Alex McLean
"É este o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião; a
religião não faz o homem. E a religião é, de facto, a autoconsciência e o
sentimento de si do homem, que ou ainda não se conquistou ou voltou a
perder-se. Mas o homem não é um ser abstrato, acocorado fora do mundo. O homem
é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Este Estado e esta sociedade
produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo
invertido. A religião é a teoria geral deste mundo, o seu resumo enciclopédico,
a sua lógica em forma popular, o seu point
d’honneur espiritualista, o seu entusiasmo, a sua sanção moral, o seu
complemento solene, a sua base geral de consolação e de justificação. É a realização
fantasmal da essência humana, porque a essência humana não possui verdadeira
realidade. Por conseguinte, a luta contra a religião é indiretamente a luta
contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião.
A miséria religiosa é, ao mesmo tempo, a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o âmago de um mundo sem coração e a alma de situações
sem alma. É o ópio do povo.
A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é a exigência da sua felicidade real. O apelo para que eles deixem as
ilusões a respeito da sua situação é o apelo para abandonarem uma situação que
precisa de ilusões . A crítica da religião é, pois, em germe a crítica do vale
de lágrimas de que a religião é a auréola. A crítica colheu nas cadeias as
flores imaginárias, não para que o homem suporte as cadeias sem fantasia ou sem
consolação, mas para que lance fora as cadeias e colha a flor viva. A crítica
da religião liberta o homem da ilusão, de modo que ele pense, atue e configure
a sua realidade como homem que perdeu as ilusões e recuperou o entendimento, a
fim de que ele gire à volta de si mesmo e, assim, à volta do seu verdadeiro sol. A religião é apenas o sol ilusório
que gira à volta do homem enquanto ele não gira à volta de si mesmo.
Por isso, a tarefa da história , depois que o além da verdade se desvaneceu, é estabelecer a verdade do aquém. A imediata Tarefa da filosofia , que está ao serviço da história, é desmascarar a autoalienação
humana nas suas formas não sagradas, agora que ela foi desmascarada na sua forma sagrada. A crítica do céu transforma- se deste modo em crítica da
terra, a crítica da religião em crítica do direito, a crítica da teologia em crítica
da política."
Se a luta política e a sociedade ideal revelou-se, quando experimentada, tirânica e profundamente injusta, a sociedade cristã católica nunca poderá ser testada na história porque abdicou há muito de ser histórica, é como uma esperança infinita, nunca desilude pois a sua forma não pode ser testada. Esta esperança infinita pode coexistir com a miséria dos factos e ser por eles alimentada num procedimento natural de fuga que por ser de algum modo maniqueísta é condescendente com a miséria dos factos. Alimenta-se essa esperança infinita de foclore e demagogia que se vai metamorfoseando para falar a linguagem do seu tempo. É certo que precisamos de foclore e demagogia para que as desigualdades e injustiças não sejam tão aquilo que verdadeiramente são, um filme de terror difícil de aguentar.
Karl Marx, Para a crítica da Filosofia do Direito de Hegel,
Tradução de Artur Mourão
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