Steve Mc Curry, India Jodhpur, 2007
"O terror fundamentalista islâmico não se baseia na convicção por parte do terrorista da sua superioridade e no seu desejo de salvaguardar a sua identidade religiosa e cultural do massacre da civilização consumista global. O problema com os fundamentalistas não é que os consideremos inferiores a nós, mas antes o facto de eles próprios se considerarem secretamente inferiores. É por isso que as nossa declarações condescendentes e politicamente correctas de que não sentimos qualquer superioridade sobre eles só serve para os enfurecer ainda mais e para alimentar o seu ressentimento
. O problema não é a diferença cultural (o esforço deles por manterem a sua identidade), mas o facto oposto dos fundamentalistas serem já como nós, de, secretamente, terem já interiorizado os nossos critérios e se avaliarem a si próprios nesses termos. (...)
O aspecto desconcertante dos ataques terroristas é não corresponderem à nossa oposição característica entre o mal como egoísmo u desprezo pelo bem comum e o bem como espírito e real disposição de sacrifício em nome de uma causa mais elevada. (...) O egoísmo, ou preocupação com o bem-estar próprio, não se opõe ao bem comum, uma vez que podem facilmente deduzir-se normas altruístas de preocupações egoístas. As oposições individualismo versus comunitarismo, utilitarismo versus afirmação de normas universais, são oposições falsas, uma vez que as duas opções contrárias conduzem ao mesmo resultado. Os críticos que se queixam de que, na sociedade actual hedonista-egoísta, faltam os verdadeiros valores erram por completo o alvo. O verdadeiro do amor-próprio egoísta não é o altruísmo, a preocupação com o bem comum, mas a inveja, o ressentimento, que me faz agir contra os meus próprios interesses. Freud sabia-o bem: a pulsão de morte opõe-se tanto ao princípio do prazer como o princípio da realidade. O verdadeiro mal, que é a pulsão de morte, implica a auto-sabotagem. Faz-nos agir contra os nossos próprios interesses.
O problema do desejo humano é, segunda Lacan, ser sempre "desejo do outro" em todos os sentidos do termo: desejo pelo outro, desejo de ser desejado pelo outro, e, especialmente, desejo daquilo que o outro deseja. Este último desejo torna a inveja, que inclui o ressentimento, uma componente constitutiva do desejo humano - aspecto que Agostinho conhecia bem. lembremos a passagem das suas Confissões, citadas com frequência por Lacan, onde deparamos com um bébé com cíumes do seu irmão que chupa o seio da mãe: "Eu mesmo vi e compreendi como uma criança pode ter ciúmes embora aibnda não fale. Empalidece e lança olhares amargos ao seu irmão de leite."
Slavoj Zizek, A Violência, pág 81,82