terça-feira, dezembro 02, 2008

A Sociedade do Espectáculo

Guy Debord, Paris, 1931 -1994
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A sociedade que repousa sobre a moderna indústria não é fortuitamente espectacular ou superficialmente espectacular, ela é fundamentalmente "espectalista". No espectáculo, imagem da economia reinante, a finalidade não é nada, o desenvolvimento tudo. O espectáculo não quer vir a ser outra coisa senão ele mesmo.

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Enquanto adereço indispensável dos objectos produzidos, enquanto exposição geral da racionalidade do sistema, enquanto sector económico que forma directamente uma multidão de imagens/objectos, o espectáculo é a principal produção da sociedade.

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O espectáculo submete os homens vivos na medida em que a economia já os submeteu totalmente. Não há mais nada senão economia desenvolvendo-se a si mesma. O espectáculo é o reflexo fiel da produção das coisas, e a objectivação infiel dos produtores.

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A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social acarretou na definição de toda a realização humana uma degradação evidente, degradação do ser no haver. A presente fase da ocupação total da vida social através dos resultados acumulados da economia, conduz a um deslizamento generalizado do haver no parecer, do qual todo o haver efectivo dele tira o seu prestígio imediato e a sua última função. Ao mesmo tempo, toda a realização individual tornou-se social, directamente dependente da força social, formada por ela. Aqui, quando nada é, permitem-lhe aparecer.


Guy Debord, La société du Spectacle (Gallimard, Paris 1992). Publicado pela primeira vez em 1967.
Tradução de Helena Serrão.

Retirando o tom apologético e datado na forma como simplifica as relações sociais e económicas de modo a obter um produto discursivo inflamante , a leitura de Debord não deixa de fazer todo o sentido e obrigar-nos a pensar de novo este produto imagem/espectáculo onde as verdadeiras motivações do sistema são apagadas ou elididas. Um sistema que se mostra e autopromove a todo o momento numa espécie de máquina histórica que submete as relações individuais e sociais, mesmo aquelas que supostamente se queriam marginais, a um efeito promocional; de facto à luz desta leitura nenhum discurso parece poder escapar a este efeito de globalização.

4 comentários:

Rolando Almeida disse...

Não foi, porventura, um bom filósofo ou sequer um filósofo, mas é sem dúvida uma figura admirável e ele devemos uma das primeiras e ainda mais relevantes teorizações do que é o espectáculo.
abraços

Helena Serrão disse...

Rolando Almeida, sim, é verdade que não tem o crédito de uma obra firmada, esteve envolvido no frenesim do Maio de 68 e essa indulgência que hoje temos perante os excessos cometidos nessa época retiram-lhe credibilidade sobretudo pelo tom panfletário do seu discurso, mas também é verdade que esta visão é rica porque com ela compreendemos melhor a nossa sociedade . A economia e o espectáculo parecem ser as duas faces de uma mesma moeda, sustentam-se mutuamente num jogo onde nós os consumidores somos também, espectadores.
Helena Serrão

Alexandre Poço disse...

O tom panfletário muitas vezes é o que muitas vezes perdura numa personalidade que deixou um bom contributo para a Sociedade, vejamos o caso de Marx, certas partes da sua teoria até têm razão de ser, mas em vez de se olhar directamente para a obra, é preferível, achar-se defeitos no autor, assim sendo, Marx é normalmente apelidado de "comuna", "revolucionário", "quer tudo para o estado", entre outros mimos. Sendo que muitas vezes, quem profere tais comentários nem percebe o fundamento de se lhe chamarem tais adejectivos...apenas, porque uma vez, ouviu dizer que Marx era isto ou aquilo, então irá para sempre apelidar-lhe do que ouviu por terceiros.
Finalizando, é obvio que quando alguém tem determinadas crenças, e é "obrigado" a divulgar a sua opinião, dificilmente afastará o seu discurso das emoções normais num ser humano.

Cumprimentos do Réprobo

Helena Serrão disse...

AP: Há autores que estão conotados com determinados períodos revolucionários e cujas obras tiveram uma forte divulgação nesses períodos. Foram usados para ilustrar determinados procedimentos ou para fundamentar "cientificamente" determinadas formas de luta política e ideológica. O facto de terem sido usados um pouco "ad hoc" conotou-os com uma imagem simplista e afastou muitos da leitura séria das suas obras. Consideram-nos ideólogos de um espírito esquerdista responsável por abusos e visões distorcidas da realidade, talvez mereçam uma leitura mais atenta.