Benjamin-Constant,1845/1902, Antígona
" CORO: Há coisas prodígiosas, mas nenhuma como o homem. Ele, que
ajudado pelo tempestuoso vento sul, chega ao outro extremo do espumante
mar, atravessando-o, apesar das ondas que rugem descomunais; ele, que
fatiga a sublime, divina e inesgotável terra, com o vaivém do arado
puxado por mulas e, ano atrás de ano, a vai sulcando; ele, que com
armadilhas, captura os inocentes pássaros e aprisiona os animais
selvagens, e, com as malhas de entrelaçadas redes, colhe os peixes que
vivem no mar; o engenhoso homem que, com a habilidade, domina o selvagem
animal montês; que sabe subjugar o cavalo de abundantes crinas e o
infatigável touro da serra; o homem que, por si próprio, aprendeu a
falar e tem pensamentos rápidos como o vento, e criou em si um carácter
que regula a vida em sociedade, e aprendeu a fugir das implacáveis
intempéries, com seus dardos de chuva e de neve; o homem que possui
recursos para todos os males, pois, sem recursos, não se aventuraria a
encarar o futuro; apesar de tudo isto, não conseguiu evitar a morte,
embora arranjasse formas de combater as enfermidades inevitáveis. Quanto
ao seu poder inventivo, logrou conhecimentos técnicos que superam o
inesperado; mas algumas vezes os encaminha para o mal e, outras vezes,
para o bem.
Se respeita os usos e costumes locais e a justiça
confirmada por divinos juramentos, consegue chegar ao cimo da
cidadania; mas o que ousadamente se deleita no erro, perde os direitos
de cidadão; esse não poderá sentar-se à minha mesa, pois, quem assim
procede, não pensa como eu. (...)
CREONTE: -Mas tu, dize-me sem rodeios; sabias que te era vedado, por um édito, fazer o que fizeste?
ANTÍGONA - Sim, sabia-o bem. Como poderia ignorá-lo se toda a gente o sabe?
CREONTE - E, apesar disso,atraveste-te a passar por cima da lei?
ANTÍGONA - Não foi Zeus que ditou esse decreto; nem Dice companheira dos deuses subterrâneos, estabeleceu tais leis para os homens. E não creio que os teus decretos tenham tanto poder que permitam a alguém saltar por cima das leis, não escritas mas imutáveis, dos deuses; a sua vigência não é nem de hoje nem de ontem, mas de sempre e ninguém sabe como e quando apareceram. Não iria atrair o castigo dos deuses, por medo das determinações dos mortais; só via na minha frente o morto, sem cuidar do que decretaste. E, se morrer agora, lucrarei com isso, pois quem, como eu, vive entre tantos males, ganha com a morte. Só encaro como desgraça ficar insepulto um filho de minha mãe e eu consentir: isso sim! é que me seria doloroso. Pode parecer-te que procedi como uma louca, mas é quase a um louco que dou conta da minha loucura."
Terá o homem, considerado nos seus direitos indivíduais enquanto ser ético, ter razão quando transgride a lei do estado? Poderemos confiar na resposta política que ANTÍGONA usa como recurso forte contra CREONTE, que não são os humanos que podem decidir o que é justo ou injusto mas há uma lei ancestral que está acima da lei humana? Teremos de obedecer à lei do estado quando este é governado por um tirano? Quando a lei dos homensnão reconhece a lei ancestral e a pisa? A questão continua a ser actual e reporta-nos para a questão deontológica. A qual lei deve ater-se a ação? Poderá a atitude de ANTÍGONA ter valor moral? Nada na personagem evoca a moral, evoca leis antigas, leis divinas, leis familiares, leis de sangue. Antígona resume-as na célebre resposta a CREONTE: "Não nasci para odiar mas para amar". O conflito de ANTÍGONA não é um conflito moral é uma questão de fidelidade aos que ama, poderemos modernizá-lo como um dilema moral que a personagem não tem, nenhuma das personagens tem conflito com a sua consciência moral, não estão psicologicamente divididos, a peça representa a condição do homem e a inevitabilidade trágica dessa condição. Neste aspeto, não há dilemas morais, embora nós o possamos entender como tal ao avaliarmos a situação para lhe tentar encontrar uma solução que ela não tem, nem terá. HS
Sófocles, Antígona, Tradução,António Manuel Couto Viana, pág.21,Verbo,s.d