(...) As disciplinas tornaram-se no decorrer do sec.XVII e do sec. XVIII as fórmulas gerais da dominação. Diferentes da escravatura pois não se fundam sobre uma relação de apropriação do corpo; é próprio da elegância das disciplinas dispensarem estas relações custosas e violentas obtendo efeitos de utilidade igualmente importantes. Diferentes também da domesticidade, que é uma relação de dominação constante, global, massiva, não analítica, ilimitada e estabelecida sob a forma da vontade singular do mestre, do seu capricho. Diferentes da vassalagem que é uma relação de submissão altamente codificada, mas longínqua e que tem menos efeitos sobre as operações do corpo que sobre os produtos do trabalho e as marcas do rituais de pertença. Diferentes ainda do ascetismo e das "disciplinas" de tipo monástico, que têm como função assegurar renúncias mais que melhorias na utilidade e que, se implicam a obediência a outro, têm como fim principal aumentar o domínio de cada um sobre o seu corpo.
O momento histórico das disciplinas, é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que não visa apenas o conhecimento das suas habilidades, nem tão pouco o aligeiramento da sua sujeição, mas a formação de uma relação que dentro do mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto mais útil, e vice-versa. Forma-se então uma política de coerções que são trabalho sobre o corpo, manipulação calculada dos seus elementos, dos seus gestos dos seus comportamentos. O corpo humano entra dentro de uma maquinaria de poder que o esventra, desarticula e recompõe.
Uma "anatomia política", que é também uma "mecânica de poder", está em vias de nascer.
Michel Foucault, Surveiller et Punir, Gallimard, 1975, pag.162
Tradução de Helena Serrão
N. Harou-Romain, Tortura da Inquisição, 1700,Hospital, 1697
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