Um texto deve ser entendido como resposta a uma questão posta pelo autor. Não que se considere a questão sob um ponto de vista psicológico e que se trate de reconstruir o pensamento do autor, a questão deve ser considerada na sua relação com a coisa mesma por que interroga o texto.
Mas a questão não surge ela própria, de modo expresso, no texto. Com efeito, o discurso ao passar de oral a escrito, isto é, ao tornar-se texto, põe em suspenso o contexto inicial, comum a locutor e receptor, de onde surgiu a pergunta. O texto, quando considerado na sua mera efectividade, torna-se, por assim dizer, autónomo relativamente ao contexto histórico, social e psicológico de onde surgiu.
Se questionar é abrir possibilidades, isto é, abrir as múltiplas respostas possíveis ao que está em questão, responder é eleger uma dessas possibilidades enquanto fundamento do não-ser das outras. A possibilidade eleita, a resposta afirmada, opõe-se a todas as outras possíveis respostas abertas pelo questionar.
Se questionar é abrir possibilidades, responder é encerrar possibilidades, quer dizer, encerrar a questão.
João Paisana,História da filosofia e tradição filosófica, Colibri, lx, 1993, p.19
Foto: Helena Lebre
Aqui fica a homenagem ao João Paisana, meu professor. Como qualquer texto-tese, afirmar uma resposta não é, de modo nenhum, encerrar a questão, tão pouco ter a pretensão de o fazer, se assim fosse ignorar-se-ia toda a tradição filosófica que persegue certas questões de modo sistemático através do tempo. Tanto na sua actividade crítica como hermenêutica ou em ambas, o texto aparece como uma provocação ou um pretexto para o questionamento continuar, alimenta-o. Neste aspecto questionar e responder são sempre possibilidades em aberto. Mesmo quando a questão é retórica, mera formalidade, para se poder expandir a consistência de um pensamento, de uma visão, enquadra-se um questionamento da sua legitimidade no tempo, da sua oportunidade ou necessidade dadas as referências disponíveis, é, portanto, abertura para um diálogo que não se opera apenas ao nível histórico mas também analítico pois os argumentos podem ser sempre colocados em causa e, por isso, desocultada a sua inconsistência tanto em comparação com o sistema onde tem lugar como nas consequências que dele podem ser retiradas e que podem revelar-se falsas.
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