quinta-feira, fevereiro 21, 2008

A memória

Robert Capa

"Para que uma coisa permaneça aplica-se um ferro em brasa.Só fica na memória o que não pára de doer." Eis um dos princípios da mais antiga psicologia (e também da mais duradoura infelizmente). Dir-se-ia mesmo que, neste mundo, onde quer que encontremos, na vida de um homem ou de um povo, alguma coisa de solene, de grave, de secreto, debaixo de sombrias cores, é porque aí continua a agir algo do terror com que noutros tempos em toda a parte se praticava o acto de prometer, de empenhar a palavra, de jurar. Cada vez que a nossa atitude se torna grave, é o passado que nos inspira e se agita dentro de nós, o passado mais longínquo, mais profundo e mais doloroso. Sempre que o homem entendeu que era preciso constituir a memória, nunca o conseguiu fazer sem sangue, sem martírio, sem sacrifício. Os votos ou sacrifícios mais aterradores (nomeadamente o sacrifício dos primogénitos), as mutilações mais repugnantes (por exemplo as castrações), os rituais mais cruéis que integram todos os cultos religiosos (e as religiões são todas elas, no seu fundamento mais radical, sistemas de crueldade), tudo isso tem origem nesse instinto que encontrou na dor o mais poderoso instrumento da mnemónica. Em certo sentido, todo o ascetismo radica aqui: escolhem-se duas ou três ideias para serem inculcadas de modo indissolúvel, omnipresente, inesquecível, como coisa fixa, tendo em vista provocar a total hipnotização do sistema nervoso e intelectual por intermédio de tais ideias fixas.
Friedrich Nietzsche, Para a genealogia da moral, Relógio D'Água, Lx, 2000

1 comentário:

Vinícius Cortez disse...

:OOOOOOOOOOOOOOOOO

Eu amo Nietzsche. Eu amo Nietzsche. Eu amo.

(: