Quanto à Filosofia de Descartes, acerca da qual pergunta a
minha opinião, não hesito em dizer, com firmeza, que leva ao ateísmo. Para mim, que considerei tudo atentamente, existem algumas coisas muito suspeitas como, por exemplo, estas duas passagens:
“A causa final não deve ser considerada na física." "A matéria
leva sucessivamente todas as formas das quais é capaz.”
Há uma admirável passagem no Fédon, em que Platão culpa
justamente Anaxágoras pela mesma coisa que me desagrada em Descartes. Acredito que as leis
da mecânica, que servem de base a todo o sistema físico, dependem de causas finais; o
mesmo é dizer, da vontade de Deus determinado a fazer o que é mais perfeito,
pois essa matéria não assume todas as formas possíveis, mas apenas a mais
perfeita; caso contrário, seria necessário dizer que chegaria um momento em que
tudo seria mau à vez, o que está muito distante da perfeição do autor das
coisas. Quanto ao resto, se Descartes fosse menos dado a hipóteses imaginárias
e mais ligado às experiências, acho que sua física teria sido digna de ser
seguida. Pois devo admitir que ele tinha grande penetração. Quanto à sua
geometria e análise está longe de ser tão perfeita quanto muitos o pretendem,
mas é uma investigação de problemas insignificantes. Quanto à sua metafísica, tem
vários erros e não conheceu a verdadeira fonte das verdades nem aquela análise
geral de noções que Jung1, na minha opinião, entendeu melhor do que ele. No
entanto, confesso que a leitura de Descartes é muito útil e muito instrutiva, e
que eu gosto incomparavelmente mais de o fazer com um cartesiano do que com um
homem de alguma outra escola. Finalmente, considero esta filosofia como a antecâmara
da verdadeira filosofia.
Leibniz, Extrato de uma carta a Philipp, 1679.
1. Joachim Jung ou Jungius (Lübeck, 22 de outubro de 1587 —
Hamburgo, 7 de Setembro de 1657) foi um filósofo, matemático e naturalista
alemão. Contemporâneo de Johannes Kepler (1571-1630) e de René Descartes
(1596-1650), Jung tornou-se uma das principais figuras da ciência no século
XVII.
Sem comentários:
Enviar um comentário