sábado, maio 24, 2008
Consequências do determinismo
Razão e Filosofia
As ciências naturais e sociais, por exemplo, são áreas de investigação racional muitas vezes próximas das fronteiras da filosofia (especialmente nos estudos da consciência, na física teórica e na antropologia). Porém, as teorias que compõem estas ciências são geralmente determinadas por certos processos formais de experimentação e reflexão com os quais a filosofia tem pouca relação. O pensamento religioso também atrai por vezes a racionalidade e partilha frequentemente uma fronteira em disputa com a filosofia. Mas enquanto o pensamento religioso está intrinsecamente ligado ao divino, ao sagrado ou ao transcendente – porventura através de uma revelação, artigo de fé ou prática religiosa – a filosofia, por contraste, não está geralmente ligada a essas dimensões.
Sem dúvida que o trabalho de certas figuras proeminentes da tradição filosófica ocidental evidenciam claramente dimensões não racionais ou mesmo anti-racionais (por exemplo, Heraclito, Kierkegaard, Nietzsche, Heidegger e Derrida). Além disso, muitos desejam incluir o trabalho de pensadores asiáticos (confucionistas, taoístas, xintoístas), africanos, aborígenes e americanos nativos, sob a rubrica filosofia, mesmo se estes parecem fazer pouco uso de argumentação.
Contudo, mesmo o trabalho de pensadores que fogem ao padrão envolve, apesar das intenções destes, opiniões racionalmente justificadas e formas subtis de argumentação. Em muitos casos, o raciocínio permanence em cena, pelo menos como uma força a ter em conta.
A filosofia, portanto, não é a única área para a qual a racionalidade é importante e nem tudo o que tem o nome filosofia é argumentativo. Mas é certamente seguro dizer que não se pode dominar minimamente o corpo do pensamento filosófico sem aprender a usar as ferramentas da razão.
Que significa 'cultura'?
Esta ideia desenvolve-se em duas direcções. Os românticos alemães (Schelling, Fichte, Hegel, Holderlin) concebem a cultura no sentido de Herder, como a essência que define uma nação, uma força espiritual comum que se manifesta em todos os costumes, crenças e práticas de um povo. A cultura, sustentam, molda a língua, a arte, a religião e a história e deixa a sua marca no mais pequeno dos eventos. Nenhum membro da sociedade, por pouca formação que tenha está dela arredado, pois cultura e pertença social são a mesma ideia.
Outros, mais clássicos do que românticos, interpretam a palavra no seu significado latino. Para Wilhelm von Humboldt, pai fundador da universidade moderna, cultura não significa desenvolvimento espontâneo, mas a instrução. Nem todos a possuem, visto que nem todos possuem o tempo livre, a inclinação ou a capacidade necessárias para aprender. Além disso, entre pessoas cultas, algumas são mais cultas do que outras. O propósito da universidade é preservar e expandir a herança cultural e transmiti-la à geração seguinte.
As duas ideias ainda se encontram entre nós. Os primeiros antropólogos adoptaram a concepção de Herder e escreveram sobre a cultura enquanto práticas e crenças que formam a identidade própria de uma tribo. Qualquer membro da tribo possui a cultura, visto que é isso que a pertença requer. Mathew Arnold e os críticos literários que ele influenciou (incluindo Eliot, Leavis e Pound) seguiram Humboldt, entendendo a cultura como uma propriedade de uma elite, uma postura que envolve intelecto e estudo.
Roger Scruton, Modern Culture, London, New York, 1998.
Trad. Carlos Marques.
sexta-feira, maio 23, 2008
Arte como fuga
Freud, A minha vida e a psicologia
Tradução de Alberto Antunes
Apenas num único campo da nossa civilização foi mantida a omnipotência de pensamentos e esse campo é o da arte. Acontece que na arte um homem consumido por desejos efectua algo que se assemelha à realização desses desejos e fá-lo com um sentido lúdico que produz efeitos emocionais – graças à ilusão artística – como se fosse algo real. As pessoas falam com justiça da ‘magia da arte’ e comparam os artistas com mágicos. Mas a comparação talvez seja mais significativa do que pretende ser. Não pode haver dúvida de que a arte não começou como arte por amor à arte. Ela funcionou originalmente ao serviço de impulsos que estão hoje, em sua maior parte, extintos. E entre eles, podemos suspeitar da presença de muitos instintos mágicos.
Freud, Totem e tabu, pag 100
segunda-feira, maio 12, 2008
4 RAZÕES PARA ESCREVER
1. Puro egoísmo: o desejo de parecer inteligente, de que falem de si, de ser recordado depois de morrer, de se vingar daqueles que fizeram pouco de si na infância, etc., etc. É escusado fingir-se que isto não é um motivo e um motivo forte. Os escritores partilham estas características com os cientistas, artistas, políticos, juristas, soldados, homens de negócios com sucesso – em suma, com o toda a nata da humanidade. A grande massa dos seres humanos não é intensamente egoísta. Por volta dos trinta anos abandonam a ambição individual – na verdade, em muitos casos abandonam por completo mesmo o sentido de serem indivíduos, vivendo principalmente para os outros ou sendo simplesmente sufocados pelo trabalho. Mas há uma minoria de pessoas talentosas e voluntariosas que estão determinadas a viver a sua vida até ao fim, pertencendo os escritores a essa categoria. Diga-se que os escritores sérios são, tudo somado, mais vaidosos e centrados em si mesmos que os jornalistas, embora menos interessados em dinheiro.
2. Entusiasmo estético: a percepção da beleza no mundo exterior ou, em alternativa, nas palavras e na sua melhor combinação; o prazer do impacte de um som sobre outro, da firmeza da boa prosa ou do ritmo de uma boa história; o desejo de partilhar uma experiência que julgamos valiosa e que não se deve perder. O motivo estético é muito ténue em muitos escritores, mas até um escritor de panfletos ou de textos escolares tem mais ligação a certas palavras e há frases que o atraem por razões não utilitárias; pode até ser sensível a aspectos tipográficos, como a largura das margens, etc. Nenhum livro acima do nível do guia dos comboios é verdadeiramente indiferente a considerações estéticas.
3. Impulso histórico: o desejo de ver as coisas como elas são e de encontrar factos verdadeiros, armazenando-os para o uso da posteridade.
4. Propósito político: usando a palavra ‘político’ no sentido mais lato possível: o desejo de conduzir o mundo para uma certa direcção, de alterar a ideia das outras pessoas a respeito do tipo de sociedade pela qual se devem esforçar. Uma vez mais, nenhum livro é genuinamente livre de uma linha política. A opinião de que a arte nada tem a ver com a política revela, ela própria, uma atitude política.
quinta-feira, maio 08, 2008
A utilidade de um padrão de gosto.
David Hume, Do Padrão do Gosto (1757)