Pedi muito; recebi pouco, recebi
quase nada.
E entretanto? Alguns guarda-chuvas abertos dentro de casa.
Um par de sapatos que ficaram por engano na mesa da cozinha.
Ah, longe disso – a minha natureza era essa. Eu tinha
Um coração de pedra, era distante. Era
Egoísta, rígida até à tirania.
Mas sempre fui essa pessoa, mesmo nos primórdios da infância.
Pequena, morena, receada pelas outras crianças.
Nunca mudei. No interior do corpo, a maré
abstracta da sorte passou
de alta a baixa da noite para o dia.
Teria sido o mar? A sua reacção, porventura,
A uma força celestial? Por via das dúvidas,
Eu ia rezando. Tentava ser uma pessoa melhor.
Depressa me pareceu que o terror inicial,
Amadurecido num narcisismo moral,
Talvez se tivesse transformado enfim
Num crescimento humano efectivo. Talvez
os meus amigos se referissem a isso, ao darem-me a mão,
dizendo-me que compreendiam
os maus tratos, as porras inacreditáveis que eu aturei,
subentendendo (fui dessa opinião em tempos) que eu não batia bem
por dar tanto por tão pouco.
Isso quando no fundo queriam dizer que eu era boa (apertando-me a mão com força)-
Boa amiga e boa pessoa, e não uma criatura com páthos.
Eu não era patética! Era algo em grande,
Como uma rainha ou uma santa.
Enfim, tudo isto dá azo a interessantes conjecturas,
E vem-me ao espírito que o decisivo é acreditar
no esforço, acreditar que algum bem advirá do simples facto de se tentar,
um bem totalmente isento de mácula desse corrupto e iniciador impulso
de convencer ou seduzir –
O que seremos nós sem isso?
Num turbilhão no meio do negro universo,
Sozinhos, medrosos, incapazes de influenciar o destino –
de que dispomos nós, afinal?
De truques deploráveis, feitos com escadotes e sapatos,
Feitos com sal, de tentativas recorrentes, impuras
Na sua motivação, de formar carácter.
De que dispomos nós para aplacar as forças portentosas?
E julgo que no final terá sido essa a questão
Que destruiu Agamémnon, parado na praia,
Com os navios gregos a postos, o mar
Invisível além do porto sereno, o futuro
Letal, instável: foi parvo ao achar
que seria possível controlá-lo. Deveria ter dito
não disponho de nada, eis-me à tua mercê.