"O Júri", John Morgan, 1861
Em 1778, Gothold lessing escreveu um pequeno ensaio sobre a palavra alemã para “facto” : Tatsache. “ A palavra ainda é jovem”, disse Lessing, e” e lembro-me perfeitamente do tempo antes de alguém a ter usado”. Mas a palavra em si, pelo menos em inglês, francês e italiano, não é nova. A sua origem está no verbo latino facio, ou “eu faço”. Factum, o particípio passado neutro significa “o que foi feito”. Pela Europa fora, onde quer que a influência do direito romano se tenha feito sentir, a lei ocupou-se do factum, que era o ato ou o crime. Por isso, “ o facto de Caim” foi o assassínio de Abel. Na peça Tudo está bem quando acaba bem, de Shakespeare, Helena diz:
Vamos analisar a nossa trama que, apressando,
Tem um significado malvado numa ação legítima
E significado legítimo num ato legítimo,
Onde os dois não pecam mas o facto é pecaminoso.1
O jogo de palavras que aqui existe depende de o “facto” ser, ao mesmo tempo, um sinónio para “ação” e “ato” mas também uma palavra usada especificamente para ações e atos ilegítimos. Em inglês ainda se usa esta linguagem (que será algo arcaica) quando, com a expressão “ an accessory after the fact” (cúmplice depois do facto), se faz referência a alguém que presta ajuda a um criminoso depois do crime ter sido cometido.
No direito inglês, o júri é o juiz do facto (Joe matou Tom? O Júri determina se Joe fez esse ato). O juiz é a autoridade na questão legal (para responder a perguntas como “Em que circunstâncias pode uma pessoa matar outra em legítima defesa?” ou “ Um documento está corretamente elaborado?” Pode-se apresentar recurso da interpretação da lei feita pelo juiz e da orientação dada ao júri mas não da determinação do facto pelo júri. Deve destacar-se aqui que nada houve de natural nesta conceção jurídica do facto. Foi uma construção do século XIII quando o júri substituía o “juízo de Deus” ou julgamento por ordálio. O que significava que o facto possuía um estatuto específico no direito inglês: uma vez estabelecido, nunca poderia ser posto em causa. Daí o aspeto específico da palavra “facto” no seu uso moderno, ao contrário de uma teoria, um facto é sempre verdadeiro e os factos são infalíveis porque os júris determinam os factos e são considerados infalíveis ( ou, pelo menos, incorrigíveis e incontestáveis, o que conduz à mesma coisa).
1)III. vii. 44-7
David Wootton, A invenção da ciência,Lisboa, Temas e Debates, 2017, pág.357 e 358
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