quarta-feira, setembro 03, 2008

A maioridade

Josef Koudelka, Invasão de Praga pelas tropas soviéticas, Agosto de 1968

O Iluminismo é a saída do homem da menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude! tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo.

A preguiça e a covardia são as causas, por que os homens em tão grande parte, após a natureza há muito os ter libertado do controlo alheio (naturaliter maiorennes) , continuem, no entanto, de boa vontade menores durante toda a vida; e também porque a outros se torna tão fácil assumirem-se como seus tutores. É tão cómodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um director espiritual que tem por mim consciência moral, um médico que por mim decide da dieta, etc., não preciso eu póprio de me esforçar. Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida. Porque a imensa maioria dos homens (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e também muito perigosa , por isso é que os tutores de boa vontade tomaram a seu cargo a sua superitendência. Depois de, primeiro terem embrutecido os seus animais domésticos e evitado cuidadosamente que estas criaturas pacíficas ousassem dar um passo para fora da carroça em que as encerraram, mostrando-lhes em seguida o perigo que as ameaça, se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo não é assim tão grande, pois aprenderiam por fim a andar muito bem. Só que um tal exemplo intimida e, em geral, gera pavor perante todas as tentativas ulteriores.

Immanuel Kant, Resposta à pergunta: O que é o Iluminismo?, in A paz perpétua e outros Opúsculos, (Edições 70, Lx,1988, pag. 11). Tradução de Artur Morão.



Comentário:
A tradução não respeita a semântica da língua portuguesa, há frases mastigadas, outras que são sintacticamente incorrectas.
A posição machista de Kant prevalece. As mulheres são belas mas são todas dependentes, enquanto alguns homens, uma minoria, já atingiu o estado de maioridade ou independência intelectual.
Bom, terá a natureza equilibrado as qualidades dando às mulheres beleza e aos homens maior consistência intelectual? Ou será que Kant não quis ofender as mulheres chamando-lhes apenas "incapazes" e eufemisticamente preferiu "belas, mas incapazes"?
A história desmentiu esse juízo, parece-me que a maioria dos homens está hoje na menoridade e a maioria das mulheres também.
Helena Serrão

7 comentários:

Orlando Braga disse...

A julgar por este excerto, o Iluminismo ainda não chegou ao povo da Europa.

Helena Serrão disse...

não, ainda estamos em estado de menoridade, o maior número de pessoas com um grau de instrução elevado não significa que haja maioridade, basta oscultar a opinião pública e os "opinion makers" pata perceber que poucos remam contra a corrente.

Anónimo disse...

Olá. Em 1º lugar gostaria de vos dizer que foi com alegria que recebi no meu blog dois professores de filosofia, que ainda por cima gostaram dos meus textos. Estava firmemente convencido que as únicas pessoas que liam o meu blog eram familiares ou amigos. Muito obrigado pelas palavras de incentivo.
Em 2º lugar gostaria de dar os parabéns pelo excelente blog que mantêm, o Logosfera, do qual serei visitante, de modo a manter contacto com uma disciplina que deixei de ter este ano (Filosofia fora do 12º porquê?).
Obrigado

Carlos Pires disse...

Duvido que Kant fosse machista se vivesse hoje. Do mesmo modo não acredito que Sócrates, vivendo hoje, achasse a escravatura algo natural e moralmente correcto.
O que dirão de alguns dos nossos costumes os vindouros?

Anónimo disse...

O Homem caminha com o passar dos tempos, para o tempo do facilitismo e da ideia que haverá sempre alguém a fazer isto por ele, atentemos neste exemplo, os nossos ancestrais tinham de primeiro caçar, depois cortejar, depois cozinhar e só por fim alimentar-se! Nao quero com isto dizer que defendo o regresso à idade da Pedra...mas vejamos na actualidade, em vez de apenas ter de ir ao talho e depois cozinhar, é mais fácil e cómodo, ligar para o "Indiano" e em meia hora temos a refeição ao nosso alcance...só deste exmplo se vê como é mais fácil optar pelo caminho mais fácil, isto é, em vez de atingirmos a maioridade, preferimos a menoridade, pois é mais fácil ter alguém que escolhe por nós, em vez sequer de nos dar mos ao trabalho de pensar um pouco...No texto, temos o exemplo de um animal doméstico, pois é o Homem que decide a que horas dá o "almoço" ao seu cão, mas o que eu vejo...é que nao alcançando o Iluminismo, os Homens estão se a tornar animais domésticos uns dos outros, deixando a um grupo de pessoas (os ILUMINADOS) a hipótese de decidir por todos...depois o que pode acontecer, é que esses que "atingiram" a maioridade escolham de acordo com os seus apetites e não com os do "NÃO-ILUMINADOS", aí e como todos sabem protestar, surge o desagrado e a manifestação face a algo que fomos nós proprios que "escolhemos"

Cumprimentos

Alexandre Poço

Helena Serrão disse...

joão tgm:É com todo o agrado que recebemos o seu comentário e lemos o seu blogue. O interesse pela filosofia, o espaço de diálogo aberto que ela propícia não são meras letras mortas na retórica da comunicação mas uma forma viva de nos mantermos a pensar e também a discordar. Se fizéssemos as leis não retiraríamos a Filosofia no 12º Ano mas as leis correspondem aos interesses da maioria, ou pelo menos de uma maioria dominante e parece não haver um interesse dominante em manter-nos a pensar. Será? Tudo o parece indicar. Obrigada.

carlos pires: Também não nos parece dado que Kant é um pensador "a priori" e não há qualquer razão "a priori" para considerar as mulheres inferiores ou superiores aos homens. Como pensariam hoje estes guias do pensamento? Teríamos tendência a considerá-los contra qualquer forma de discriminação porque isso nos parece óbvio do ponto de vista racional mas até que ponto o que nos parece óvio racionalmente hoje é racionalmente óbvio quando pensamos sobre relações sociais?
Obrigada pelo comentário.

Alexandre Poço: O homem domesticável parece-me uma boa metáfora da menoridade. Apesar de hoje alcançarmos muitos mais que no sec.XVIII e XIX a literacia isso nã significa que estejamos maioritariamente no estado de maioridade. Esta instrumentalização do homem que é feita com o acordo do próprio não desapareceu, pelo contrário, apesar de ser menos evidente, encontrou outras formas de se manifestar, uma das quais como bem apontou um certo comodismo e uma certa indiferença que resultam da ilusão de que pensar por si próprio é pura perda de tempo pois não nos é imediatamente útil. Obrigada pelo comentário. Quanto à idade da pedra só os Filinstones! ehehe

MassaMansa disse...

A Immanuel Kant faltou-lhe a experiência de vida, limitada esta a Konigsberg, na Prussia Oriental, nunca se tendo ausentado mais do que 100 quilómetros da cidade, onde nasceu e morreu. O que é que se pode esperar da "Ética" deste onanista primário?