quinta-feira, novembro 07, 2019

A crise na educação


  Henry Cartier-Bresson, 1957
Na medida em que a criança não conhece ainda o mundo, devemos introduzi-la nele gradualmente; na medida em que a criança é nova, devemos zelar para que esse ser novo amadureça, inserindo-se no mundo tal como ele é. No entanto, face aos jovens, os educadores fazem sempre figura de representantes de um mundo do qual, embora não tenha sido construído por eles, devem assumir a responsabilidade, mesmo quando, secreta ou abertamente, o desejam diferente do que é. Esta responsabilidade não é arbitrariamente imposta aos educadores. Está implícita no facto de os jovens serem introduzidos pelos adultos num mundo em perpétua mudança. Quem se recusa a assumir a responsabilidade do mundo não deveria ter filhos nem lhe deveria ser permitido participar na sua educação.

No caso da educação, a responsabilidade pelo mundo toma a forma da autoridade. A autoridade do educador e as competências do professor não são a mesma coisa. Ainda que não haja autoridade sem uma certa competência, esta, por mais elevada que seja, não poderá jamais, por si só, engendrar a autoridade. A competência do professor consiste em conhecer o mundo e em ser capaz de transmitir esse conhecimento aos outros. Mas a sua autoridade funda-se no seu papel de responsável pelo mundo. Face à criança, é um pouco como se ele fosse um representante dos habitantes adultos do mundo que lhe apontaria as coisas dizendo: «Eis aqui o nosso mundo!»

Todos sabemos como as coisas hoje estão no que diz respeito à autoridade. Seja qual for a atitude de cada um de nós relativamente a este problema, é óbvio que a autoridade já não desempenha nenhum papel na vida pública e privada (…)— a violência e o terror exercidos pelos países totalitários nada têm a ver com a autoridade — ou, no melhor dos casos, desempenha um papel altamente contestado. No essencial, significa isto que se não pede já a ninguém, ou se não confia já a alguém, a responsabilidade do que quer que seja. É que, em todo o lado onde a verdadeira autoridade existia, ela estava unida à responsabilidade pelo curso das coisas no mundo. Nesse sentido, se se retira a autoridade da vida política e pública, isso pode querer significar que, daí em diante, passa a ser exigida a cada um uma igual responsabilidade pelo curso do mundo. Mas, isso pode também querer dizer que, consciente ou inconscientemente, as exigências do mundo e a sua necessidade de ordem estão a ser repudiadas; que a responsabilidade pelo mundo está, toda ela, a ser rejeitada, isto é, tanto a responsabilidade de dar ordens como a de lhes obedecer. Não há dúvida de que, na moderna perda de autoridade, estas intenções desempenham ambas o seu papel e têm muitas vezes trabalhado juntas, de forma simultânea e inextricável. Ora, na educação esta ambiguidade relativamente à atual perda de autoridade não pode existir. As crianças não podem recusar a autoridade dos educadores, como se estivessem oprimidas por uma maioria adulta— ainda que, efetivamente, a prática educacional moderna tenha tentado, de forma absurda, lidar com as crianças como se se tratasse de uma minoria oprimida que necessita de ser libertada. Dizer que os adultos abandonaram a autoridade só pode portanto significar uma coisa: que os adultos se recusam a assumir a responsabilidade pelo mundo em que colocaram as crianças.


Hannah Arendt “A crise na Educação, Relógio D`Água,Lx, 2000 p.43 e 44, Arendt 1968

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