terça-feira, setembro 28, 2021
Interessante e Intenso, assim distinguia Kierkegaard o indivíduo estético do que, por uma forma geral de entender a vida, se identificaria com um religioso. Admito que não é possível, mesmo consciente da necessidade de projetar uma mente aberta e estranha a chavões, que esta distinção nos identifique ou ilumine de algum modo. Isto porque intenso é o café, aroma intenso, e interessante é alguém culto ou apenas uma mulher que não pintando o cabelo e assumindo certas poses, o pareça. O religioso será intenso certamente. Se buscarmos imagens de autos de fé e outras atrocidades que assumimos como passadas e negamos que possam ser revividas, mesmo quando à nossa frente o são, actos de crueldade a coberto de qualquer religião oficial ou clandestina não deixam de ser intensos, mas são sobretudo atos de crueldade sem uma razão admissível. Sabemos quanto as religiões tendem a criar as suas proprias razões; para quem está de fora, são apenas, não razões, quanto mais admissíveis. Pensar esteticamente e entender os valores a partir da sua agradabilidade à vista ou paladar parece-me promissor embora insatisfatório, mas identificar intenso com culinária ou desprezá-lo pela sua perigosidade ou associação a negativas imagens de paixão religiosa, parece-me superficial. É como se os valores fossem como os hamburguers da McDonalds, lavados com hidróxido de amónia, desidratados, pasteurizados entregues à graciosidade que hoje é o valor dos valores, o bem maior. Saúde.
No começo deste ano letivo podemos contrariar a tendência de retirar às palavras a sua perigosidade eminente. Propor conceitos intensos, com alto grau de perigosidade como, paixão?
Este discurso tem toda a aparência de um discurso anti-filosófico, neste momento, filosofia é dissecação racional no sentido mais de dissecação (lavagem?) do que chamada á racionalidade, pois razões nós encontramos para continuar a pensar com paixão. Intensamente.
Helena Serrão.
domingo, setembro 19, 2021
A civilidade ou como começar o novo ano.
A civilidade é uma questão de costumes, etiqueta, urbanidade, ritos informais que facilitam as nossas interacções e, dessa forma, nos fornecem modos de nos tratarmos mutuamente com consideração.Cria espaço social e psicológico para as pessoas viverem as suas vidas e fazerem as suas escolhas. Os jovens que cospem para o passeio e praguejam nos autocarros revelam sintomas meramente superficiais de incivilidade. Mais grave é a violação da privacidade por parte dos jornais sensacionalistas e as incursões em áreas da vida pessoal irrelevantes para as questões públicas - por exemplo, revelações acerca da vida sexual dos políticos. A nossa época é, efectivamente, moralista. Nauseantemente moralista. E isso constitui grande parte do problema, uma vez que as atitudes moralistas são intolerantes, e a intolerância é uma das piores descortesias. Exigir a cortesia é, de certa forma, exigir muito pouco: "Devemos ser corteses com um homem da mesma forma como o somos com um quadro, ao qual estamos dispostos a conceder o benefício de uma boa luz", dizia Emerson.
A perda de civilidade significa que o sentimento social foi substituído pela defensiva, com os grupos a reunir-se em torno de conceitos de identidade nacionalista, étnica e religiosa, erigindo barreiras contra os outros e, assim protegendo-se a si mesmos. A sociedade fragmenta-se em subgrupos cujos membros esperam assim escudar-se do egoísmo e desconsideração cáusticos dos outros.
"Há uma cortesia do coração que possui um carácter semelhante ao amor. Dela nasce a cortesia mais pura, no comportamento exterior", disse Goethe (...) a civilidade promove uma sociedade que se comporta bem em relação a si mesma, cujos membros respeitam o valor intrínseco do indivíduo e os direitos das pessoas diferentes de si.
A.C. Grayling, O Significado das coisas, Gradiva,Lx, 2002, pp.28,29
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