quinta-feira, março 05, 2009

PROBLEMAS DE FILOSOFIA DA CIÊNCIA: 
O PROBLEMA DA DEMARCAÇÃO

Diariamente, em jornais de todo o mundo, astrólogos dizem às pessoas o que o destino Ihes reservou. Sob cada um dos signos do zodíaco, que dependem das datas de nascimento, há uma pequena mensagem dizendo, por exemplo, que os nascidos em Touro devem tomar muito cuidado com suas finanças ou que os de Balança devem esperar progresso nos assuntos do coração. As várias críticas feitas a esses horóscopos dizem que eles são imprecisos on inexactos ou que estimulam o fatalismo. Todas essas críticas sobre as predições astrológicas poderiam ter sido feitas a qualquer momento nos últimos 2.500 anos, ou seja, em qualquer momento a partir de Sócrates. Há, no entanto, um tipo de crítica relativamente moderna que surge com mais frequência nos dias actuais. Ela afirma que a astrologia não é científica.

Dizer que esta crítica é relativamente moderna é importante. Até ao século XVII, a maioria dos intelectuais no Ocidente achava que a astrologia tinha algo a oferecer, e mesmo aqueles que não acreditavam nela não a teriam criticado dessa forma. É claro, há uma razão bastante simples para isso. A ciência, no sentido moderno, só se desenvolveu a partir do século XVII. Por isso, na filosofia da ciência - ao contrário do que ocorre com a psicologia filosófica, na epistemologia e na filosofia da linguagem - a maior parte dos problemas têm menos de três séculos de idade.

Embora dizer que uma teoria é não científica seja uma coisa relativamente comum nos últimos trezentos anos, não se sabe bem qual é a importância de uma criítica como essa. Se, afinal, as predições de um astrólogo específico acertam com bastante frequência, é provável que as pessoas que lêem o horóscopo não se importem muito se elas são ou não científicas, já que o que essas pessoas querem das predições astrológicas é que sejam verdadeiras e não que sejam científicas. O meu amigo Peter, que acredita que a astrologia funciona, preocupa-se mais com a imprecisão e exactidão das predições; e Mary, que também acredita nelas, preocupa-se se deveria ou não fazer uso delas, porque é cristã.

Mas as pessoas que criticam a astrologia por não ser científica não estão a dizer com isso que não crêem em horóscopos, nem tão pouco que é moralmente errado depender deles. Com efeito, uma pessoa pode dizer que a astrologia é pouco científica e ainda assim acreditar que um astrólogo específico fez predições fiáveis sobre os preços das acções. 0 que querem dizer, então, quando afirmam que uma teoria não é científica?

Essa questão é um dos problemas principais da filosofia da ciência (…). Na verdade, o problema despertou tanta atenção que lhe deram um nome. Karl Popper, um dos filósofos que mais influenciaram a ciência no nosso século, chamou-lhe "problema da demarcação". 0 que distingue a ciência da não-ciência? Como podemos demarcar a fronteira entre elas?

Kwame Anthony Appiah, Introdução à filosofia contemporânea (Petrópolis, 2006, pp. 122-3). Adaptado.

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