sexta-feira, novembro 28, 2008

DIFICULDADES COM A FALÁCIA DO ARGUMENTUM AD HOMiNEM

Uma das falácias mais difíceis de expor e também uma das mais comuns chama-se 'argumentum ad hominem'. Esta designação refere-se a um argumento que é dirigido CONTRA A PESSOA E NÃO CONTRA O QUE A PESSOA DIZ, A FIM DE SE MOSTRAR QUE AQUILO A PESSOA DIZ NÃO PODE SER VERDADEIRO . A política dá-nos muitos exemplos de argumenta ad hominem. Suponhamos que um deputado de um partido de esquerda argumenta: 'É extremamente importante rejeitar a construção de centrais nucleares, pois os efeitos destas são nefastos para o ambiente no longo prazo.' Um deputado de direita poderia responder: 'Oh claro! Não podemos acreditar no que ele diz, pois ele é um homem de esquerda e sabemos que a esquerda está sempre a deitar abaixo o nuclear.' O deputado de direita está a dirigir o seu argumento contra o homem. Tentou refutar o que o deputado de esquerda disse referindo que este é partidário de uma ideologia oposta. Porém, esta refutação é baseada numa falácia, visto que a forma apropriada de refutar um tal argumento consistiria em reunir factos que mostrassem que o que ele disse é falso - nomeadamente, que a construção de centrais não é assim tão nefasta para o ambiente.

O que faz com que o argumentum ad hominem seja tão persuasivo, e tão difícil de refutar, pode mostrar-se com o seguinte exemplo. Suponhamos que uma testemunha num tribunal está a depor e diz que viu o réu cometer um crime. Suponhamos, além disso, que ao interrogar a testemunha o advogado de defesa prova que esta já depôs em outros julgamentos e que em alguns casos o seu testemunho se veio a revelar falso (assumamos, para ajudar ao exemplo, que a testemunha chegou a ser condenada por perjúrio). A nossa tentação, enquanto juízes, seria a de não ter em conta o que a testemunha diz neste julgamento, pelo facto de esta não ser uma fonte de informação fiável. Contudo, não tê-lo em conta é incorrer na falácia do argumentum ad hominem. O que a testemunha diz nesta ocasião pode ser verdadeiro. Se possível, o seu testemunho devia ser testado confrontando-o com outra evidência disponível ou que pudesse vir a estar disponível durante o julgamento. Aquilo que é importante é reconhecer que devemos considerar o que é dito independentemente de quem o diz. NÃO PODEMOS MOSTRAR QUE UMA DECLARAÇÃO É FALSA APENAS PORQUE SE PODE MOSTRAR QUE O INDIVÍDUO QUE A PROFERE TEM FALTA DE CARÁCTER

Richard Popkin and Avrum Stroll, Philosophy Made Simple (New York, 1993, pp. 262-263). Tradução Carlos Marques.

11 comentários:

Anónimo disse...

O mais interessante da falácia ad hominem é que geralmente as pessoas que a usam e as que a aceitam estão a compartilhar sempre os mesmos preconceitos. Digo isto, pois estou a lembrar de quando tentei argumentar com um amigo que seria ético de nossa parte tornarmo-nos vegetarianos, e ele virou para sua namorada e disse o seguinte: "bem que te falei, esses filósofos nunca falam coisa com coisa. Só faltava defender isso agora!"
O resultado foi: os filósofos só defendem desparates, logo, não devemos nos convencer do que ele diz!!!!!!

Anónimo disse...

'É extremamente importante rejeitar a construção de centrais nucleares, pois os efeitos destas são nefastos para o ambiente no longo prazo.'

O argumento do deputado da direita está correcto, porque o que o deputado da esquerda diz é zero em conteúdo porque não explica nada. Só diz que é mau! Logo, qualquer discussão só pode estar direccionada para quem a faz!

Helena Serrão disse...

Eis um bom exemplo da falácia do argumento ad hominem. Ataca-se 'os filósofos' em vez de discutir o que eles dizem. Neste caso, em vez de discutir a tese defendida por alguns filósofos de que o vegetarianismo é um imperativo moral, acusa-se os filósofos de só dizerem disparates.
Temos também aqui presente uma outra falácia, a da generalização precipitada. Não se pode generalizar com base num número diminuto de casos observados. Quantos filósofos conhece o amigo do caro Helvécio para poder fazer um juízo universal acerca dos filósofos que só dizem disparates? Mesmo que conhecesse alguns (bastante improvável) não conheceria casos suficientes para se atrever a um juízo tão ousado.
Carlos Marques

Anónimo disse...

Uma duvida: sei que não se enquadra no texto, mas o argumento:

" Obama é o novo presidente dos EUA. Obama tem um programa inovador, que diz apoiar os acordos de quioto. Sou ecologista, logo voto em obama. "

Este argumento é de que tipo? indutivo, de causa..??

Helena Serrão disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Helena Serrão disse...

aro anónimo (seria mais simpático se tivesse um nome...).
O argumento sobre o qual tem dúvidas quanto ao modo como o classificar seria, tal como formulado, inválido, pois a conclusão NÃO se segue das premissas. Porém, tal como se apresenta, parece pretender ser dedutivo. De facto, se o transformássemos um pouco de modo a torná-lo válido:

Obama foi eleito presidente dos EUA.
Obama diz apoiar os acordos de Quioto.
Todos os ecologistas apoiam aqueles que dizem concordar com os acordos de Quioto.
Eu ou ecologista.
Logo, apoio Obama.

estaríamos na presença de um argumento dedutivo, visto que se as premissas fossem verdadeiras seria impossível que a conclusão fosse falsa.
CarlosMarques

Anónimo disse...

Acho o exemplo do tribunal mal-esgalhado. O conhecimento sobre o comportamento anterior da testemunha é importante porque é necessário para estabelecer um nível de confiança na mesma. É claro que pode haver articulação/confronto/confirmação com outras provas mas estas também podem ser inexistentes. Pegando nisso, imagine-se que para a decisão o único factor seria o dito testemunho, conhecimento prévio sobre a pessoa é importante. Para ilustração do que se fala penso que outros exemplos teriam resultado numa melhor ilustração...

Helena Serrão disse...

Cara Kyriu
O exemplo é bem escolhido exactamente porque, ao mesmo tempo que evidencia que não somos insensíveis ao carácter da pessoa, mostra também que não podemos MOSTRAR QUE UMA DECLARAÇÃO É FALSA APENAS PORQUE SE PODE MOSTRAR QUE O INDIVÍDUO QUE A PROFERE TEM FALTA DE CARÁCTER.
Carlos Marques

Anónimo disse...

Percebo perfeitamente e continuo a não concordar. Porque o que se mostra no tribunal não é que o indivíduo _mente_ (absoluto) mas que sim pode estar a mentir (relativo) (porque já o fez antes)!

Daí não achar que é o melhor exemplo para demonstrar a coisa. Ou melhor, ao dar este exemplo parece estar a dizer que não é inteligente olhar aos antecedentes das testemunhas para decidir sobre a sua integridade. O que me parece disparatado porque temos de começar de algum lado não? A história do Pedro e do Lobo é muita gira com conhecimento a posteriori mas alguém pode culpar os aldeões? Não me parece... afinal só somos humanos e assim agimos (e aqui o resultado de ter a certeza que o Pedro está a mentir mais uma vez ou que provavelmente está a mentir mais uma vez é o mesmo e o Lobo é que se regala).

Helena Serrão disse...

Cara Kyriu
O texto, para usar as suas palavras, também sugere que "é inteligente olhar aos antecedentes das testemunhas para decidir sobre a sua integridade." e que, por isso, um argumento ad hominem pode oferecer boas razões. Porém, alerta para o facto de, mesmo nesses casos, não podermos deixar de dar atenção ao que a pessoa tem a dizer. Mesmo alguém sem carácter pode dizer a verdade e essa verdade estará ao nosso alcance se for apoiada em boas razões E SE NÓS ESTIVERMOS ATENTOS A ELAS.
A moral do texto é a seguinte:
a) nunca devemos deixar de ouvir o que as pessoas têm para dizer e se, no que dizem, há boas razões (se issso for possível), mesmo quando a pessoa do interlocutor está manchada por falta de carácter;
b) (e isto parece ser o que a Kyrium quer dizer) tb. não podemos dizer que os argumentos ad hominem são em todas as circunstâncias irracionais.
Somos "culpados" se não olharmos a estas duas exigências.
Obrigado pelos seus comentários.
Carlos Marques

Anónimo disse...

concordo completamente com a e b :)