segunda-feira, janeiro 04, 2010

Trompe - l'oeil


Natureza morta com jarro de azeitonas, Jean-Baptiste-Siméon Chardin, Paris, 1699/1799
Que, para o artista, o talento máximo seja imitar a realidade até se confundir com ela é, no entanto, um lugar comum do juízo estético que, mesmo entre nós até à época recente, prevaleceu durante muito tempo. Para glorificarem os seus pintores, os gregos reuniam pequenas histórias: uvas pintadas que os pássaros vinham debicar, imagens de cavalos que os seus congéneres pensavam estar vivos, cortina pintada que um rival pedia ao autor que levantasse para poder contemplar o quadro dissimulado por detrás. A lenda atribui a Giotto e a Rembrant este mesmo tipo de proeza. Sobre os seus pintores famosos, a China e o Japão contam histórias muito semelhantes: cavalos pintados que, à noite, deixam o quadro para irem pastar, dragão partindo a voar pelos ares quando o artista acrescenta o último pormenor que faltava.


Quando os índios das pradarias da América do Norte viram, pela primeira vez, um pintor branco a trabalhar, ficaram confusos. Catlin tinha retratado um deles de perfil; um outro índio que não simpatizava com o modelo, gritou que o quadro provava que aquele era apenas uma metade de homem. Seguiu-se uma desordem mortal.


É a imitação do real que Diderot começa por admirar em Chardin: " Este vaso é de porcelana, estas azeitonas ficam de facto separadas do olhar pela água em que nadam (...) estes biscoitos é só agarrá-los e comê-los."


(...)


A sabedoria das nações atesta que Pascal levanta um verdadeiro problema ao exclamar: "Que vaidade a da pintura, que suscita a admiração pela semelhança com coisas cujos originais não são admirados." O romantismo para quem a Arte não imita a Natureza mas exprime o que o artista põe de si próprio nos quadros, não escapa ao problema; o mesmo acontecendo à crítica comtemporânea que faz do quadro um sistema de signos. Pois o "trompe - l'oeil" exerceu, e continua a exercer, o seu império sobre a pintura. Refaz o visível quando pensamos que ela se libertou definitivamente dele.


Claude Lévi - Strauss, Olhar Ouvir Ler, Asa, Lx,1995, p.p.26,27

2 comentários:

Anónimo disse...

A arte tem nome,cor,forma, técnica e acima de tudo estética. Mas é intemporal. Os artistas de hoje em dia, impulsionados não pelo valor artístico, mas sim pelo social e econônico se esqueceram do que é realmente arte... A faceta econômica abafa os artistas de raiz, naturais em sí, muitos destes sem diploma ou diplomacia. Essa arte pura ainda existe, a vejo em muitos lados,nos cantos escuros de suas próprias telas..
"Claudinei"

Helena Serrão disse...

Caro anónimo: obrigada pelo seu comentário, as minhas desculpas pela resposta tardia. Concordo que a Arte hoje não pode ser apenas considerada do ponto de vista estético, embora esse ponto de vista seja actual, considerar a Arte como tal, sem qualquer utilidade. A Arte sempre foi veículo utilitário, como uma mesa ou cadeira, hoje adquiriu um estatuto diferente, autonomizou-se, daí ficarmos decepcionados com o valor mercantil, mas o objecto artístico continuará a ter valor mercantil, os artistas não são imunes a ele porque muitos deles são profissionais da Arte. Os que não são movidos por valores de mercado em geral não conseguem dar visibilidade à obra, como menciona, ficará encostada à parede, no escuro de uma saleta até que alguém com poder e dinheiro a considere um bom investimento e a promova.
Helena Serrão