintor pinta um unicórnio, ele tem em mente algo real, nomeadamente, cavalos e cornos, e combina-os. Experiências oníricas têm de vir também de algo real. Porém, Descartes usa aqui das cautelas exigidas pelo método da dúvida. Talvez coisas gerais como mãos e lareiras não existam, mas pode ser que existam entidades mais simples e universais. Conclui que aspectos da natureza corpórea em si mesma – figura, quantidade, tamanho, número, lugar e tempo em geral – existem realmente, mas que crenças acerca de coisas particulares são agora suspeitas. Ele [com base no argumento do sonho] rejeita, portanto, as crenças a que se dedicam o estudo da Física, Astronomia e Medicina – numa palavra, quaisquer crenças que dependem de entidades compósitas. Só as crenças que não dependem da existência real de coisas particulares, como as da Matemática e Lógica, permanecem.
Descartes lança a dúvida sobre estas ao considerar a sua própria origem. Ou foi criado por um Deus todo-poderoso ou por um mecanismo menor, porventura uma série de acidentes ao acaso. Se foi Deus que o fez, é possível que tal ser o tenha construído de tal modo que mesmo as suas crenças sobre a Matemática e a Lógica sejam falsas. Podia ter sido construído a pensar que os triângulos tivessem quatro lados. Se deve a sua origem a algo menor, a uma série fortuita de acidentes, então é ainda mais provável que tenha defeitos de concepção. Seja como for, tem razão para duvidar da sua capacidade de formar crenças acerca de coisas simples e universais.
Ao concluir o seu argumento, ele escreve: ‘Nada tenho certamente a dizer em resposta a estes raciocínios, e sou constrangido a admitir que, de todas as opiniões que no passado aceitei como verdadeiras, não há nenhuma que não seja agora legitimamente posta em dúvida’. Para manter esta conclusão desconfortável em destaque, emprega um artifício psicológico, o chamado ‘Demónio Maligno’. Descartes diz que tem dificuldade em pensar que Deus o pode enganar. Portanto, imagina antes um demónio malicioso, tão poderoso e astucioso, como traiçoeiro, ocupado inteiramente em enganá-lo. Isto, em conjunção com os três argumentos acima, parece ter deixado Descartes com dúvidas acerca de todas as suas crenças.

O Cogito

Mas há uma crença, uma proposição resistente, da qual ele não pode absolutamente duvidar. Mesmo que ele seja enganado pelos seus sentidos, que esteja perdido num sonho, que a sua origem seja tal que ele seja um pensador imperfeito, até que um demónio vicioso esteja determinado a lançar sobre ele a confusão, permanece acima de qualquer dúvida que ele existe. Como Descartes diz: ‘ Penso, existo, é necessariamente verdadeiro, de cada vez que eu o expresso ou concebo na minha mente.’ Temos não só um dos mais famosos slogans filosóficos jamais escritos, mas também a primeira verdade, o fundamento sobre o qual Descartes reconstrói o seu sistema de conhecimento. A primeira verdade é por vezes designada ‘o Cogito’, abreviatura da expressão latina ‘Cogito, ergo sum’, ‘Penso, logo existo’.
O estatuto do Cogito tem ocupado os filósofos desde então. Numerosas questões se levantam quase instantaneamente. Trata-se da conclusão de um argumento? Não é claro como possa ser isso, visto que Descartes admitiu não ter crenças, quaisquer premissas com que construir um argumento. Além do mais, ele disse também não ter fé na sua capacidade de construir argumentos, não ter confiança na Lógica. Alguns vêem no Cogito não a conclusão de um argumento, mas uma espécie de descoberta epistémica: uma verdade indubitável na qual ele tropeça. Outros preocupam-se em saber se Descartes pode ter direito ao ‘Eu’ presente no Cogito. Não terá ele de direito apenas a qualquer coisa de menos, a dizer somente que o pensamento ocorre e não que quem o pensa é o próprio Descartes?

O círculo cartesiano

No entanto, Descartes tenta ir para a frente, olhando para novas verdades dentro da sua mente. Pensa um pouco acerca da natureza da dúvida e conclui que a dúvida é uma forma de imperfeição, em comparação com o conhecimento. A reflexão sobre a própria ideia de perfeição condu-lo a uma das várias provas da existência de Deus. Dada a natureza das suas várias dúvidas, Descartes sabe que não é um ser perfeito. Não obstante, tem a ideia de perfeição e essa ideia não lhe pode ter vindo de si mesmo ou de qualquer ser imperfeito. Pode apenas vir de um ser perfeito, nomeadamente, de Deus. Esta linha de pensamento conduz a uma versão do argumento ontológico de Anselmo. A ideia que Descartes tem de Deus é a de um ser com todas as perfeições. A existência é uma forma de perfeição; portanto, Deus tem de existir. Pensar em Deus como não existindo é como pensar num triângulo sem três lados. Assim como possuir três lados está no conceito de triangularidade, existência está no conceito de Deus. Se compreendemos bem a ideia de Deus, temos de aceitar que Deus existe.
O engano, nota Descartes, é uma forma de imperfeição e, por isso, conclui que Deus não pode ser enganador. Logo, podemos confiar nas nossas percepções claras e distintas; não somos sistematicamente enganados e a verdade tem de estar ao alcance das nossas capacidades. Reconstruir um sistema de crenças enraízado na percepção clara e distinta é a tarefa [seguinte].
Muitos notaram nesta linha de argumento um círculo demasiado fechado. Chegamos ao conhecimento de que Deus existe e não é enganador apenas porque aceitámos uma série de percepções claras e distintas. Sabemos que as nossas percepções claras e distintas são fiáveis porque Deus existe e não é enganador. Mas não depende a nossa fé nas percepções claras e distintas da prova de que Deus existe e não pressupõe essa prova a veracidade das nossas percepções claras e distintas?
O problema (…) é o de que o conhecimento parece ser uma coisa frágil. Descartes tem certamente sucesso na parte negativa do seu projecto, arrasando os fundamentos do conhecimento com os argumentos cépticos (…). No entanto, o seu esforço para erguer tudo a partir do nada constitui uma espécie de falhanço. Mas o seu objectivo principal, o de mostrar que uma compreensão científica do mundo é possível é algo que nós, modernos, tomamos como adquirido demasiado facilmente.

James Garvey, The Twenty Greatest Philosophy Books. London & New York: Continuum, 2006.
Trad. Carlos Marques.

3 comentários:

Anónimo disse...

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