segunda-feira, junho 14, 2021

Filosofia?


Salvador Dali 

O que há de belo na filosofia? Como captar essa beleza e como partilhá-la com os alunos? Como conciliar a beleza da filosofia com um programa muito padronizado e estruturado? São essas as questões que me coloco quando estou prestes a terminar mais um ano letivo. Gostaria de tentar responder de forma substantiva e breve a estas três questões sem me autoimolar ou enveredar por vias catastróficas que concluem de forma implícita e inviesada que tudo está perdido. É certo que ao longo do percurso destes laboriosos anos de ensino público massificado, perdemos muitas coisas que nos eram caras e nos serviam de bussola; uma delas é que perdemos parte da autoridade como transmissores de conhecimento, mas penso que o próprio conhecimento perdeu parte da sua autoridade.Parto da crença de que ensinar é, sobretudo, transmitir conhecimentos. É uma crença defensável, basta-me. A beleza da filosofia reside, na minha modesta opinião, na forma como alguns filósofos encontraram sentidos diversos para o mundo e os problemas ancestrais que o homem encontrou ou criou nesse mundo.Problemas que estão presentes no actual programa tais como: Se somos livres ou se há um destino ou uma determinação; se existe ou não um Deus; se podemos confiar na moral; se poderá ou não haver um conhecimento objetivo. Como compreender os vários sentidos dados aos problemas é fulcral para compreender os problemas pois eles não estão desenraízados do próprio mundo histórico em que cada pensador os coloca e lhes tenta dar uma solução.  A razão não é certamente a mesma em todos os momentos, não temos a visão do que é ou não é senão dentro de determinadas crenças que são as crenças comuns da nossa época. Portanto, a compreensão do pensamento dos autores enquadrados na sua época, a sua forma de expressão, exige uma hermenêutica, é preciso e engenhosamente imperioso voltar a ler os textos com os alunos e retirar deles a visão do autor analisada por visões posteriores e necessariamente limitadas; as nossas. Creio que é nesse diálogo a que os textos nos obrigam quando nos interpelam, que se constrói e se antevê um pouco da beleza da filosofia.

A padronização argumento/objeção com que o programa de filosofia pretende moldar a prática da filosofia e em que os professores se veem imersos num ensino que acaba por dar uma noção de uma razão capaz a todos os momentos de reclamar do dito e antepor problemas mesmo antes de compreender a sua dimensão, uma espécie de necessidade histérica de crítica sem dar tempo às ideias amadurecerem e aos sistemas de mostrarem a sua consistência, tem como consequência um saber fragmentado e como princípio um relativismo insuperável e endémico. Primeiro sabemos e depois criticamos ou perguntamos como e porquê, assim e não de outro modo pois há mundos nos modos de entender. Essa procura de modos/mundos de entender é o alimento da crítica e a beleza da filosofia porque só assim nesse confronto podemos intuir o que há de diferente no nosso modo e desenhar o alcance das nossas mais profundas crenças.

HS

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