Marc Chagall, O pecado original, 1960
Leibniz (na Teodiceia) encarregou-se
de defender um Criador acusado de crimes sem paralelo. A sua defesa
reside em dois pontos. O primeiro é que o acusado não podia ter agido de outra
forma. Como qualquer outro agente, estava limitado às possibilidades que tinha
à Sua disposição. O outro ponto invoca o argumento de todas as ações do Criador
acontecerem para o melhor, de facto. Uma parte da defesa é uma investigação às
causas das ações do acusado, enquanto a outra tem a ver com a verdadeira
natureza das suas consequências no mundo. É aqui que as teses de Leibniz
parecem não só anteriores à experiência, mas nitidamente imunes a ela. Para
esse efeito, deixa bem claro que qualquer facto, por horrível que seja, é compatível
com a tese de este mundo ser o melhor
dos mundos possíveis. A afirmação de Leibniz não é uma teoria sobre a bondade
deste mundo; diz-nos simplesmente que nenhum outro mundo teria sido melhor. Aqueles
que tentaram contradizê-lo terão como resposta que não sabem o suficiente para
o fazer, o que será certamente verdade. (…)
A defesa da justiça divina feita por Leibniz depende da
divisão de toda a nossa aflição em mal metafísico, natural e moral. Será esta
classificação, associada à hipótese de haver uma relação causal entre aqueles
males, que nos parecerá violentamente necessitada de defesa. Para Leibniz, o
mal metafísico é uma degeneração inerente ao limite da(s) substância(s) de que
o mundo é feito. O mal natural é a dor e o sofrimento que sentimos nele. O mal
moral é o crime pelo qual o mar natural é a punição inevitável. A suposição de
o mal moral e natural terem uma relação de causa efeito nunca foi sujeita por
Leibniz a uma pesquisa minuciosa. (…)
Há muito tempo, a vida era como devia ser. A terra era um
jardim onde tudo era bom. A fome era saciada sem esforço; as crianças nasciam
sem dor. Não conhecíamos morte, nem vergonha, nem ruína. Se tivéssemos de
conceber um mundo, não o faríamos assim?
Se as coisas deviam ser desta maneira, alguma coisa deve
explicar como elas são. A ideia de que o problema foi causado pelos pecados dos
nossos antepassados não depende do que eles fizeram. Lamentarmos que provar o
tipo errado de fruta tenha sido suficiente para uma sentença de morte pender
sobre a cabeça de todos os descendentes, é falhar a questão filosófica essencial,
e as tentativas cristãs de fazer aquela ação parecer pior do que foi, são vãs.
Uma coisa trivial parece a explicação mais apropriada. O que conta, em primeiro
lugar, não e a justiça da relação entre o que eles fizeram e o que sofreram,
mas se deve haver alguma relação. Porque acontecem as coisas más? Porque se
fizeram as coisas más? Mais vale ter alguma explicação causal do que permanecer
no escuro. Relacionar o pecado com o sofrimento é separar os males do mundo em
males morais e naturais, e criar desse
modo um contexto para perceber as atribulações humanas.
Susan Neiman, O mal no pensamento moderno, Gradiva, Lx, 2005, p.37 e 38
1 comentário:
1- Crimes só é cometido por seres humanos. Não devemos projetar atributos humanos em Deu;
2- Pelo amor Dele! Deus poderia ter agido da forma que quisesse;
3- Sim, e o melhor são as decisões de Deus.
4- Duvido muito que este seja o melhor mundo (material) possível!E não teria porque sê-lo. Deus o fez de acordo com seu querer.
5- A justiça divina consiste em recompensar o mal e o bem das ações humanas no além (e ou aqui);
6- O mal natural é instrumento de purificação, o moral é de punição;
7- Sim, "foi causado pelos pecados dos nossos antepassados"! Creio que como punição para o Diabo, mas...
8- "Provar o tipo errado de fruta"? Ai, que idiotice"!
9- "Porque acontecem as coisas más?" Porque são necessárias para regulagem do caráter melhorado;
10- "Porque se fizeram as coisas más?" Para servir de instrumento e crivo de julgamento;
Deus fez o mal porque quis e porque podia. Simples. Não há que se espantar. Não se deve criticá-lo por agir como quis, Ele é Deus, não um nosso igual. Um ser humano não deve causar dano a outro ser humano nem a um animal simplesmente porque não é melhor nem pode reverter os danos causados em todos os âmbitos.
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