Adolescentes ucranianas partilham um cobertor na fronteira com a Roménia, Março 2022
Foto de Ioana Moldovan
" São estas as características da investigação normal que eu tinha em vista quando, no começo deste ensaio, descrevia a pessoa envolvida nela como um solucionador de puzzles, à maneira de um jogador de xadrez. O paradigma que ele adquiriu graças a uma preparação prévia fornece-lhe as regras do jogo, descreve as peças com que se deve jogar e indica o objetivo que se pretende alcançar. A sua tarefa consiste em manipular as peças segundo as regras, de maneira a que seja alcançado o objetivo em vista. Se ele falha, como acontece com a maioria dos cientistas, pelo menos na primeira tentativa de alcançar um problema, esse fracasso só revela a sua falta de habilidade. As regras fornecidas pelo paradigma não podem então ser postas em causa, uma vez que sem essas regras começaria por não haver puzzle para resolver. Não haja portanto dúvidas de que os problemas (ou puzzles), pelos quais o praticante da ciência madura normalmente se interessa, pressupõem a adesão profunda a um paradigma. E é uma sorte que essa adesão não seja abandonada com facilidade. A experiência mostra que, em quase todos os casos, os esforços repetidos, quer do indivíduo quer do grupo profissional, acabam finalmente por produzir, dentro do âmbito do paradigma, uma solução, mesmo para os problemas mais difíceis. Esta é uma das maneiras como a ciência avança. Nessas condições será de nos surpreendermos com a resistência dos cientistas à mudança de paradigmas? O que eles defendem é, no fim de contas, nem mais nem menos do que a base do seu modo de vida profissional.
Chegando aqui, uma das principais vantagens do que comecei por chamar "o dogmatismo científico" deve ser evidente. Como uma rápida vista de olhos a qualquer ciência mostra, a natureza é demasiado complexa para ser explorada ao acaso, mesmo de maneira aproximada. Tem que existir algo que diga ao cientista onde procurar e por que procurar, e esse algo que pode muito bem não durar mais que uma geração, é o paradigma que lhe foi fornecido pela sua educação de cientista. Em virtude desse paradigma e da necessária confiança nele, o cientista deixa em grande parte de ser um explorador, pelo menos de ser um explorador do desconhecido. "
Thomas Kuhn, A função do dogma na investigação científica, Lx, 1979, A regra do Jogo, pp 65,66
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