sábado, novembro 20, 2010

Exame de Filosofia no Secundário

No Público de ontem, sexta-feira, dia 19 de Novembro a notícia: "O Exame de Filosofia vai ser reposto no Secundário" . o aumento da procura dos cursos de Filosofia  em 2009 e 2010 justifica esta medida. Congratulamo-nos por isso e não podemos deixar de pensar em todos os professores de Filosofia que contribuíram para  esta renovada atenção no estudo e importância da Filosofia. A notícia acrescenta que, segundo relatório da ONU, a Filosofia "enquanto possibilidade de partilha de questões universais sobre a existência humana" pode "ajudar a construir pontes entre povos "e "abrir canais de comunicação entre culturas". Nada mais justo e adequado. Em França parece que estas palvras tiveram eco, a Filosofia vai passar a integrar os currículos  do Ensino Secundário, talvez por causa dos  conflitos culturais que enfrenta, ou por querer retirar as consequências práticas desta opinião das Nações Unidas. Há longos anos (não poderei precisar quantos) que a Filosofia não fazia parte dos curriculos do Secundário em França. Notícias animadoras para comemorar o dia Mundial da Filosofia, ontem, 18 de Novembro.  Será o primeiro passo para integrar a disciplina no 12ºAno dos Cursos de Humanidades? Talvez tenha chegado a altura de perceber que foi um erro retirar a Filosofia como disciplina específica obrigatória no 12ºAno. Esperemos que se reponha a justiça.

Helena Serrão

sábado, novembro 13, 2010

A discussão sobre a existência de Deus

" Não seria possível que eu tivesse em mim a ideia de Deus se Deus não existisse realmente."


René Descartes, Meditações



Esta frase está escrita no livro de Stephen Law, FILOSOFIA. Curioso que os livros remetam uns para os outros. Não fui conferir a citação de Descartes, até porque não refere a página, o que é uma imprecisão para um livro como este de iniciação aos problemas e história da Filosofia, mas sem dúvida que a elegância da frase e, sobretudo, o seu claro desafio, não deixam ninguém indiferente. A ideia é cartesiana, sem dúvida, é consistente com outras ideias cartesianas, mas hoje esta frase, afirmada como verdade evidente, não faria qualquer sentido e, no entando, o seu poder provocador é actual. Contrariamente ao que pensava Descartes, hoje a subjectividade não é um reduto de unanimidade, pelo contrário,  pensar algo, de modo nenhum pressupõe que esse algo exista, nem que exista do mesmo modo em todas as mentes, nem que exista fora da mente. Todavia é também possível de equacionar a questão de existir como algo que pela simples possibilidade de ser pensado com clareza, existe. Mas que ideia clara existe no nosso pensamento sobre Deus? Omnisciente, omnipotente, perfeito, eterno? A discussão sobre a existência de Deus continua a entusiasmar os adolescentes, mais que a droga, o terrorismo ou a tolerância racial. Porquê? Talvez porque ainda seja a imagem da última autoridade que não foi destruída por razões históricas, a que por não ser histórica permanece incorruptível.

O livro está muito bem organizado e apresentado, vamos colhendo informação sem grande esforço, não deixando de ser interpelados pela forma como os problemas aparecem.Podemos ficar a conhecer a história da Filosofia de uma forma lúdica como se estivessemos a ler um folheto informativo.

Helena Serrão

sábado, novembro 06, 2010

Discussão sobre a necessidade da existência de Deus.

Caravaggio, A Ceia em Emaús, 1601

Por vezes a literatura encontra a sua fonte de inspiração na Filosofia e nos grandes debates metafísicos. Coloca essas discussões no centro da relação entre as pessoas e o conflito que é gerado pela discussão tem consequências no modo como cada um vai viver a sua vida, como se as ideias  uma vez adoptadas se tornassem doravante verdadeiros pilares de entendimento do mundo e medelassem os comportamentos. 

 " Em primeiro lugar, na natureza nada se move, a não ser que seja movido por qualquer outra coisa - foram as palavras com que Beneditx abriu a discussão. (...) - Em segundo lugar - prosseguiu Beneditx -, no mundo sensível que nos rodeia apercebemo-nos que há elos de causalidade. Uma coisa causa outra e é, por sua vez, o efeito de uma outra causa.Não há nada que possa ser a sua própria causa, pois, para isso, teria de ser anterior a si mesma, o que é impossível. Mas esse elo de causalidade não pode recuar até ao infinito, senão não haveria uma primeira causa e, logo, um primeiro efeito, porquanto afastar a causa implica afastar o efeito. Por isso, a percepção pelos nossos sentidos de causas e efeitos obriga-nos a aceitar uma causa sem causa, uma primeira causa eficiente, a que toda a gente chama Deus. Em terceiro lugar, há coisas na natureza que podem existir ou não existir pois são criadas e consumidas, nascem e morrem. É impossível que essas coisas tenham existido sempre, pois tudo aquilo que a certa altura pode deixar de existir tem necessariamente  de não ter existido em determinado momento. Por isso, se tudo pudesse deixar de existir, teria de haver um momento em que podia não ter existido nada. se isto fosse verdade, ainda hoje não existiria nada, porque aquilo que não existe surge a partir de algo que já existe. Ou seja, se num determinado momento não existisse nada, nada poderia ter começado a existir e nada existiria no momento presente, o que é um absurdo. Por isso, tudo aquilo que existe não é meramente possível; tem de existir algo cuja existência é necessária. Mas a necessidade de uma coisa necessária é causada por outra coisa qualquer e não podemos ir até ao infinito numa cadeia de necessidades, como já vimos em relação aos moventes e às causalidades, pelo que não podemos deixar de postular a existência de um ser, cuja necessidade adveio de si próprio, e não só não resulta de um outro ser como é causa da necessidade de outros seres. Para todos os homens este ser é Deus.
Houve um silêncio enquanto Palinor meditava sobre estas palavras. Chegaram ao fim do caminho que se abria sobre o vale, permitindo uma visão abrangente e suavemente descendente dos laranjais e do verde prateado dos olivais (...)
-esses argumentos vão todos dar ao mesmo - disse Palinor - Tudo aquilo que se move é movido por outra coisa; por isso, há algo que faz mover tudo aquilo que se move. Todos os efeitos têm uma causa: por isso, há uma causa de onde resultam todos os efeitos. Continuando, todas as estradas vão dar a um lado qualquer, por isso há um lado qualquer onde todas as estradas vão dar (... )
O problema, Beneditx, é que afirmas que as coisas que existem no mundo à nossa volta têm de ter uma explicação e apresentas Deus como a explicação. Mas, para mim, o mundo que está à nossa volta não me suscita quaisquer dúvidas nem necessita qualquer explicação. Para mim, tudo aquilo que existe aos nossos olhos, ao nosso tacto, ao nosso paladar e ao nosso olfacto, é possível, e o que é impossível não é impossível. Daí que eu não veja a necessidade de Deus.
- Mas hás-de ver - disse Beneditx, num assomo de paixão - Apresentarte-ei as provas do grau e do desígnio. Hás-de ver!"

Jill Paton Walsh, O conhecimento dos anjos, Gradiva, Lx, 1996, p.119,120