segunda-feira, janeiro 18, 2016

Estaremos a sonhar? RENÉ DESCARTES




Ouvimos o despertador, desligamo-lo, levantamo-nos da cama, vestimo-nos, tomamos o café da manhã, aprontamo-nos para mais um dia. De repente, algo inesperado acontece: acordamos e percebemos que estávamos a sonhar. No nosso sonho, estávamos despertos e dando seguimento à vida, mas na verdade ainda estávamos roncando debaixo do cobertor. Se alguém já teve uma dessas experiências, entenderá o que digo. São geralmente  chamadas de “falso despertar” e podem ser bastante convincentes. O filósofo francês René Descartes (1596-1650) teve uma que o deixou a pensar. Como poderia ele ter certeza de que não estava a sonhar? Para Descartes, a filosofia era um entre muitos interesses intelectuais. Ele foi um matemático brilhante, talvez mais conhecido por ter inventado as “coordenadas cartesianas” – supostamente depois de ver uma mosca a cruzar o teto pensou como poderia descrever a sua posição em vários pontos. A ciência também o fascinava, e ele era tanto astrónomo quanto biólogo. A sua reputação como filósofo deve-se principalmente à obra  Meditações e ao Discurso do método, livros nos quais ele explorou os limites do que possivelmente podia conhecer. Como a maioria dos filósofos, Descartes não gostava de acreditar em nada sem antes examinar por que acreditava naquilo; ele também gostava de fazer perguntas complicadas, que outras pessoas evitavam fazer. Obviamente,  percebeu que não podia viver questionando tudo a tempo inteiro. Seria extremamente difícil viver se não tomássemos certas coisas como verdadeiras na maior parte do tempo, o que Pirro sem dúvida descobriu (ver Capítulo 3). Mas Descartes pensou que valeria a pena tentar uma vez na vida descobrir o que ele podia saber com certeza. Para isso, ele desenvolveu um método, hoje conhecido como método da dúvida cartesiana. O método é bastante simples: não aceites nada como verdadeiro se houver a mínima possibilidade de que não o seja. Pensa num grande saco de maçãs. Sabes que dentro do saco existem algumas maçãs estragadas, mas não tens a certeza de quais são. Queres chegar ao ponto de ter um saco só com maçãs boas. Como poderias chegar a esse resultado? Uma maneira seria despejar todas as maçãs no chão e examinar uma a uma, guardando no saco somente aquelas que tivesses absoluta certeza de serem boas. Talvez descartasses durante o processo algumas maçãs boas, porque  parecem estar um pouco estragadas por dentro, mas a consequência seria ter um saco só com maçãs boas. O método da dúvida cartesiana era mais ou menos assim. Parte-se de uma crença, como “estou acordado, lendo este livro”, examinamos, e só a aceitamos se tivermos a certeza de que não é errada ou enganadora. Se houver o mínimo espaço para a dúvida, rejeitamo-la. Descartes analisou diversas coisas nas quais acreditava e questionou se tinha ou não certeza de que  eram o que pareciam ser. Seria o mundo realmente tal como parece ser? Tinha ele certeza de que não estava a sonhar?

Nigel Warburton, Breve História da Filosofia

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