O
messianismo científico de Marx, esse é de origem burguesa. O progresso, o futuro
da ciência, o culto da técnica e da produção são mitos burgueses que se constituíram
como dogmas no século XIX. Note-se que o “Manifesto Comunista” aparece no mesmo
ano de “ O Futuro da Ciência” de Renan. Esta última profissão de fé,
consternante aos olhos do leitor contemporâneo, dá ao mesmo tempo a ideia justa
das esperanças quase místicas provocadas no século XIX pelo desenvolvimento
da industria e do progresso surpreendentes da ciência. Essa esperança é a
da sociedade burguesa por si mesma, a única beneficiária do progresso técnico.
A noção de progresso é
contemporânea da época das luzes e da revolução burguesa. Podemos, sem dúvida,
encontrar os seus inspiradores no século XVII; já a disputa entre Antigos e Modernos
introduzia, na ideologia europeia, a noção perfeitamente absurda de um progresso
artístico. De forma mais séria podemos também retirar do cartesianismo a ideia
de uma ciência que vai crescendo sempre. Mas é Turgot quem primeiramente
dá, em 1750, uma definição clara da nova fé. O seu discurso sobre o progresso
do espírito humano retoma, no fundo, a história universal de Bossuet. Substitui-se
apenas a Vontade divina, pela ideia de progresso. “ A massa total do género
humano, através das alternativas da calma e da agitação, do bem e do mal,
caminha sempre, embora a passo lento, para uma perfeição maior.” (v.Les Illusions du Progrès.)
Optimismo é o que
fornece de essencial as considerações retóricas de Condorcet, doutrinário
oficial do progresso que ligava ao progresso do Estado e do qual foi,
também ,a vítima oficial, pois o Estado das luzes forçá-lo-ia envenenar-se.
Sorel tinha toda a razão em dizer que a filosofia do progresso era precisamente
aquela que convinha a uma sociedade ávida para gozar a prosperidade material
devida aos progressos técnicos. A partir do momento que asseguramos que amanhã,
dentro da ordem mesma do mundo, será melhor que hoje, podemos divertir-nos em
paz.”
Albert Camus, L´homme revolté, Gallimard, 1951, pág.
Tradução de Helena Serrão
Apesar de Marx ter negado a verdade à doutrina cristã, a concepção de uma história onde se cumpre um fim, o advento do proletariado como classe dominante, entronca sem contradição ou conflito na noção mais vasta de um progresso constante, que pode ter retrocessos, mas que se cumprirá seja qual for a vontade dos homens. A complementaridade com uma visão cristã defensora de um fim último: o reino de Deus, é notória. Cristianismo e marxismo convergem nessa ideia de um progresso inevitável inscrito numa ordem do mundo que é a ordem da história que se faz ao arrepio das vontades individuais e, nesse aspecto, asseguram ambos, porque o justificam, as atrocidades e injustiças da própria marcha da história que sendo feita pelos homens e não segundo uma qualquer ordem que os transcende, se repete sem remissão.
Helena Serrão