Será o livre-arbítrio uma ilusão? Alguns cientistas pensam que sim. Por exemplo, em 2002, o Psicólogo Daniel Wegner, escreveu: "Parece que somos agentes. Parece que somos nós a causa do que fazemos ... É preocupante, finalmente podemos chamar ilusão a tudo isso " Mais recentemente, o neurocientista Patrick Haggard declarou:" Nós certamente não temos livre-arbítrio. Não no sentido em que pensamos tê-lo. ". E em Junho, o Neurocientista Sam Harris afirmou:" Parecemos ser agentes agindo de acordo com a nossa vontade. O problema, porém, é que este ponto de vista não pode conciliar-se com o que sabemos sobre o cérebro humano. "
Mas muitos neurocientistas empregam uma noção errada de livre-arbítrio.
Estas proclamações dão boas notícias, afinal, se o livre-arbítrio está morto, então a responsabilidade moral e legal vem por arrasto. Como o analista legal Jeffrey Rosen escreveu no The New York Times Magazine, "Uma vez que todo o comportamento é causado pelos nossos cérebros, não significaria isso que todo o comportamento poderia ser desculpado? ... Teme-se que a morte do livre arbítrio, ou a sua exposição como uma ilusão conveniente, possa causar estragos no nosso sentido de responsabilidade moral e legal. "
De facto, as questões do livre-arbítrio, são, em parte uma condição prévia para merecer a culpa por actos incorrectos e o crédito nas suas realizações. Note-se também que, simplesmente expôr as pessoas a afirmações científicas de que o livre-arbítrio é uma ilusão pode levá-las a maus comportamentos, por exemplo, a cometerem mais fraudes ou a ajudar menos os outros.. Assim, é importante saber se estes cientistas têm justificações fortes para concluir que o livre-arbítrio é uma ilusão.
Vou tentar explicar por que a neurociência não é a morte do livre-arbítrio e não " pode causar estragos no nosso sentido de responsabilidade moral e legal", (...) Vou argumentar que a evidência neurocientífica não prejudica o livre-arbítrio. Mas primeiro, vou explicar o problema central: esses cientistas estão a empregar uma noção errada. Uma vez que a noção correcta seja encontrada, o argumento pode ser invertido no seu propósito.Em vez de mostrar que o livre-arbítrio é uma ilusão, a neurociência e a psicologia podem realmente ajudar a entender como funciona.
Haggard quando conclui que não temos livre-arbítrio "no sentido que pensamos", revela como essa conclusão depende de uma definição particular do conceito. Os argumentos dos cientistas assentam na afirmação que o livre-arbítrio, por definição, requer uma alma imaterial ou não-física, e utilizam a neurociência para fornecer evidência de que nossas mentes são físicas. Haggard menciona o livre-arbítrio "no sentido espiritual ... um fantasma na máquina".O neurocientista Read define-o como "a ideia de que fazer escolhas e ter pensamentos é independente de qualquer coisa remotamente parecida com um processo físico. O livre-arbítrio é assim o primo próximo da ideia de alma "(Current Biology 18, 2008). É essa definição do livre-arbítrio que julgam ser a exigida pelo pensamento comum e teoria filosófica. Mas estão enganados em ambos os casos.
Devemos ser cautelosos ao definir as coisas da existência. Definir a Terra como o planeta no centro do universo implicaria que quando a Terra deixasse de ter esse lugar, não haveria terra?. Definir o que é moral como qualquer mandamento de Deus, tornaria de repente a maioria das pessoas (as que não acreditam em Deus) imorais. Definir o casamento como uma união apenas para a procriação, implicaria anular muitos casamentos que o são de facto mas não de acordo com a definição.
As ciências da mente dão-nos boas razões para pensar que nossas mentes são feitas de matéria. Mas, daí concluir que a consciência ou livre-arbítrio é uma ilusão, é muito pouco convincente. É como inferir a partir de descobertas da química orgânica que a vida é uma ilusão só porque os organismos vivos são feitos de material não-vivo. Grande parte do progresso na ciência vem precisamente da compreensão das totalidades segundo as suas partes, sem que isso sugira o desaparecimento das totalidades. Não há nenhuma razão para definir a mente ou o livre-arbítrio de uma forma que começa por cortar a possibilidade do seu desenvolvimento e existência.
Os nossos cérebros são as coisas mais complexamente organizadas do universo conhecido, exactamente o tipo de coisas que poderiam, eventualmente, explicar a razão de cada um de nós ser único, porque somos criaturas conscientes e porque os humanos têm habilidades para compreender, conversar, e criar muito além dos precursores dessas habilidades, os outros animais. As descobertas da neurociência no próximo século irão esclarecer como funciona a consciência e pensar o trabalho que realiza de acordo com a sua natureza, porque os nossos cérebros complexos funcionam de acordo com uma natureza própria.
(...) Mas, primeiro, precisamos definir o livre-arbítrio de forma mais razoável e útil. Muitos filósofos, inclusive eu, entendem o livre-arbítrio como um conjunto de capacidades para imaginar futuros cursos de ação, deliberar sobre as razões para escolhê-los, planear as ações à luz da presente deliberação e controle face a desejos concorrentes. Nós agimos pela nossa própria vontade livre na medida em que temos a oportunidade de exercer essas capacidades, sem pressão externa ou interna razoável. Somos responsáveis pelas nossas ações, grosso modo, na medida em que possuímos essas capacidades e temos a oportunidade de exercê-las.
Essas capacidades de deliberação consciente: o pensamento racional e o auto-controle, não são habilidades mágicas. Não precisam pertencer à alma imaterial fora do reino da compreensão científica (na verdade, uma vez que não sabemos como as almas são, se as trabalhassemos isso não ajudaria a explicar essas capacidades). Pelo contrário, estas são os tipos de capacidades cognitivas que os psicólogos e neurocientistas estão bem posicionados para estudar.
Esta concepção do livre-arbítrio representa uma visão de longa data e dominante na filosofia, embora seja normalmente ignorada por cientistas para concluir que o livre-arbítrio é uma ilusão. Note-se também que a maioria dos não-filósofos tem intuições sobre a ação livre e responsável que confirmam esta concepção de livre-arbítrio. Pesquisadores no novo campo de estudo da filosofia experimental sabem o que "o povo" pensa sobre estas questões filosóficas e porquê. Por exemplo, entre os meus colaboradores descobri que a maioria pensa que o livre-arbítrio e responsabilidade são compatíveis com o determinismo, isto é, com a tese de que todos os acontecimentos são parte de uma cadeia-lei de tal forma que acontecimentos anteriores tornam necessários acontecimentos posteriores. Isto é, a maioria das pessoas julga que podemos ter livre-arbítrio e ser responsáveis pelas nossas ações, mesmo se todas as decisões e ações são inteiramente causadas por acontecimentos anteriores de acordo com as leis naturais.
Eddy Nahmias, The New York Times, 13 de Novembro de 2011
Tradução de Helena Serrão
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